sexta-feira, 24 de agosto de 2018

ESPECIAL - ECOLOGIA CABLOCA





Edição Encadernada nº1

Um dia frio e chuvoso. A vontade de sair do conforto do lar é pouca, mas necessária. Até a vontade ser maior, pego uma edição – número 1 - da Revista Aruanã encadernada. E essa matéria me chamou a atenção, pois da data de sua publicação no Jornal da Tarde, é de 33 anos atrás e, atual como nunca. Uma lição à aqueles que apregoam o pesca e solta.

                                 
                         Uma verdadeira lição de pesca, ecologia e esportividade foi o que presenciei no ultimo fim de semana. Estava eu indo ao sítio, quando o avistei pescando em um pequeno córrego na estrada de Ibiúna, mais ou menos 10 quilômetros após o entroncamento com a Raposo Tavares. Pescando com uma varinha de bambu, chamou-me a atenção, principalmente pelo pequeno curso d’água. O que poderia dar de peixe? Parei o carro no acostamento, voltei alguns metros e fiquei debruçado na pequena ponte. Cumprimentos de praxe. O meu um “bom dia”, o dele apenas “dia”, com sotaque de nossa gente do interior. O popular “caipira”.

                             Anzol iscado com o muito cuidado e lá foi a isca
                 Perto da outra margem, no lugar mais fundo em busca do peixe.

Vou tentar descrever o quadro: o “rio” não tem mais de um metro de largura; numa margem bastante raso, na outra um pouco mais fundo, no máximo uns 90 cm. O homem, sentado bem no meio de uma moita de capim. À sua direita, uma latinha de massa de tomate, com um pouco de terra e algumas minhocas; um samburá pequeno feito por ele mesmo, de casca de bambu, simetricamente trançado e de aspecto muito bonito; chapéu de palha e um cigarro de fumo de corda no canto da boca, que teimosamente insistia em apagar. Ofereci um dos meus, que foi recusado com muita educação. Anzol iscado com muito cuidado e lá foi à isca perto da outra margem, no lugar mais fundo, em busca do peixe. Foi cair n’água e o homem deu a fisgada, e lá veio o primeiro Tetragonopterus astianax ou Astyanax fasciatus. Para os íntimos, lambari.
                                 
                                 Pescando com uma varinha de bambu,     
            chamou-me a atenção principalmente pelo pequeno curso d’água.

Com um sorriso, como se estivesse manuseando uma peça de alta precisão, tirou o pequeno peixinho do anzol, samburá na água, e começou a contagem. Não o vi errar uma fisgada sequer. Parecia um ritual sagrado, que só foi quebrado quando, em vez do lambari, veio um pequeno acará. Tirado do anzol com o mesmo cuidado, foi solto, junto com esta observação: “vai chamar teu pai, teu avô, que fico aqui esperando”. 



                             

                          A esta altura, sentei na beira da ponte, já que os compromissos de um sábado não são lá muito importantes, e fui gostosamente me deixando ficar, fascinado por aquele homem simples e sua arte. Tracei um parâmetro com os pescadores de água azul, com suas potentes lanchas, varas e carretilhas importadas, cadeiras giratórias e um marlim lindo, em seu pulo característico. Quantos “anos luz” os estavam separando, ligados apenas pelo prazer de pescar? Fiquei com vontade de contar-lhe das pescarias em Mato Grosso, dos tucunarés do Araguaia, da emoção de um jaú dos grandes, brigando igual a um burro bravo. Quanta coisa eu poderia contar àquele homem sobre pescarias e peixes! Graças a Deus, calei a minha boca grande, pois naquele exato momento, ele fisgou outro lambari. Tirou o peixe com o mesmo cuidado e colocou no samburá, só que desta vez o anzol não foi iscado.

                                       Pousou a vara de lado,
                      pegou o samburá e começou a contar os peixes.    
 
Em cada peixe que pegava, dava um pequeno aperto na cabeça, que segundo ele, era “para o pequenino não sofrer, se debatendo até morrer”. Um, dois, três... vinte e quatro e vinte e cinco. Para minha surpresa, soltou os outros cinco lambaris, dizendo que no sábado que vem, ele voltaria para buscá-los. Perguntei a ele porque fazia aquilo e a resposta veio pronta: “É que hoje, sendo sábado, a minha veia tá cozinhando uma comidinha melhor e estes bichinhos é para fritar e comer junto com uma cachacinha da boa”. Retruquei: “quem come 25, come 30”. Respondeu: “prá que? Eles não vão fugir daqui, e quem sabe nesses dias que vem, eles não vão fazer mais uns “fiozinhos” pra eu pescar daqui a algum tempo”.   Ah, seu Ditinho (esse era seu nome), como eu gostaria que o senhor estivesse lendo hoje esta coluna, para poder saber que, após estes anos todos de pescarias por este Brasil, o senhor foi um dos maiores pescadores que eu conheci.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              
Revista Aruanã Ed: 1 publicada em 08/1987

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