Edição Encadernada nº1
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Um dia frio e chuvoso. A vontade de sair do conforto do lar é pouca, mas necessária. Até a vontade ser maior, pego uma edição – número 1 - da Revista Aruanã encadernada. E essa matéria me chamou a atenção, pois da data de sua publicação no Jornal da Tarde, é de 33 anos atrás e, atual como nunca. Uma lição à aqueles que apregoam o pesca e solta.
Uma verdadeira lição de pesca, ecologia e esportividade foi o que presenciei no ultimo fim de semana. Estava eu indo ao sítio, quando o avistei pescando em um pequeno córrego na estrada de Ibiúna, mais ou menos 10 quilômetros após o entroncamento com a Raposo Tavares. Pescando com uma varinha de bambu, chamou-me a atenção, principalmente pelo pequeno curso d’água. O que poderia dar de peixe? Parei o carro no acostamento, voltei alguns metros e fiquei debruçado na pequena ponte. Cumprimentos de praxe. O meu um “bom dia”, o dele apenas “dia”, com sotaque de nossa gente do interior. O popular “caipira”.
Anzol iscado com o muito cuidado e lá
foi a isca
Perto da outra margem, no lugar
mais fundo em busca do peixe.
Vou tentar descrever o quadro: o “rio” não tem mais de um
metro de largura; numa margem bastante raso, na outra um pouco mais fundo, no
máximo uns 90 cm. O homem, sentado bem no meio de uma moita de capim. À sua
direita, uma latinha de massa de tomate, com um pouco de terra e algumas
minhocas; um samburá pequeno feito por ele mesmo, de casca de bambu, simetricamente
trançado e de aspecto muito bonito; chapéu de palha e um cigarro de fumo de
corda no canto da boca, que teimosamente insistia em apagar. Ofereci um dos
meus, que foi recusado com muita educação. Anzol iscado com muito cuidado e lá foi
à isca perto da outra margem, no lugar mais fundo, em busca do peixe. Foi cair
n’água e o homem deu a fisgada, e lá veio o primeiro Tetragonopterus astianax
ou Astyanax fasciatus. Para os íntimos, lambari.
Pescando com uma varinha de bambu,
chamou-me a atenção principalmente pelo pequeno curso d’água.
Com um sorriso, como se estivesse manuseando uma peça de alta precisão, tirou o pequeno peixinho do anzol, samburá na água, e começou a contagem. Não o vi errar uma fisgada sequer. Parecia um ritual sagrado, que só foi quebrado quando, em vez do lambari, veio um pequeno acará. Tirado do anzol com o mesmo cuidado, foi solto, junto com esta observação: “vai chamar teu pai, teu avô, que fico aqui esperando”.
A esta altura, sentei na beira da ponte, já
que os compromissos de um sábado não são lá muito importantes, e fui
gostosamente me deixando ficar, fascinado por aquele homem simples e sua arte.
Tracei um parâmetro com os pescadores de água azul, com suas potentes lanchas,
varas e carretilhas importadas, cadeiras giratórias e um marlim lindo, em seu
pulo característico. Quantos “anos luz” os estavam separando, ligados apenas
pelo prazer de pescar? Fiquei com vontade de contar-lhe das pescarias em Mato
Grosso, dos tucunarés do Araguaia, da emoção de um jaú dos grandes, brigando igual
a um burro bravo. Quanta coisa eu poderia contar àquele homem sobre pescarias e
peixes! Graças a Deus, calei a minha boca grande, pois naquele exato momento,
ele fisgou outro lambari. Tirou o peixe com o mesmo cuidado e colocou no
samburá, só que desta vez o anzol não foi iscado.
Pousou a
vara de lado,
pegou o samburá e começou
a contar os peixes.
Revista Aruanã Ed: 1 publicada em 08/1987
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