quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

ESPECIAL - 33 ARUANÃ NO JAPÃO.









Visitar o Japão foi para nós da Aruanã motivo de muito orgulho. A convite de algumas empresas japonesas, nossa permanência foi bastante proveitosa, principalmente porque tudo girou em torno do nosso segmento: a pesca amadora. Vamos juntos conhecer um pouco desse maravilhoso país, de seus pescadores e pescarias.



Monte Fuji 
Após vinte e cinco horas de voo, a bordo de um Jumbo da Varig, descíamos finalmente no aeroporto de Narita, em Tóquio. Era um sábado à tarde e aproveitamos todo o final de semana para descansar da longa e exaustiva viagem. Na segunda-feira fomos recebidos pelos diretores de uma editora responsável pela publicação de três revistas: Tsuribito (que em japonês significa pescador), Basser (especializada em black bass) e Fly Fisher. Nessa reunião, com Yasutomo Suzuki e Shu Miura, tivemos oportunidade de conversar muito sobre pesca. Ficamos sabendo que existem hoje no Japão cerca de 20 milhões de pescadores amadores e que para pescar no mar não é exigida a licença de pesca. O mesmo não acontece em água doce, onde as licenças são obrigatórias e regionais, chegando mesmo a ser específicas até para determinados rios. 

Kazuito Konishi – Editor da revista Sanday Fishing
Essas licenças podem ser anuais ou então válidas para um dia apenas. A verba arrecadada é revertida para associações de pesca particulares que cuidam de locais determinados, e a fiscalização é praticada por pescadores idosos e aposentados. Segundo esses editores, há atualmente uma paixão nacional na pesca japonesa: o peixe tanago, que é uma espécie de carpa. A diversão maior é fisgar o menor peixe possível. O recorde é um exemplar com 1 cm. Os pescadores usam uma vara comum, com linha bem fina e anzol minúsculo. Só para ter uma ideia, a isca utilizada para a pesca do tanago é o intestino de um inseto, e para fixar tal isca no anzol é necessário o auxílio de uma lente de aumento. Quanto a peixes maiores, foram citados como preferidos o marlin azul e uma peixe chamado moroco, que é uma espécie de garoupa e pode pesar 60hk. 


Toshitaka Fujii – Vice presidente da Gamakatsu
A revista mais antiga é a Tsuribito, com 48 anos de existência, circulação mensal e tiragem de 250.000 exemplares. No dia seguinte, nosso destino era Osaka, para onde seguimos a bordo do famoso trem bala. A partir de Tókio, o percurso de 552,6km é feito em cerca de 2 horas e 40 minutos de viagem. No caminho, paramos em Kioto para visitar um templo religioso e a surpresa maior ficou por conta de uma tempestade de neve que caía na região. Foi um espetáculo muito bonito e diferente, pelo menos aos olhos de um brasileiro. Novamente no trem bala e após meia hora de viagem estávamos em Osaka. Lá, éramos aguardados por Kazuito Konishi, editor da revista Sunday Fishing. Este editor é uma figura bastante interessante, já que difere do tipo japonês tradicional, pois usa barba e tem a pele bastante bronzeada, resultado de suas reportagens (pescarias) por todo o mundo. Sua revista é semanal, com tiragem de 240.000 exemplares e foi fundada há 17 anos. 


Yasumoto Suzuki e Shu Miura – Editores das revistas Tsuribito, Basser e Fly Fisher 
Konishi edita também outras duas revistas periódicas, além de livros e produções em vídeo sobre pesca. Semanalmente, comanda um programa na televisão japonesa chamado Big Fish, com uma hora de duração e no ar há nove anos. Konishi já esteve no Brasil, mais precisamente na Bacia Amazônica e no Pantanal, onde pescou dourados, tucunarés e pirarucus, sendo este último seu preferido. Segundo ele, o “peixe da moda” no Japão é conhecido pelo nome de chinu. Mostrada sua ficha técnica, ficamos sabendo que se trata de uma espécie de sargo que atinge até 50 cm de comprimento e pode pesar até 2 quilos. Para se ter uma ideia da “febre” em torno desse peixe, Konishi citou dados que achamos impressionantes. A melhor isca para fisga-lo é uma espécie de camarão muito parecido com o krill e no Japão, só os gastos com esta isca, que é importada, giraram em torno de US$500 milhões o ano passado. 






Yoshiro Dahi – Presidente da Dohitomi & Cia. 
É pescado com varas longas, principalmente em costões ou então de barco. A isca é jogada aos punhados e só então isca-se o anzol. Por esta razão, uma enorme quantidade de iscas é necessária, justificando-se a grande importação citada. Despedimos-nos de Konishi trocando revistas e vídeos. A Aruanã recebeu vários elogios, principalmente referentes à qualidade de impressão da revista. Saímos de Osaka nesse mesmo dia e pernoitamos em Kobe, já que no dia seguinte havíamos marcado reuniões nas fábricas da Gamakatsu e na Maruto, ambas fabricantes de anzóis conhecidos dos pescadores brasileiros. Pela manhã nos dirigimos à Gamakatsu e lá nos encontramos com seu vice-presidente, Toshitaka Fujii. Sua empresa fabrica hoje 3 mil tipos diferentes de anzóis, sendo que 95% dessa produção é de anzóis do tipo chapa e o restante, apenas 5%, de anzóis providos de argolas. 


Osamu Nakatami – Presidente da Sanyo Nylon
Exporta para dezesseis países e seu faturamento gira em torno de US$70 milhões. Seus anzóis são fabricados no tipo bronze, niquelado, preto e dourado e o aço utilizado é de procedência japonesa. Segundo Fujii, sua produção cobre hoje cerca de 70% do mercado japonês. Possui três fábricas, respectivamente no Japão, Tailândia e China, sendo que as duas últimas só executam o acabamento dos anzóis. Nessas três fabricas somam-se 2.480 funcionários. Perguntei por que estava no ramo de anzóis, e Fujii disse que o pai do atual presidente fabricava anzóis para pescar com fly, o que levou seu filho a entrar neste ramo. A propósito, o atual presidente da Gamakatsu é Shigekatsu Fujii. O nome de sua cidade natal, Gama, mais as cinco letras do seu nome, deram origem ao nome Gamakatsu. A visita seguinte foi à Dohitomi & Cia. Ltd., que fabrica o anzol Maruto, velho conhecido dos pescadores brasileiros. 


Nevasca em Kioto
Seu presidente, Yoshiro Dohi, nos recebeu maravilhosamente bem em seu escritório e tivemos uma longa conversa sobre seu produto. O nome Maruto vem do fundador da empresa, Tomitaro Dohi, avô do atual presidente. Em volta das duas primeiras letras do seu nome (To) ele fez um círculo, que é considerado no Japão como símbolo algo perfeito. Círculo em japonês significa “maru”, O círculo com o “to” também pode ser considerado como um desejo de sucesso. A empresa tem 97 anos de existência. Exporta para 110 países e a produção gira em torno de 200 milhões de peças por mês, divididas em 5.000 tipos diferentes de anzóis. O Maruto é fabricado em onze cores diferentes. O aço utilizado em sua fabricação é japonês e suas máquinas foram desenvolvidas na própria fábrica. 


Eric E.Choi – Vice Presidente da Yo-zuri
Somando-se todas as fábricas japonesas de anzóis (que são perto de 20), a Maruto detém cerca de 30% do mercado. Ficamos impressionados com a amabilidade e a simpatia de Yoshiro Dohi, que é pescador amador e já esteve no Brasil há alguns anos. Voltamos ao nosso hotel em Kobe e de posse de nossa bagagem, voltamos à Tókio.  Nossa próxima visita foi à Sanyo Nylon Co.Ltd., onde tínhamos uma entrevista marcada com o presidente da empresa Osamu Nakatami. Pois bem. A Sanyo pode ser considerada hoje como uma das maiores fábricas de monofilamento do mundo. Seus produtos, tivemos oportunidade de conferir, são simplesmente maravilhosos, tanto pela qualidade como pela apresentação. A Sanyo tem hoje 107 anos e foi fundada pelo avô do atual presidente. Suas exportações abrangem 80 países e sua capacidade de produção atinge 5.000 toneladas/mês de matéria prima. 



Mark Kano – Gerente de vendas da Daiwa
Fabrica 12 cores diferentes de linhas com 32 tipos de diâmetros, em 10 qualidades diferentes de resistência, desde 0.06 mm até 2.50 de espessura. A Sanyo é responsável por 50% da exportação do mercado japonês. Tem apenas 50 funcionários, já que a fabricação é 60% automatizada. Toda a matéria prima utilizada é japonesa. Com fórmulas próprias para atingir a qualidade desejada. Perguntado sobre o porquê de estar no mercado de linhas, Nakatami diz que seu avô Humataro Nakatami, inventou o anzol de fisgar lulas. Precisava então de uma linha para pescar e desenvolveu uma de algodão para esse tipo de pesca. Patenteou o anzol e montou a fábrica de linhas, que funcionou até 26 anos atrás, quando então passou a fabricar o monofilamento de nylon. Osamu Nakatami é pescador amador e sua preferência é a pesca marítima, A propósito, “Sanyo” em japonês, significa “três oceanos”. 


Kioto – Foto tirada do trem Shinkansen 
Nossa última entrevista em indústrias de pesca no Japão foi com a Yo-Zuri, tradicional empresa fabricante de iscas artificiais. Fomos recebidos por Eric E. Choi, vice-presidente da empresa que, além da fábrica no Japão, possui ainda fábricas nas Filipinas e na Tailândia. Cerca de 600 funcionários produzem perto de 80 mil itens diferentes, dos quais 90% são iscas artificiais, divididos em tamanhos, tipos e cores. A Yo-zuri exporta hoje para 90 países em todo o mundo e desde sua fundação, há 25 anos, tem ampliado seu mercado cada vez mais, estando inclusive programada a instalação de uma nova fábrica a partir de março nos Estados Unidos. O nome Yo-zuri também tem um significado. Seu presidente Kitagawa tem como apelido o nome “Anyo”. 

Deus da Fortuna
Unindo-se as duas últimas letras do apelido coma palavra “zuri”, que em japonês significa “pesca”, teremos o nome da empresa. Alguns, no entanto, preferem traduzir Yozuri como “pesca noturna”.  Eric E.Choi confessa-se uma fanático pescador amador e quando questionado acerca da opção pelo ramo das iscas artificiais, explicou que o presidente da empresa fazia iscas manualmente. Como as encomendas eram muitas, criou então a empresa, que hoje é líder de mercado. Tendo cumprido toda nossa agenda de vista a algumas indústrias japonesas restava-nos apenas visitar a “93 Tokio International Sportfishing Show”, a feira de artigos de pesca do Japão. Nesse ponto temos que apelar para a imaginação de nossos leitores para que tenham uma noção do que conseguimos ver nesta feira. Eram mais de 150 expositores em todo o recinto do evento. 

Aspectos da Feira de pesca
Vamos citar apenas alguns itens que nos chamaram a atenção. No estande da Daiwa, onde fomos recebidos pelo gerente internacional de vendas. Mark Kano, vimos uma vara telescópica com 10 metros de comprimento pesando apenas 310 gramas. Kano nos disse que essa vara é vendida apenas no Japão e que a Daiwa fabrica apenas 2.000 unidades por ano. Um detalhe importante é o preço dessa vara: US$5.000. Um outro estande que nos chamou a atenção foi o que mostrava a fabricação de varas de bambu, onde um verdadeiro artesanato é praticado, levando a indústria há demorar três meses para fabricar uma só vara. São varas simples, de encaixe duplo ou triplo, vendidas por cerca de US$1.000. Havia também dentro da feita um lago artificial, onde mestres de pesca demonstravam o uso correto do equipamento de fly. 


Ao fundo com sua arquitetura moderna, o prédio da feira de Pesca 
Ficamos aproximadamente seis horas percorrendo todo o recinto de exposição, onde várias novidades estavam expostas, das quais muitas brevemente estarão à disposição dos pescadores amadores brasileiros, pois, pelo menos nas indústrias por nós visitadas, os contatos já estavam bastante adiantados para a colocação dos produtos no mercado brasileiro. Foram doze dias de uma maravilhosa visita ao Japão, país que muito nos impressionou por seu progresso e tecnologia. Com certeza, por muitos anos vamos nos recordar de detalhes desse belo país, como a visão do Monte Fuji, a neve e o templo de Kioto, a velocidade e pontualidade do trem-bala, as termas e os banhos públicos em Hakome, a loucura das estações de trem e metrôs com o vai e vem constante do trabalhador japonês, a cultura de arroz em pequenas propriedades, as belezas das cidades de Tókio e Osaka e principalmente – isto é muito importante – a educação, respeito e distinção com que fomos tratados em todos os contatos com os empresários japoneses.

Jardins em Hokome 

AGRADECIMENTOS – Queremos agradecer e destacar a participação de Alfredo Tsuzuki, da Casa Nippon, que nos acompanhou durante toda nossa permanência no Japão, servindo-nos como guia, tradutor e, principalmente, por ter se mostrado um grande amigo.
NOTA DA REDAÇÃO: Passados 27 anos dessa nossa vista ao Japão, percebi que por um lapso de memória, ela postagem não havia sido publicada no blog. Reeditei essa matéria e agora consta do nosso acervo do blog Aruanã. Por um lado, esse esquecimento foi bom, já que agora, lendo a reportagem, além das saudades, as novas gerações de pescadores, que alguns não eram nem nascidos quando ela aconteceu, vão poder saber o significado de muitos produtos que nós compramos, sem saber porque eles foram assim, digamos batizados. 

Revista Aruanã Ed: 33 publicada em 04/1993

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