sexta-feira, 8 de abril de 2016

ESPECIAL TUCUNARÉ: UM INTRUSO NO PANTANAL





Uma nova espécie está habitando as águas do Pantanal. As informações sobre o tucunaré “pantaneiro” são as mais desencontradas possíveis. Fomos ao rio Piqueri saber do tucunaré e realizar mais um roteiro de pesca para o pescador amador. Confira.






Para se chegar rio Piqueri, vamos tomar por base a cidade de Cuiabá (MT). Partindo-se de São Paulo, são 1.680 km, via Três Lagoas, em estrada totalmente pavimentada. Em Cuiabá, vamos andar mais 91 km, também em estrada pavimentada, para então chegarmos á cidade de Poconé. É exatamente desse ponto em diante que começa um trajeto que pode ser considerado como uma verdadeira aventura, pois nos 144 km que nos separam de Porto Jofre, às margens do rio São Lourenço, nossa parada final, a paisagem e a vida selvagem estão presentes durante todo o trajeto. Em todo o percurso vamos encontrar uma estrada de terra muito bem cascalhada, mas que deve ser percorrida com cuidado, procurando não ultrapassar os 50 km/h. Essa estrada, aliás como todas no Pantanal, foi construída da seguinte forma: tirou-se terra dos dois lados da estrada, o que terminou por formar um aterro de mais ou menos 1 metro de altura, que passou então a ser o leito da nova estrada. Ao seu lado restaram os buracos de onde a terra foi extraída, que viraram extensas lagoas, com muita vida selvagem girando em torno delas. 



São peixes, aves e animais que hoje habitam essas lagoas. Pois bem. Estamos na estrada e no máximo a 50 km/h, e devagar, lá vamos nós até o destino final atravessando exatamente 129 pontes de madeira sem acostamento, mas que são uma verdadeira maravilha, tal é a limpidez das águas. Pode-se até ver piraputangas... e pesca-las. Outros habitantes dos arredores dessa estrada são as capivaras e os jacarés. As primeiras em bandos de 10 ou mais indivíduos, e os jacarés, dormitando ao sol, nos fazem brecar o carro e até buzinar para que saiam do meio da estrada. Alguns, inclusive, nos obrigaram a descer do carro e, claro com cautela, espantá-los para que pudéssemos seguir viagem. Em nossa companhia estavam o Wilson Feitosa, proprietário da Pousada Santa Maria e o Rogério Gullich, do Hotel Diplomata em Cuiabá. Essa viagem de Poconé até o São Lourenço (Porto Jofre) é muito bonita apesar de cansativa. Durante o trajeto vimos cervos, aranquãs, mutuns, jacutingas, araras, tucanos, papagaios, tuiuiús e muitos jacarés. Finalmente, após 9 horas de viagem, chegamos a Porto Jofre, às margens do São Lourenço. 


A Pousada Santa Maria, onde ficamos hospedados, está do outro lado do rio, 2 km abaixo. No primeiro dia ficamos na Pousada, conhecendo o lugar. Trata-se de uma casa muito antiga de fazenda, com mais de 60 anos de existência que foi “ajeitada” para se transformar em um pesqueiro. É uma casa muito bonita, cuja estrutura original foi mantida. Considerado um estabelecimento pequeno, pois aloja somente 32 hospedes/pescadores, talvez esteja aí o segredo do conforto de suas acomodações. Na parte de pesca, conta com 17 barcos entre 5 e 6 m e 17 motores entre 25 e 40 HP. As acomodações da Pousada estão divididas em 4 apartamentos e 3 chalés. Passamos o resto do dia conhecendo o local e preparando o material de pesca, já que no dia seguinte iríamos realmente pescar. De manhã bem cedo, embarcamos rumo ao rio Piqueri, cuja foz está há mais ou menos 20 minutos subindo o São Lourenço. Nessa pescaria entrou ainda na equipe o Reinaldo Santos, o gerente da Pousada e um excelente pescador com iscas artificiais. A água do São Lourenço estava um pouco suja e a do Piqueri ligeiramente mais limpa. 





Começamos por pescar dourados, que nesse rio estão nas galhadas afundadas onde, com a força das águas, formam-se corredeiras. Fisgamos aproximadamente 8 peixes, todos do tamanho limite. Fomos pescando e subindo, já que nossa meta eram as baías, onde estavam os tucunarés. Para se chegar à primeira baía, gasta-se com motor 25 HP cerca de 2 horas. Como referência, anotamos a Fazenda Mangueiral, que fica à esquerda de quem sobe o rio. São cerca de 65 km até a primeira baía, de nome “Boca do Baguari”. Pescamos ainda em mais duas, lá conhecidas como Santa Mônica e Poleiro. A curiosidade desse trecho foi ver uma onça-preta enorme atravessando a nado o Piqueri. Entramos na primeira baía e aqui começou a dar um “revertério” na nossa cabeça, já que largamos o material de dourado e passamos a um material mais leve, iscas artificiais menores e linha bitola 0.35 mm. Demos os primeiros lances e o resultado não se fez esperar: um tucunaré azul, de mais de 1 kg, estava preso em nossa isca. Foi realmente engraçado estar no Pantanal, em rio do Pantanal, e fisgar um tucunaré. É demais para a cabeça de qualquer um. Passamos boa parte da manhã e início da tarde às voltas com os “intrusos” do Pantanal. 



Fisgamos aproximadamente 30 peixes, variando seu peso entre 1 e 4 kg. Nossa informação é que existe tucunaré para ninguém botar defeito, aliás, só vimos pescaria com tanto peixe assim no Rio Negro e no rio Araguaia, e até nos bons tempos de Itumbiara. No meio da pescaria, começamos a lembrar de como o tucunaré chegou ao Pantanal. A história verdadeira diz que um fazendeiro da região do rio Itiquira, possuía um lago enorme em sua fazenda. Como era fá do tucunaré, levou alguns alevinos para essa lagoa e o peixe se adaptou muito bem. Com a cheia de 1976, essa lagoa transbordou, levando então os peixes para o rio Itiquira. Desde essa época vem descendo, já estando agora no rio Piqueri, e queira Deus que venha para o São Lourenço abaixo e chegue logo no rio Paraguai. Muita bobagem sobre o tucunaré no Pantanal tem sido dita por pessoas que não entendem do assunto, como por exemplo, que ele iria acabar com os peixes da região. Isso realmente é “conversa para boi dormir”, ou então de quem quer se autopromover. Nós da Aruanã constatamos in loco que todas as espécies estão juntas e sobrevivendo normalmente.



Mas fomos mais longe, buscando também a opinião do Prof. Dr. Heraldo A. Britski, considerado umas das maiores autoridades mundiais sobre peixes de água doce brasileiros. O leitor poderá ler ao final da matéria a opinião desse cientista. Mas outra grande e boa surpresa estava reservada a nós no Piqueri. Nas entradas das baías, enquanto pescávamos tucunarés mais para dentro, víamos, vez por outra, peixes fazendo evoluções na superfície da água. Pensando tratar-se de tucunarés, nos aproximamos com o barco e demos alguns lances com iscas de superfície. Como não houve ação nessas iscas, resolvemos usar iscas de meia-água e corricar no local, por intermédio de arremessos. Não deu outra. Logo um peixe fisgou e após uma boa e demorada briga, soubemos “quem” era: um pacu. Aliás pegamos dois em seguida. Pacu fisgado em isca artificial – na época – foi para nós, velhos conhecedores do Pantanal, uma grande surpresa. A isca usada na pesca do pacu foi uma Rapala Jointed (articulada). À tarde, voltamos para a Pousada. No dia seguinte fomos novamente ao Piqueri, e desta vez atrás dos dourados e pintados. 





Com os dourados tivemos sucesso novamente, chegando mesmo a fisgar dois em uma só isca artificial, uma Red Fin 900. Perdemos os dois. Em um poço do rio, os companheiros fisgaram um pintado de mais de 20 kg usando como isca um piau três pintas. Havia vários pescadores profissionais pescando de linhada e todos eles estavam com pintados enormes dentro de suas canoas. No ultimo dia, dedicados à pesca de pacu na batida, usamos como isca o tucum e uma fruta da época, o cajá. Essa fruta de cor amarela apresenta-se em várias árvores à beira do rio, o que já era uma boa indicação de isca. Lá no São Lourenço, os piloteiros chamam-na de “acaiá”. Ai está portanto mais um roteiro, desta feita no rio Piqueri, com seus maravilhosos tucunarés. Agradecemos ao Wilson Feitosa e Reinaldo dos Santos, da Pousada Santa Maria, e ao Rogério Gullich, do Hotel Diplomata em Cuiabá. Muito obrigados a todos. E para quem quiser contatar a Pousada Santa Maria, para informações e reservas, os telefones são: (011) 791-1265 e 414-6564, em São Paulo. (NR: confirmar esses tels. atualmente).



INFORMAÇÃO
À Revista Aruanã: Tendo em conta a solicitação a respeito da proliferação do tucunaré na região do Pantanal, fato que não pude observar pessoalmente, mas que tenho tomado conhecimento através de diferentes informações, devo manifestar o seguinte: Não acredito que “o tucunaré vai acabar com os outros peixes do Pantanal como se tem dito, pensando que esse peixe seja uma praga que deverá dizimar as demais espécies. Se isso fosse correto, caberia por perguntar: “De que se alimentará o tucunaré depois que dizimar outras espécies ou depois que seu número for maior que o das demais espécies? Tem ocorrido com certa frequência que a espécie introduzida em outro sistema hídrico pode, inicialmente proliferar rapidamente ao encontrar um nicho ecológico não ocupado, exercendo, no caso de peixe de hábitos carnívoros como o tucunaré, uma predação sobre espécies que não criaram defesas contra esse predador. Entretanto, após esse aumento inicial às vezes explosivo, ocorre uma deplecção progressiva nas populações da espécie introduzida até ocorrer o equilíbrio com as demais. Essa é a tendência natural observada.



 Citarei apenas um exemplo que ilustra esse fato. Na década de 50 o dourado (Salminus maxillosus) foi introduzido na bacia do rio Paraíba do Sul, Estado de São Paulo, onde anteriormente não ocorria, e teve um desenvolvimento explosivo, naquela bacia. Constituía-se, então, na grande atração dos pescadores daquele vale. Hoje, passado 30 a 40 anos, é muito difícil capturar um dourado naquele rio. É isso, que presumo, acontecerá com o tucunaré do Pantanal. Apesar dessa minha suposição, que devo categoricamente manifestar que ela não significa uma aprovação ao transplante indiscriminado de espécies de um sistema para outros; pelo contrário, penso que tais atitudes devem ser enfaticamente condenadas, pois introduções de espécies exóticas sempre representam uma desestabilização maior ou menor das comunidades naturais e só devem efetivar-se após um estudo prévio que possa determinar suas consequências para as populações nativas.
Prof. Dr. Heraldo A Britski
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo – SP

Revista Aruanã Ed. 39 publicada em abril de 1994

6 comentários:

  1. Local maravilhoso, Toninho, tive o privilégio de conhecê-lo e pescar nele.

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  2. Meu bom amigo Marcão: por onde é que nós, dinossauros da pesca não andamos neste nosso país? E mais, uma pena que as novas gerações, talvez não tenham a oportunidade de ver o que vimos em nossas andanças. Abraço

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  3. Em qual época do ano foi essa viagem?

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  4. Meireles Sniper: A publicação se deu em abril de 1994. Normalmente, quando íamos fazer uma reportagem, seja ela qual fosse, ela sairia na próxima edição da Revista Aruanã. Como essa que você pergunta é a edição 39, com certeza a pescaria/reportagem aconteceu em fevereiro/março do mesmo ano. Abraço e obrigado pela sua participação.

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  5. Olá Luiza. É um prazer imenso ter contato com você, já que por certo irá me trazer notícias de seu pai, um bom amigo, do qual não tenho tido nenhum contato. Caso queira, pode entrar em contato em meu email, pois as informações serão mais rápidas do que por aqui. Ok? Fraterno abraço. Meu email - toninho.jorn@gmail.com

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