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Marco Antonio.G.Ferreira testemunha ocular do "seu" Tião |
Em nossas pescarias é muito importante travar
conhecimento com as pessoas ribeirinhas, bater um bom papo, simples mas singelo.
Desses papos, muitas vezes, somos surpreendidos com estórias que eles viveram
ou acreditam por ouvir falar. Não duvide, pois em muitos casos podem ser
provadas. ´´É este “causo” que publicamos hoje.
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A cabeça do Jacaré
Há muitas lendas no
Amazonas: - Mapinguari, Boto Sedutor, Matinta Pereira, Boiúna, Curupira, etc.,
mas certamente o jacaré-açu não é uma delas, em que pese os exageros. Em nossas
viagens de pesca esportiva, conhecemos várias regiões e seus moradores. É
sempre gratificante agendarmos um tempo da viagem para conversar com os
ribeirinhos, não só para nos informarmos dos melhores pontos, mas também para
conhecermos as estórias em que piamente acreditam, e contadas com tanto sabor. Como
de praxe, após o jantar, descemos para os barcos de pesca amarrados à nave mãe,
onde puxamos conversa com alguém da tripulação que esteja dando sopa pelo
local. Tio Mané é um dos alvos favoritos. A seu tempo contaremos algumas de
suas estórias. Numa dessas noites mágicas, estávamos discutindo a veracidade da
existência da Boiúna, cobra grande com chifres, quando chegou de repente, vindo
do nada, um morador da região em sua piroguinha, tão rasa que não sabemos como
suportava o peso de um homem sem afundar.
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Por do sol amazônico
A conversa mudou de
rumo, e papo vai, papo vem, “seu Tião”(nosso visitante) começou a contar seu
“causo”. Dizia-nos ele que de algum tempo pra cá, começaram a sumir animais de
sua criação, na sua maior parte porcos e galinhas, até um cachorro de estimação.
Deixaram a princípio por conta de alguma sucuri, comum na região, mas a coisa
foi tomando vulto e a preocupação aumentando, pois só de criança pequena ele
tinha cinco. E se o bicho resolvesse mudar de cardápio? Assim pensando,
combinou com a parentada dar tocaia à fera. Sabiam que os ataques se davam à
noite, pois só davam fé da falta de criação ao amanhecer. Durante o dia nunca
deram por falta de nada. Fato sabido, começavam a caçada depois do anoitecer,
quando a lua já descansava de sua jornada (segundo “seu Tião”, uma hora depois
de aparecer). Saíam sempre em três piroguinhas, a uma distancia de uns 50ms
entre elas, para que desse tempo de uma socorrer a outra, se preciso. Um dia,
dois, e nada. Parece que o bicho adivinhava e não dava as caras. Passou-se uma
semana, e por coincidência ou não, os ataques cessaram.
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A cabeça vista por outro ângulo
Como é do ser
humano, a vigilância relaxou, e por três dias nada mais aconteceu. “Seu
Tião”convidou então seu primo, o Cirino, a matar uma paca para reforçar a
dispensa. Saíram à mesma hora do descanso da lua, só que dessa vez os dois numa
única canoa. Iriam até um igarapé conhecido para barranquear o animal. Na
frente ia o Cirino, remando, e logo atrás “seu Tião”, com uma lanterna e uma
espingarda velha, mas que ainda dava um bom “papouco”, segundo ele. Mal tinham
navegado uns 100 metros, um mal estar tomou conta do Cirino, um arrepiozinho
chato, segundo ele. Comentou com o companheiro e ficou por isso mesmo. Mais
umas remadas e “seu Tião”, que tinha acabado de matar uma CABA insistente
(marimbondo grande que é atraído pela luz, e só ferra quando se sente
ameaçado), ouviu um bufar surdo às suas costas. Virou-se rápido para trás, com
o instinto aguçado de caboclo, e viu as fauces do inferno vir em sua direção.
Instintivamente, levou o cano da arma para o monstro e disparou, sem fazer
mira.
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Tio Mané.
Formou-se uma
tempestade ao redor da embarcação, com os estertores da fera em agonia, que só
não virou devido à habilidade dos canoeiros e os anjos da guarda, que estavam
de plantão. Depois de muita luta, embarcaram o bichão e voltaram para a vila,
para dar as boas novas aos parentes . Tinham sem querer resolvido o enigma do
sumiço da criação. Era sem dúvida aquele animal o objeto da perseguição que
tinham feito até então sem sucesso. Pois é, seu moço! A besta, um jacaré-açu,
tinha no mínimo uns 6 metros, disse o Tião à assistência calada esperando o fim
da estória. Quem quiser ver é só ir lá em casa. Foi ontem que pegamos o bicho. Como
tínhamos compromisso com o pessoal que estava conosco pescando, além de não ser
conveniente abandonar o barco por muito tempo, lamentamos com o Tião não
podermos ir, mas ele não se conformou com nossa recusa e despediu-se meio
carrancudo, afastando-se tão rápida e silenciosamente como tinha chegado.No dia
seguinte, após o pessoal sair para a pesca, vimos ao longe, por volta das
9:00hs, o barco do Tião vir em nossa direção. Chegou todo sorridente, trazendo
um grande volume coberto por trapos.
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Marco Antonio.G.Ferreira
Ao atracar, retirou
os panos da carga e para nosso espanto vimos a maior cabeça de jacaré que
poderíamos imaginar. Ele havia feito questão de provar sua estória. Por essas e
outras é que jamais podemos duvidar dos “causos” e lendas do Amazonas. Quem
garante que não existam mesmo as cobras monstruosas e outras aparições que
povoam o imaginário popular da região? O mais interessante de tudo é verificar
como nós, da cidade, podemos ficar tão insensíveis às belezas e coisas
pitorescas da natureza. Deixamos a cabeça desse jacaré na entrada do barco,
para que todos pudessem ver quando voltassem da pescaria, no horário do almoço.
Acreditem se quiser, mas não houve ninguém que se dignasse a dar uma paradinha
para olhar ou tirar uma foto. Afinal, ali não estava uma lagartixa... Esses
“pescadores” estavam mais interessados em almoçar e logo sair para a
pescaria...Essa é a foto da cabeça do jacaré, magnífico exemplar de nossa fauna
e que faz parte do cotidiano daquela gente, cheia de causos e mistérios para
nós, descrentes das grandes cidades...
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