quarta-feira, 23 de abril de 2014

TRAÍRAS E TRAIRÕES: UMA PESCARIA INCRÍVEL


ESPECIAL - PESCA








Alguém já disse que a traíra, para o pescador de represa, é o vestibular para os peixes de maior tamanho. O que dizer então dos trairões? Vamos lá, pescar tanto um como o outro é emoção pura, que só o pescador amador entende.





Guardadas as proporções de tamanho, tanto a traíra como o trairão parecem o mesmo peixe. No entanto, enquanto a traíra, que cientificamente é classificada como Hoplias malabaricus, atinge no máximo 4 ou 5 quilos, sua “prima”, o trairão, classificado como Hoplias lacerdae, atinge facilmente 18 a 20 quilos.
Identificar quem é quem não é difícil e para isso encontramos na descrição de Nomura, o seguinte: “os sulcos da parte ventral da cabeça, constituídos pelas franjas dos bordos internos da mandíbula com o assoalho da boca, formam uma espécie de U invertido no trairão e não um V como na traíra.”
No que se refere à pesca, qualquer uma pega e muito bem, usando-se as mesmas técnicas, lógico e evidente, com diferença na resistência do material usado na pescaria.

Compare a mão do pescador e a isca artificial, com o tamanho da cabeça do trairão.

Começamos pela traíra, que tem sua área de atuação desde a Argentina até a América Central. Alguns dizem que a melhor maneira de se pescar a traíra é “batendo” a isca na água, já que tal procedimento “irrita” o peixe que então ataca. Particularmente não concordamos, já que sabemos que nos sentidos do peixe, a audição é o mais pronunciado e com o ato de bater a isca na água, estamos atraindo a traíra, mesmo que ela esteja mais longe (ver postagem neste blog sobre “peixes vêem cores?). Tal procedimento não acontece se jogarmos a linha com a isca e a deixarmos quieta no fundo. Talvez por essa razão é que os pescadores costumam usar diversas linhadas ou varas e durante a noite vão verificando se há ou não peixes fisgados. Outra lenda é que é melhor pescar à noite. Essa informação também é errada, pois a traíra também pega durante o dia. O segredo está na maneira de pescar. Se for linha de fundo ou vara, com isca parada, à noite é melhor, pois o peixe se movimenta mais. Se for batendo a isca, durante o dia, é melhor do que a noite.

   A boca de uma traíra comum. Observe vários dentes que são extremamente perigosos.


Aliás, na cidade de Ibiúna (SP), tivemos a oportunidade de verificar um tipo de pescaria bastante interessante no qual consiste o material em uma vara de bambu com ponta forte e resistente e linha de dois metros, com anzol grande e um pequeno empate de arame. Esses pescadores “enchem” o anzol de minhocas, fazendo um verdadeiro bolo e escondendo bem a ponta do anzol, para não enroscar. Em locais onde haja bastante capim, aguapés ou outros obstáculos do mesmo tipo, eles com a vara, vão correndo a superfície da água, em meio ao capim, fazendo o bolo de minhocas ir deslizando lentamente no meio do lugar. Quando existe um buraco no meio do capim, deixam o anzol iscado descer um pouco por alguns segundos e se não tem êxito, continuam a correr a superfície da água. A fisgada é brusca e então o pescador tira a traíra da água com força jogando-a na terra firme.

Trairão na água e fisgado com isca artificial. Briga prá “gente grande”.

As melhores iscas para as traíras são os pequenos peixes do local da pescaria e mesmo a minhoca. No caso de pequenos peixes, o anzol pode ficar completamente com a ponta para fora, pois o peixe não irá estranhar tal fato. A  bem da verdade, esse negócio de esconder a ponta do anzol é conversa fiada, a não ser que se pesque em locais onde haja muito enrosco. Vamos raciocinar juntos: de um lado se esconde a ponta do anzol e do outro está a argola do anzol, mais o empate de aço e isso não é possível esconder. Pergunta: o peixe só desconfia da ponta?
No caso de pescar com isca parada, isque o pequeno peixe, sempre a começar pelo rabo, ficando então a fisga do anzol na cabeça. Aqui uma outra dica, que serve não só para a traíra: todo peixe predador, ataca suas “vitimas” sempre pela cabeça, daí...

Momento da foto. Para mostrar aos amigos a façanha de fisgar um trairão.

Finalmente algumas curiosidades sobre a traíra. É um peixe de águas parada (lênticas) mas as vezes também ocorre nos rios. Desova com variação de 6.000 a 60.000 óvulos. Os pais vigiam os ovos até a eclosão. Uma traíra de 50 cm de comprimento tem perto de oito anos de vida e conforme a região, recebe nomes como: lobo, cipó-de-viuva, dorme-dorme, jeju, lolaia, pau-de-negro, robafo e taraíra. Fisga durante o ano todo e emlocais onde a água seca completamente, fica no lôdo, aguentando nessa condição muito tempo, até as chuvas chegarem
E o trairão? Bem, este pode ser considerado como um peixe “barra pesada”, pois devido ao seu tamanho e sua força, o pescador dificilmente poderá estar usando um equipamento leve. No entanto, encontrar o trairão, mesmo que não seja difícil, é pelo menos curioso, já que tal peixe, só poderá ser pescado em duas regiões onde ele é nativo: no rio Ribeira de Iguape e na Bacia Amazônica, e mais precisamente na bacia do rio Teles Pires, onde fizemos esta reportagem. Evidente está que em muitos açudes e represas foram soltos alevinos do trairão, mas até agora não se tem notícias de sua pesca regular.
Para pescar esta espécie, poderão ser usados os mesmos métodos do que para a traíra comum, com exceção do material. Linhas mais fortes, anzóis maiores e mais resistentes deverão ser o mais indicado.
Os costumes do trairão serão os mesmos do que os da traíra, mas a briga é completamente diferente, já que ninguém consegue arrancar na marra um peixe de 15 ou mais quilos. É uma briga violenta, mas limpa, pois o trairão não corre para os enroscos.
Sua carne é igual à da traíra e com a vantagem das espinhas serem maiores, portanto mais visíveis e evitáveis. 

Traíra comum de peso aproximado de 1,5kg. Pescada em represas de São Paulo.


Em uma pescaria no rio Teles Pires, mais precisamente em um afluente de nome Nhandu, conseguíamos avistar os trairões nas margens. Com o barco, lentamente chegávamos  perto e então era só jogar a isca em cima deles, mexer um pouco a isca e esperar a fisgada. Em pescarias noturnas ao peixe de couro, pudemos também fisgar alguns trairões.
Muita gente tem noticiado ter fisgado alguns trairões por este Brasil afora, mas examinando com cuidado o peixe, chegou-se a conclusão  de que eram grandes traíras e não trairões. Mas nas duas regiões acima citadas eles existem, se bem que no Ribeira, são mais difíceis de serem encontradas, pela pesca indiscriminada, mas que existem, isto não deixa dúvida, pois o ultimo a ser capturado, com mais de 9 quilos, o foi, bem perto das cabeceiras do rio Juquiá.
Aí está portanto, mais um capítulo de nossa extensa ictio-fauna brasileira, à disposição de todos nós, pescadores amadores.
Um trairão de bom tamanho

No que se refere às iscas artificiais, tanto a traíra como o trairão pegam em diversos modelos. Procure usar sempre as iscas tipo plugs (em formato de peixes) e, que sejam flutuantes.

A pesca de traíras e trairões, como vemos, não tem muitos mistérios. Um bom equipamento e um bom local de pesca, teremos então grandes chances de sucesso. Pelas fotos, podemos ver que se trata de um peixe predador, tal é a quantidade e o tamanho de seus dentes. Isso já é um aviso ao pescador dos cuidados que deve ter ao manusear o peixe, para tirá-lo do anzol. A mordida de tanto um como outro peixe é bastante dolorida e grave. Recomendamos um puçá e um alicate pega peixe, pois com eles, vamos conseguir tirar a traíra ou traírão, do nosso anzol ou da isca artificial, sem qualquer incidente. Uma observação para terminar, mesmo sendo um peixe de escamas, a traíra é escorregadia e se cair no chão, move-se como se fosse uma serpente. Boa pescaria

NOTA DA REDAÇÃO: Mesmo com a pesca predatória, que infelizmente é praticada em todo o Brasil, ainda hoje encontramos tanto a traíra como o trairão, presente nos locais citados nesta matéria. Convém salientar, que no rio Ribeira de Iguape, o trairão foi introduzido e adaptou-se muito bem àquela região.
Já a traía comum, essa sim, dificilmente não estará presente em qualquer local onde haja uma lagoa, um açude, uma represa ou um rio em todo o Brasil. No pantanal, por exemplo, costuma-se usá-la como isca para os grandes peixes de couro. Sua pesca nesse local, pode ser feita a noite e com o auxilio uma boa lanterna, uma fisga ou facão, pois com calma e sem fazer barulho na água, conseguimos vê-la.

Um comentário: