sexta-feira, 23 de novembro de 2018

ESPECIAL - O CLUBE DO BOLINHA








No Clube do Bolinha, menina não entra. Na pescaria, até há bem pouco tempo atrás essa era regra. Porém isso está mudando e muito. Confira.


Marilene e Edna na pescaria 

Nós sempre afirmamos que o pescador só tem duas opções para começar a pescar: ou é “hereditário”, quando começamos pelas mãos de pai, tios ou avós ou então, já adultos, quando levamos um novato e na pescaria ele pega um bom peixe. Pronto: o “vírus” da pesca entrava definitivamente em nosso sangue, quer por uma ou outra opção. No primeiro caso, enquanto nossas irmãs brincavam com bonecas nós, os meninos, éramos levados por nossos parentes para as primeiras pescarias.  Em nossa casa, na hora de mexer com os equipamentos de pesca, as meninas praticamente eram expulsas da sala, já que, além do ciúme do equipamento, mexer na tralha era “muito perigoso”, já que temos anzóis, iscas artificiais com garatérias etc., etc. E assim vamos vivendo e crescendo. Com o passar dos anos, já adultos, namoramos, noivamos e casamos. E aí começam os problemas, já que poucas mulheres entendem a nossa paixão pela pesca e de maneira alguma concordam em dividir o seu fim de semana com as nossas pescarias. Nessa encruzilhada emocional, temos duas saídas: ou se discute feio com as esposas, ou então... as levamos na primeira pescaria. 

Edna e o dourado

Aliás sobre isso, eu conheço um caso em especial de um amigo que viveu esse problema e resolveu levar sua esposa junto com ele na pescaria. Pensava ele, como me contou depois, que levando-a em pescarias “sofridas” ela não iria aguentar, já que, nas pescarias escolhidas (robalos), além de chuva, mutucas, borrachudos, pólvoras, pernilongos e outros “aliados alados”, esse pescador tinha ainda a seu favor ficar o dia inteiro no barco, levantar cedo, calor, lanches bem malfeitos, sol e pouco peixe. Imaginou ele que, após uma ou duas pescarias, ela iria dizer que não queria mais ir. E foi aí que ele se enganou. Pois bem, esse casal pesca há mais de vinte anos juntos e sua mulher, em todas as pescarias, dá um verdadeiro “banho” no marido no que se refere a entender de pesca, material, iscas, pesqueiros, pilotando e o que é pior: pega muito mais peixe que ele... A mulher hoje está pescando e muito. Sabemos, por exemplo, que existem grupos de mulheres que se organizam todos os anos e fazem suas pescarias no Pantanal, sozinhas.  

A pescadora Marilene

Ou sejam, fizeram literalmente duas turmas: os maridos vão em uma época e elas em outra. Pegam seus peixes, muitas vezes maiores no tamanho e na quantidade do que os dos maridos. E durma-se com um barulho desses. Recentemente estivemos no rio Cabaçal, matéria do roteiro desta edição. Nesse pesqueiro, de propriedade do Roberto Braga, uma surpresa estava nos esperando, já que lá estava a esposa do Roberto, a Edna, e uma sua amiga de nome Marilene, que segundo ele, são duas pescadoras fanáticas. Pois bem, essas duas mulheres saíam sozinhas em um barco com o piloteiro, com seu material e ficavam o dia todo pescando, interrompendo apenas para o almoço.  Na parte da tarde, saiam por volta das quatro horas e ficavam pescando até as dez horas da noite. E olhe que no Cabaçal estava frio e à noite vinha uma chuvinha fina, que desanimava qualquer um, menos as duas pescadoras. O piloteiro era quem sofria mais, já que pilotar de noite não era seu forte, e aguentar o tranco durante o dia também não era fácil. Da minha parte, confesso que ficava preocupado por estarem elas no rio durante a noite. O Roberto me sossegava, dizendo que eu ainda não tinha visto nada, já que isso e coisas piores era comum no dia-a-dia de sua esposa. 

                       A “nova” sócia do clube do bolinha

Só para se ter uma idéia dessa paixão dela pela pesca, contou-me ele que um dia, em companhia de alguns amigos, saíram para pescar e, como o barco estava muito cheio, não tinha lugar para ela. Pois bem; à noite, vinham eles voltando quando perceberam no escuro, que alguém estava dando sinal com um isqueiro. Rumaram naquela direção, e qual não foi a surpresa quando perceberam que era a Edna, que havia saído sozinha em um barco sem motor e sem lanterna, e que tinha vindo pescando de rodada rio abaixo, já que, segundo ela, “eles tinham que voltar e teriam que passar por ela”. Pois é, e muitos outros casos me foram contados, onde a paixão pela pesca fazia com que a Edna fizesse pescarias que muitos homens, com certeza, não teriam a coragem de fazer. Nessa pescaria no Cabaçal, inclusive, como me confessaram as duas mais tarde, tinham a intenção de “dar um banho” em mim e no Roberto. Felizmente, não conseguiram, já que a gozação iria ser brava. E o pior é que, pegando menos peixe que nós, começaram a dizer que o nosso piloteiro era melhor, que nós escolhemos as melhores iscas, que o material emprestado a elas era de segunda categoria, que os anzóis não estava afiados, que as varas eram muito flexíveis, que os molinetes estavam mal conservados, que o barco era ruim, que o motor falhava, etc. etc. 


Wilma da equipe Caraguá, campeã mundial

Isso ainda para não dizer que no jantar, após ficarem sabendo que tínhamos pego mais peixes. Ficaram emburradas (na brincadeira) e ameaçavam nos servir comida fria. Tudo isso, pegando a Edna como exemplo, é para dizer que o Clube do Bolinha já era. E tem mais: não há dúvida alguma que a mulher na pescaria tem mais sensibilidade, mais paciência, é mais silenciosa, mais observadora, mais delicada na briga com um peixe e, por incrível que pareça, somado todos esses itens, torna-se com o tempo, melhor pescadora. A nós “machões” absolutos, resta-nos pôr a barba de molho e começar a pescar cada vez melhor, já que, não vai demorar muito, serão elas, que estarão nos levando, ou deixando, nas próximas pescarias. Só para que não haja dúvidas dessa saudável competição, podemos citar que o Brasil tem dois campeões mundiais de pesca e pertencem a Equipe Caraguá, de Caraguatatuba (SP): a Wilma e a Eliana que ganharam esse título nos anos de 1988 na França e 1995 em Portugal. Alguém duvida que o Clube do Bolinha já era?

NOTA DA REDAÇÃO: Esta matéria saiu publicada na Revista Aruanã em agosto de 1998. Passados exatos 20 anos, vemos hoje, no Facebook, fotos de mulheres que pescam em clubes, ou por laser.  Premonição? Acredite quem quiser.


Revista Aruanã  Ed:64 - Publicada  08/1998

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