terça-feira, 4 de abril de 2017

ESPECIAL - CAÇA DE CAMPO










Apenas uma lembrança particular. Jamais publicada


A caça de campo era a modalidade que reunia, entre caçadores, o maior número de adeptos. Um homem e seu cão, além de uma arma de confiança, compunham a peça, onde o cenário era sempre o campo. Um dia, as autoridades proibiram a caça por tempo indeterminado. O trio protagonista foi triste e lentamente se dissolvendo, pois, além de tudo, havia o sentimento de amor a uni-los. O cenário... Bem, este se transformou em campos muito mais verdes, pois verde é a cor da cana-de-açúcar. As codornas e as perdizes desapareceram desses campos, pois lhes é impossível viver em tais ambientes. Onde foram parar, é pergunta difícil de ser respondidas, mas uma coisa é certa: por caçadores de campo não foram mortas.
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                                    Um cão mestre da raça Braco

Ao se aproximar o mês de março, chegava a hora do caçador começar a se preocupar com os detalhes, pois a temporada abriria no dia 1º de maio e o encerramento seria em 31 de agosto. A primeira providência era começar a treinar o cão perdigueiro, que pode ser um pointer, um braco ou um weimaraner. Pelo menos uma vez por semana, durante o período da tarde, punha-se o cão a correr em um campo próximo, onde sabíamos haver codornas e as protegíamos. No final de semana era a vez do caçador treinar, e isso, acontecia em seu clube de caça, onde duas ou três rodadas de skeet o aprimoravam no tiro. Esse nosso treino quando alcançava a média entre 18 a 20 acertos em uma rodada de 25 tiros, mostravam que estávamos prontos para entrar em campo. Finalmente na semana que antecedia o dia 1º de maio, era a hora de revisar a condução, limpar as armas, fazer as compras e adquirir os cartuchos. Com a munição que havia sobrado do ano anterior, tinha-se um cuidado especial: durante algumas horas a colocávamos no sol, para que perdesse uma possível umidade durante o tempo guardada. Uma das preocupações do caçador era jamais sair sem destino. Assim sendo, na véspera do dia da abertura, entre o grupo, já estava determinado o local da caçada. Na noite que antecedia a partida quase que não se conseguia dormir, tamanha era a expectativa da aventura que ali se iniciava. 

         A codorna vai pular

Madrugada ainda, a luz da cozinha acesa e tomando um café da noite anterior para não perder tempo, o ouvido ficava atento a um ruído de carro no portão. Carregar a tralha toda e embarcar o cão no carro fazia parte da caçada, e o barulho era inevitável, partilhado com isso, com todos os vizinhos, que por certo jamais seriam caçadores ou viriam a gostar destes. Enfim, tudo carregado, era urgente “botar o pé na estrada”. Toda viagem era igual, portanto, vamos nos privar de contar que durante elas, anos após anos, as mesmas coisas se sucediam – o cachorro que não ficava quieto, as brigas ocorridas após muitos latidos e rosnados, além do que, em quase todas as vezes, éramos obrigados a abrir os vidros rapidamente, para podermos escapar dos “gases mal cheirosos” expelidos por um ou outro cão.
                                                      A CAÇADA
O carro ficava parado à beira da estrada de terra. À nossa frente, uma cerca de arame farpado demarcava os limites do campo. De pé, fora do carro, o caçador ultima os preparativos, tais como cinturão de cartuchos, botas de cano alto e a ultima passada de flanela na arma. Cada um escolhia o rumo a seguir e só então soltava os perdigueiros. 




Pointer e Braco amarrando

Passar a cerca de arame farpado era um ritual: primeiro a espingarda, devidamente aberta, depois o caçador. E quantas vezes enroscávamos a camisa nesse arame. Lá na frente, o perdigueiro já batia o campo, correndo em forma de leque à frente do caçador. A emoção era grande, mas o grande momento era quando o cachorro repentinamente estancava em um ponto qualquer. Se o cão fosse mestre, não havia muita pressa, pois ele esperava o caçador chegar junto. Durante aqueles metros caminhados entre o caçador e seu cão, mentalmente se fazia cálculos de para onde a caça iria voar e, portanto, qual seria a melhor posição de tiro. O cão estava imóvel, levemente arcado e com a cauda em riste, apenas com as laterais da boca a movimentar-se pela respiração e a pata dianteira levantada, a pressentir a caça; o caçador chegava por trás. Com o joelho a palavras sussurradas, incitava o animal a levantar a caça. Um cão mestre tinha a caça a poucos metros à sua frente, e, sob uma ordem dada, partia célere em sua direção. Se a codorna ou a perdiz não fosse muito velhaca, ela pulava imediatamente. Caça voando – já que no chão era uma questão de honra não atirar – a arma subia rápida ao ombro e a mira era uma questão de achar. No silêncio do campo, o estrondo se fazia ouvir. Um bom tiro e a ave caía. 




        Achando a mira

Novamente o cão era solicitado, pois, acompanhando o vôo da ave, agora abatida, era sua obrigação trazê-la – sem mastigar - até o caçador. A emoção sentida, só um caçador de campo consegue avaliar. Muitos tiros se perdiam, mas sempre havia uma razão para desculpar o erro. No final do dia, haveríamos de analisa-lo. Uma caçada de campo, em geral, demorava três dia, sendo, portanto possível sair 6 vezes, sendo duas por dia. Uma nas primeiras horas da manhã e a outra ao entardecer, para poupar o perdigueiro das horas de sol mais forte. Guardadas estão em nossas lembranças a água tomada na concha da mão em um ribeirão de águas limpas, o almoço, em forma de lanche, feito embaixo de uma frondosa árvore, a soneca repousante tendo um toco a servir de travesseiro e ainda, às vezes, o encontro desagradável com uma cascavel, precedido do chacoalhar de guizos. Hoje tudo isso é lembrança. O cão ficou velho e morreu. A espingarda, mesmo após alguma resistência, foi vendida e a quantia aplicada em poupança. Os amigos ainda encontramos e vivemos das lembranças dos dia passados. Os campos viraram canaviais. As aves, só Deus sabe o que lhes aconteceu. Aqui, no silêncio da redação – quebrado apenas pelo barulho da máquina de escrever – assalta-me a pergunta: por que será mesmo que a caça de campo foi proibida?



NOTA DA REDAÇÃO: Para poder caçar, o cidadão precisava ser maior de 21 anos, para poder portar um arma. Uma licença de caça era preciso ser paga ao IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Em uma delegacia podia-se tirar a licença – paga também – a titulo de porte de arma de fogo. A época de caça era fixada em 1º de maio e 31 de agosto. Ninguém, mas ninguém mesmo caçava fora dessa data ou, pelo menos os caçadores das grandes cidades, já que no interior, “os caçadores” não respeitavam essa data e as vezes nem precisavam de cachorros: caçavam de carro, quando as aves estavam nas estradas de terra, atirando enquanto elas estavam no chão. Um caçador de campo nunca atirava em outro tipo de caça – no caso veados – mesmo quando esses passavam ao alcance de tiro. Tínhamos uma entidade chamada de ABC-Associação Brasileira de Caça, com abrangência e, sócios, em todo o Brasil. Mas um dia, um grupo, na época, chamados de “ecologistas”, procurando seus 5 minutos de fama, começou uma campanha contra nós caçadores. Eram apoiados por alguns outros defensores que lhes davam espaço nas mídias. Nós, caçadores e pescadores da época, tínhamos elegido um deputado para em nosso nome, lutar contra essa proibição. Ele nos traiu e votou a favor da proibição. Durante um bom tempo ocupou espaço em órgão de meio ambiente em São Paulo. Mas, eleito por voto popular, nunca mais o foi. Até hoje ainda “anda” por aí, infelizmente. Quando fiz esta matéria, fui dar uma volta, “para matar as saudades”, do bons tempos. Todos, sem exceção, os campos onde pisei caçando codornas e perdizes viraram extensos canaviais, onde nada sobrevive, a não ser cobras e um ou outro passarinho, que faz ninhos em suas folhas. Os ecologistas viraram ambientalistas, que continuam ferozes em suas batalhas contra agora, pescadores amadores. É um tal de pesca e solta, Cota Zero e ainda outras manifestações, todas feitas a distância, já que é muito mais fácil continuar com a bunda na cadeira e usar, por exemplo, o espaço que o Facebook lhes dá para suas críticas. Não somos contra tais práticas, mas não pode haver radicalismo. E assim vamos vivendo neste país, onde quem tem obrigação de existir como órgãos de meio ambiente, o faça de direito e nunca de fato. E para terminar uma citação: O Brasil é um dos poucos países do mundo que proíbe a caça, mas permite a pesca profissional em águas interiores. Em tempo: vamos publicar mais um artigo brevemente, de autoria de Ricardo Freire diretor da já citada ABC onde o título é “CA(Ç)SSARAM OS CAÇADORES”, onde ele tenta mostrar o absurdo dessa proibição e,  dá nomes aos bois, citando todos os deputados que votaram a favor – alguns ainda estão por aí – e os que votaram contra a proibição. Antonio Lopes da Silva.


Revista Aruanã Ed:3 Publicada em Fev.88

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