sexta-feira, 17 de novembro de 2017

ROTEIRO: LINHA VERDE - BAHIA












Paisagem comum ao longo das praias



 A Linha Verde é uma estrada que foi construída pelo governo da Bahia a fim de facilitar o acesso às praias e rios do litoral norte do estado. A Aruanã foi conferir à piscosidade dessa região ainda virgem. Conheça os resultados.




      Placa de sinalização no início da estrada

Há aproximadamente três anos atrás o rio Joanes, que fica perto e Salvador, foi tema de uma reportagem nossa (Bahia de Todos os Peixes – Roteiro Aruanã 26), sendo que naquela época ficamos bastante impressionados com a piscosidade desse pequeno rio, já que tivemos a oportunidade de fisgar vários robalos, todos de bom tamanho, além de tucunarés e alguns peixes perdidos, tais como um tarpon e uma grande caranha que com seus dentes deixou marcas visíveis na Rapala que usamos na ocasião. Esse rio foi tão apreciado por nós que depois de alguns meses voltamos a ele para finalizar lá nossa primeira produção em vídeo (Pescando com a Aruanã – O Robalo). Tanto na primeira vez como na segunda tivemos notícias da construção da estrada nova, a tal Linha Verde. Pois bem, a conclusão da estrada é recente, e agora sim podíamos ter acesso às praias e principalmente aos rios, onde os robalos – tínhamos essa informação – eram grandes e estavam presentes em quantidade. Nossas metas eram os rios Itapicuru, Real e Sauípe. As notícias que tínhamos de lá eram muito animadoras, e ficamos motivados a fazer esta reportagem, que sem dúvida seria um ótimo roteiro para os leitores da Aruanã. As informações sobre pesca de praia também eram excelentes, o que nos motivou a convocar o Nelson de Mello, profundo conhecedor dessa modalidade, para nos acompanhar. 

O grande bagre

Em Salvador estavam à nossa espera o Leonardo Fernandes e o Manolo H. Fernandes, bons companheiros da Bahia, sendo que o Leonardo já havia nos acompanhado em outra matéria para a Aruanã (“Porto Seguro – Roteiro Aruanã 42”). A Linha Verde estende-se por 142 km, e exatamente no km 106 está à cidade de Conde. Passando por essa cidade, vamos alcançar um lugarejo chamado Sítio do Conde, bem rente ao mar, com praias lindas e o primeiro rio deste nosso roteiro: o Itapicuru. Chegamos ao Sítio do Conde por volta das 06:00h, o que permitiu que tivéssemos tempo para dar uma olhada no rio e que o Nelson pudesse observar as praias, a fim de escolher o local ideal para fazer sua pescaria. Vamos então falar da praia, que é muito bonita e em alguns trechos apresenta bastantes pedras, formando um verdadeiro recife. Nelson optou por um local onde havia um poço visível e de boa profundidade. Pescou com duas varas, sendo uma barra pesada e a outra leve. No fim do dia o resultado foi bastante razoável , já que alguns bagres haviam sido fisgados e entre eles um que chegou aos 5 kg. Betaras, pampos, paratis-barbudos, sargos e um pequeno xaréu foram as outras espécies pescadas. Nós, adeptos da pesca com iscas artificiais, fomos direto para o Itapicuru, e confesso que me encontrava incomodado por uma certa ansiedade. Só quem é pescador que entende isso. Afinal de contas, estávamos prestes a pescar, em um rio “virgem”. 

Pesca farta nas praias

O Itapicuru é um rio considerado grande, com boa formação de manguezais e alguns braços longos rentes à baía da foz. Nosso horário de chegadas ao rio havia sido muito bem calculado, já que era uma maré média e começava a “correr” por volta das 09:00h. Às 08:30h, nossa chata Aruanã 500 da Levefort estava nas águas do rio. Como manda a experiência, fomos direto para a foz (lá começa a vazar primeiro) para ver se lá havia pedras, já que estas são excelentes pontos de pesca para quem está em busca dos grandes robalos. Na barra, havia uma pedra boa na margem esquerda do rio. Marcada sua posição, começamos a subir o rio para analisar de perto sua estrutura. Uma outra galhada foi anotada mentalmente para batermos na volta. Seguimos subindo o rio Itapicuru, e depois de mais ou menos três quilômetros, o manguezal começava a desaparecer, dando lugar a um rio muito bonito, de margens firmes e com muitos aguapés próximos a elas. Se não soubéssemos onde estávamos, diríamos que aquele era um corixo qualquer perdido no Pantanal. Subimos até onde pudemos perceber que a rasura era constante e começamos a bater dali para baixo. Até chegar ao manguezal, tivemos apenas uma “ação” traduzida em um pequeno robalo de aproximadamente 15cm. Continuamos a bater nossas iscas e vez por outra nos interrogávamos a respeito de qual seria a razão para tão pouca ação da parte dos peixes. Estávamos agora em uma galhada muito bonita, que se estendia por mais ou menos 100 metros. Ao longo desta galhada, bateram e foram fisgados dois robalos flecha de mais ou menos 20cm. 

Sargo capturado junto as pedras na praia

Finalmente chegamos à barra e partimos para as pedras ainda com a esperança de alguma boa “batida”. O resultado foi negativo. Paramos na barra e ficamos a cismar sobre o motivo de tão poucas fisgadas naquele rio belo e “virgem”. Para que o leitor possa fazer uma idéia do que foi nosso trabalho ao “pentear” o rio (usamos essa expressão para nos referir à ação de bater com as iscas em todos os trechos do rio), chegamos a barra por volta das 14:00h, portanto quase no fim da vazante, que é a hora apropriada para se pescar robalos. Entre nós discutíamos o porquê de tão poucos peixes, e não chegávamos a conclusão nenhuma, já que a água estava normal, o dia estava ensolarado e a pressão atmosférica era de 1023 milibares. Ora, se tudo estava perfeito, porque não havia peixes fisgando no Itapicuru? Infelizmente, a resposta não tardou a chegar, já que com a enchente da maré “as aves de rapina” começaram a mostrar suas garras. Começamos a voltar ao nosso porto e, a menos de 100 metros da barra, enroscamos nossas iscas em uma rede tipo “caçoneira”, ou seja, uma rede que fica dia e noite no lugar, sendo visitada no final da enchente para que sejam retirados os peixes que nela caem. Ao longo de mais ou menos dois quilômetros de rio, pudemos contar cerca de 60 redes de espera armadas, de margem a margem, algumas com intervalos de apenas 20 metros entre si. A lei –ora a lei - determina que uma rede não pode ultrapassar um terço da largura do rio, e deve manter uma distância mínima de 100 metros da rede seguinte. 

As pedras da praia

Pois bem, além das redes de espera vimos diversos “pescadores” jogando tarrafas no rio, e qual não foi nossa surpresa quando avistamos outros “pescadores” praticando a pesca de arrastão ali. Isso também é proibido por lei. E para não dizer que faltamos com a verdade, contam-se às centenas os covos (pequena armações cilíndricas) para a pesca de camarões, além de um ou outro garoto pegando caranguejos no mangue. Pronto. Estava explicada a total ausência de peixes no rio Itapicuru.  Conversando com alguns desses “pescadores”, soubemos que nenhum deles têm registro profissional, até mesmo porque – dizem os mais antigos – o IBAMA nunca foi até lá fiscalizar. A propósito: tanto em Conde como no Sítio do Conde, vimos diversas placas do Projeto Tamar com a indicação “adote uma tartaruga”. Parece que essa é a mais nova moda entre os ecologistas. Ia me esquecendo. Na volta a nossa pousada, vimos mais pescadores na vila junto ao Itapicuru tecendo suas redes à sombra das árvores. Em conversa sobre robalos, soubemos que o ultimo grande exemplar pesando 18kg havia sido – é claro – apanhado em uma rede. Deve ter sido uma festa, já que os grandes robalos podem entrar no rio Itapicuru, mas sair, dificilmente conseguirão. À noite o desânimo era geral entre os membros de nossa equipe. 

Rio Sauípe

No dia seguinte, o Nelson escolheu outro trecho da praia para pescar e o resultado também foi bom, sendo que desta feita raias, carapicus, roncadores, betaras, pampos e grande bagres foram fisgados por ele. Decidimos então partir para o rio Real, que fica na divisa entre os estados de Sergipe e Bahia. Em território baiano, há um pequeno lugarejo à margem do rio a partir de onde pudemos descer nossa chata para a água com facilidade. A título de curiosidade, o Real é o rio que nos leva até a cidade de Mangue Seco, cenário da “Tieta” de Jorge Amado. Um outro e não menos famoso afluente do Real é o rio que recebe o nome de Santana, que nos conduz a Santana do Agreste. Pois bem. No Real tivemos um pouco mais de ação, só que o vento atrapalhou e muito nossa pescaria, já que direto do mar, uma grande reta faz com que o rio tenha ondas grandes, o que, batendo no mangue, suja bastante suas águas. Maré vazando, como convém a uma pescaria de robalos, não mostra aos olhos de quem o navega, as armadilhas que o rio tem. Foi só o começar a enchente e de novo vimos muitas redes esticadas de margem a margem do rio, além das tradicionais tarrafas. Não vimos redes de arrasto, mas estranhamos a presença de muitos peixes pequenos mortos boiando rio abaixo. A resposta para esse extermínio não tardou a chegar: estão usando dinamite – isso mesmo, dinamite – para pescar no rio Real. Pois é, prezados leitores, no Real a “turma da pesada” pesca mesmo é com dinamite. 

Raias
Aliás, quando íamos saindo do rio, depois de passar com dificuldade por cima de uma rede armada no “porto”, vimos dois barcos, um do tipo catamaram, com um motor de 40 HP e outro barco, de alumínio, com motor de 25 HP.  Após retirarmos nosso barco da água e já com ele na carreta vimos umas dez pessoas descendo para o rio com uma caixa de madeira nas mãos. Na passagem, um deles falou exatamente isto: “É bom que esses brancos tenham saído do rio, porque agora é hora da nossa pescaria. Vamos detonar, bicho”. Dá para acreditar em tal narrativa? Pois é leitor, por mais incrível que pareça, pode acreditar, pois essa é a expressão da verdade. Muito desanimados, voltamos à pousada. Novo dia, e levamos o Nelson à barra do Itariri, que é um outro rio da região distante de Sítio do Conde cerca de 30 quilômetros. Mais uma vez ele conseguiu fazer uma pescaria razoável, fisgando as mesmas espécies citadas anteriormente. Mas desta vez o Nelson tinha algo mais a relatar. Durante a enchente da maré, a melhor hora para se pescar na praia, um “bando” de pescadores veio, ao lado dele, bater tarrafas em toda a barra do rio. A matança de pequenos peixes – entre eles robalos de 10cm – foi grande. Quanto a nós, bem, fomos ao rio Sauípe cerca de 60 quilômetros em direção a Salvador. Nesse rio a ação também foi pouca, salvo duas pequenas caranhas perto de umas pedras a menos de 500 metros da barra do rio, com o mar. 



Betara

Existem robalos, aliás tivemos também duas ou três ações e chegamos a fisgar um exemplar de aproximadamente 15cm, que, como os outros, foi devolvido à água. No Sauípe encontramos redes, tarrafas e um cerco, lá chamado de “curral”, fechando totalmente o rio. O cerco está colocado a mais ou menos 500 metros acima da ponte da Linha Verde sobre o rio. Pois bem, dizer mais o quê dos rios do litoral norte da Bahia? De nossa parte, com a experiência acumulada em muitos anos pescando por todo o Brasil, podemos afirmar que nunca, em nenhum lugar, vimos uma depredação tão feroz e brutal quanto à encontrada nos três rios aqui citados. E tem mais: na volta a Sítio do Conde, nos deparamos com uma embarcação voltando da pescaria. Segundo pudemos observar, os principais produtos dessa pescaria eram duas raias enormes, pesando algo entre 80 e 100 kg cada uma, que foram limpas ali na praia mesmo, à vista de um bando de crianças. Durante o tempo que durou a limpeza, a praia naquele local foi sendo tingida de sangue. Perguntamos então aos que limpavam as raias sobre a maneira como haviam fisgado tais peixes, e a resposta na tardou: de mergulho. Aliás, aquele era seu último dia de pescaria, já que em três dias haviam conseguido uma quantidade de raias que chegou a uma tonelada, e isso tendo os peixes sidos pesados já limpos. O mergulho desses “pescadores” é praticado com um tubo na máscara, ligado a um compressor no barco. É preciso dizer que essa atividade também é proibida por lei? E mais: o modus operandi desses “pescadores” é localizar pedras submersas com um sonar no barco. 

Nelson, Leonardo e Manuel: a equipe Aruanã

Ali eles apoitam e, em turnos de revezamento, mergulham e ficam à espera das pobres raias que, indefesas, circulam ao alcance de seu arpão, encontrando por fim a morte através das mãos covardes de seus algozes. Vão em número de quatro na embarcação, e enquanto um mergulha, o resto fica na superfície pescando com linha de mão para não perder nenhuma chance, sendo que os peixes assim fisgados não entram no acerto final. São propriedade daquele que os pescou. De nossa parte só resta dizer que, se você gosta de uma boa pescaria de praia, até que recomendaríamos a praia de Siribinha em Sítio do Conde, ou ainda a barra do Itariri e a barra do Sauípe, que além de muito bonitas, apresentam uma razoável piscosidade. Agora, se você quiser robalos, risque de seu mapa a região da Linha Verde a menos que você queira presenciar um verdadeiro show de horrores - pois a mesma, conforme vimos aqui, está totalmente depredada. Sendo só o que nos resta fazer, estamos enviando ofício ao Sr. Presidente da Republica Fernando Henrique Cardoso, ao Ministro do Meio Ambiente Gustavo Krause, e ao Dr. Paulo Souto, Governador da Bahia e, principalmente, ao Dr. José Raul de Souza e Dr. César Monteiro Pirajá Júnior, respectivamente Superintendentes do IBAMA de Sergipe e Bahia, para que pelo menos cumpram as funções de que estão investidos, pois um pedaço do Brasil, que pertence a todos os brasileiros, está seriamente ameaçado, mais uma vez pela inoperância do Instituto do Meio Ambiente, o famigerado IBAMA. A propósito, observamos uma interessante curiosidade em relação ao sobrenome do Superintendente do IBAMA da Bahia, Pirajá, que em tupi-guarani significa ceva, ou viveiro de peixes. Talvez no tempo em que os índios ainda se encontravam por lá tal situação fosse verdadeira. Vamos esperar que o Dr. Pirajá tome providências para que os rios do litoral norte da Bahia voltem a ser “pirajás”.

O mapa geral da extensão da Linha Verde, inaugurada em 1993

NOTA DA REDAÇÃO: Eu tenho bons e grandes amigos pescadores no Estado da Bahia e, não vou citar nomes para não esquecer ninguém. Mas cito sim o rio Joanes, que era um verdadeiro ninho de grandes robalos e tarpons, além de outras espécies. Hoje o Joanes está muito ameaçado com esgotos. Há inclusive uma campanha com o nome “Vamos salvar o rio Joanes” que merece todo o nosso apoio.  Da Linha Verde, as informações são de que continuam exatamente como o aqui descrito há 22 anos. O texto abaixo é atual e para piorar ainda mais as informações, são de que, no sul da Bahia, onde fizemos várias matérias, a depredação também é muito grande e arrasadora.



Manchetes de uma pesquisa realizada pelo jornal Correio da Bahia.
(sic)Águas do Rio Joanes chegam poluídas na praia de Buraquinho
O Joanes é o principal rio de uma bacia que é responsável por 40% do abastecimento de água de Salvador.
Boa parte dos rios de Salvador está poluída e virou canal para esgoto
Ligação com a rede de esgoto favorece a saúde dos rios e a qualidade de vida, diz superintendente da Embasa
Solvente causou morte de peixes em Lauro de Freitas
O produto é semelhante ao encontrado em tintas e combustíveis automotivos





Somente para encerrar esta postagem: algum grupo defensor da Cota Zero ou Pesca e Solta Total poderia ir até esse estado da Republica e fazer lá, uma campanha? Repito, ficar sentado em frente a uma tela de computador é muito cômodo. Esbravejar e mostrar indignação, pouco ou nada vale. Antonio Lopes da Silva.

Revista Aruanã Ed:44 publicada em abril 1995

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