O “rei do rio”, o dourado, é mostrado aqui em todo seu
desenvolvimento, maturidade, destruição e migrações. Seu futuro está gravemente
ameaçado. Veja porquê.
MANUEL PEREIRA DE GODOY
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A primeira referência sobre o dourado feita pelo homem branco data de 1542,
quando Cabeza de Vaca, na sua volta, por terra, de Assunção (Paraguai) para São
Vicente (SP), encontrou no rio Paraná um excelente peixe para sua alimentação:
o pirá-yuba (peixe amarelo), e o melhor pedaço era sua cabeça, da qual se
extraia um óleo medicinal.
O dourado (Salminus
maxillosus – Pisces, Cahracidae) é uma espécie ictiológica nativa da bacia
do rio Paraná, envolvendo, naturalmente as bacias dos rios da Prata, na
Argentina, Uruguai e Paraguai, e envolvendo o Paraguai e o Brasil através do
Pantanal do Mato Grosso. A primitiva área natural e total para a distribuição
do dourado abrangia cerca de 3.209.000km2, na grande bacia do Prata, na América
do Sul. Somente a área brasileira da bacia do rio Paraná possuía cerca de
1.415.00 km2 e em boa parte dela o dourado ainda está presente. Esta mesma
espécie existe também na bacia do rio Paraíba do Sul, envolvendo os estados de
São Paulo e Rio de Janeiro, porém como espécie introduzida por nós em 1945,
através de dois lotes com jovens douradinhos de 25 cm de comprimento,
originários do rio Mogi Guaçu (SP): um lote de 250 exemplares foi lançado em
Pindamonhangaba (SP) e outro igual em número e porte, na região de
Guaratinguetá (SP), totalizando 500 peixes. Em 1947 já foram apanhados
primeiros exemplares adultos e a partir de 1948 começaram a aparecer, com
alguma frequência, em vários mercados de cidades do vale do Paraíba do Sul,
fato que pudemos constatar em 1949 e 1950, e em anos posteriores.
O ciclo da vida
A evolução normal do ovo de um dourado demora aproximadamente
entre 22 e 23 horas (em água com temperatura entre 23 e 24 C). A larva com dois
dias de vida livre já tem os olhos bem pigmentados, as narinas e a bexiga de
gás; os ololitos são visíveis, e as nadadeiras peitorais já se movimentam. No
quinto dia de vida livre a larva já possui as nadadeiras ventrais, a nadadeira
anal e a nadadeira caudal esboçadas, que só no décimo dia se apresentam mais
nítidas. Com quinze dias já tem as escamas. Com 21-22 dias de vida livre o
dourado já é um alevino com 5 cm de comprimento total (em média). Acompanhe a
belíssima sequência de fotos que mostra a evolução do dourado.
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A VIDA EM EVOLUÇÃO
De 23 minutos até 1 h e 29 min de
vida.
FORMAÇÃO DA MÓRULA E DA BLÁSTULA
2h e 10 min de vida, até 4 h de
vida.
A LARVA COMEÇANDO A SE DEFINIR
12 h e 40 min de vida até 17 h e
56 min de vida.
DESENVOLVIMENTO DA LARVA
19h de vida até 20h e 30 min de
vida.
A EVOLUÇÃO SE COMPLETA
10h de vida livre até 21 h de
vida livre.
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Num estudo estatístico realizado no primeiro semestre de
1959, foi constatado que pelas balanças dos mercados de cidades do mencionado
vale, haviam passado 1.670 dourados, provando tal evidência que em 5 anos (1945
– 1950), o dourado havia se adaptado e se reproduzido no novo “lar” adotivo. O
rio Paraíba do Sul tem cerca de 1.053 km de extensão e o dourado praticamente
dominou toda a bacia paraibana e entre 1950 e 1969 colhemos muitas informações
a respeito dos dourados do Paraíba do Sul. Um dos pescadores informantes nos
escreveu que havia pescado grandes dourados na região de Campos (RJ), no rio
Paraíba do Sul, com pesos que variavam entre 10 e 20 quilos. Observou-se ainda
que na foz do rio, junto ao oceano, os dourados entravam na água salobra para
comer sardinhas. O dourado é um peixe magnifico na sua forma, na sua coloração
amarela-alaranjada-ouro e na sua arte de dominar os rios com suas corredeiras e
saltos. Na bacia superior do rio Paraná, onde há muitas corredeiras, saltos e
outros desníveis fluviais, as necessidades das amplitudes migratórias do
dourado alcançam 600 km subindo os rios antes das desovas e 600 km descendo
pelas mesmas vias fluviais, na “rodada”, depois da reprodução. A razão de tais
migrações é a necessidade da satisfação de seus dois instintos básicos: o da
conservação da vida (à procura de águas apropriadas, boas temperaturas e
alimento) e o da reprodução, visando a preparação dos seus órgãos sexuais e o
próprio ato reprodutivo: as desovas.
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Já no médio e baixo rio Paraná e no rio da Prata, na
Argentina, onde as águas são calmas, não há corredeiras e nem saltos, como
demonstraram os trabalhos de marcação de peixes realizados no país, pelo Dr.
Bonetto. Lá, os dourados compensam as águas calmas com a necessidade das
migrações ampliando em 2,5 vezes mais (1.500 km), quando comparamos com os
dourados que migram da bacia superior do rio Paraná, no ecossistema
Mogi-Pardo-Grande, como ficou evidenciado pelos 10 anos consecutivos de
marcações de peixes realizados por mim entre 1954 e 1963 e cujos resultados
foram obtidos até 1971. Amigo pescador, amador ou profissional: a pesca é um
direito seu, é um privilégio que a natureza lhe concedeu para seu prazer, para
seu paladar, para sua saúde e bem estar, através de uma alimentação saudável
como a proporcionada por um peixe de rio como o dourado, quando apresenta
normalidade nas características da sua carne, visando o consumo humano.
Entretanto, o que assistimos hoje, de norte a sul, é o envenenamento das águas
através de metais pesados como mercúrio, através de agrotóxicos da agricultura
que com as chuvas alcançam rios e lagoas marginais, através dos esgotos urbanos
e industriais. As matas, sobretudo as marginais, são destruídas a despeito das
leis e do Código Florestal. E o peixe, no sentido lato, necessita da floresta,
precisa da mata ribeirinha, precisa da lagoa marginal (que o próprio Governo
Federal incentivou para sua destruição, através de um programa do Ministério da
Agricultura chamado “Pró-Várzea”...) para continuar sobrevivendo e para cumprir
sua missão ecológica, como a destruição de larvas de insetos aquáticos aos
milhões (como pernilongos, borrachudos etc.) que causam graves doenças humanas
e animais.
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É por tal razão que os tamanhos mínimos para a pesca do
dourado se situam entre 40 e 42 cm de comprimento total. Antes desses valores
os dourados fêmeas ainda não deixaram descendentes no rio e merecem continuar
vivendo. Assim, se torna importante a conscientização do pescador em relação à
vida e continuidade dos peixes em geral. A pesca racional, dentro do respeito
às leis da natureza e dos homens é um direito natural à alegria humana e ao
prazer à mesa. Todavia, reconhecemos, não é tão somente o respeito a tais
medidas e pesos que vai garantir ao dourado e aos outros peixes a
sobrevivência, pois também depende das águas naturais, da sanidade de tais
águas, das matas e das lagoas marginais. O dourado é um peixe de piracema. É
reofílico, isto é, precisa da correnteza dos rios durante sua vida toda.
Precisa de dois “lares”: um de alimentação, crescimento e engorda e outro para
sua reprodução. E entre esses dois lares, precisa de vias migratórias,
permitindo seu desenvolvimento sexual e a própria desova.
O setor elétrico e as barragens, impedindo as necessidades
migratórias dos dourados e de outros peixes de piracema decretam seu
desaparecimento e morte. Dos 3.209.000 km da área original e primitiva, na
Bacia do Prata, um terço já está destruído graças às grandes barragens (sem
passagens de peixes, como as escadas) dos rios Grande, Paranaíba e Paranapanema
(no Brasil) e no rio Paraná (na Argentina) até Apipé Yacyretá. Isto vem
ocorrendo há 40 anos e em nível crescente. Mais 40 anos pela frente, com o
descaso de muitos pela natureza (sobretudo por parte de muitos do setor
elétrico), e não restará ao dourado e a outros peixes mais do que um terço da
primitiva área do seu grande lar natural, em prejuízo da nossa riqueza, da
nossa história e da nossa própria vida.
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O peixe está aí, ainda, para nossa alegria e satisfação (até
quando?): prazer para nossa visão, para nossa satisfação espiritual e material
através da recreação e do consumo de um alimento sadio e valioso. E mais: como
excelente material de estudos e pesquisas. Você, pescador amigo, sabia que o
dourado desova na correnteza dos rios e uma única vez por ano? Sabia que só
desova quando sente que o nível dos rios está subindo e nunca quando está
descendo? E que milhões de ovos de dourados e outros peixes, após as desovas e
as fecundações são levados pelas correntezas para as lagoas marginais, para a
incubação e o nascimento das larvas? Há um binômio inseparável na vida dos
dourados: o rio e a lagoa marginal. Para a incubação, os ovos do dourado
necessitam das águas calmas das lagoas marginais, do seu calor, do fito e do
zooplâncton (micro alimentação) para as larvas e que, quase que somente, se
formam nas lagoas marginais.
Cada larva de dourado nasce com 3,5 mm de comprimento e ela
precisa das águas calmas das lagoas marginais para completar sua primeira
formação, fora do ovo: completar o esboço das suas nadadeiras e deixá-las
funcionais; formar o maxilar e a mandíbula, com os primeiros dentinhos e
concluir a absorção do saco vitelino (que traz do ovo). Só depois de umas 20-24 horas a pequena larva
começa a nadar livremente e comer o seu plâncton. E na lagoa marginal a larva
se transforma em alevino e com cerca de 4-5 meses de vida e um comprimento de
10-12cm, em maio, ainda com a lagoa marginal se comunicando com o rio, os
jovens douradinhos, em boa parte, retornam ao rio de onde vieram como ovo e,
daí em diante, continuam, a viver até a morte, no meio fluvial, migrando
sempre. Os machos alcançam a maturidade sexual após o segundo ano de vida,
quando medem cerca de 26-28 cm de comprimento total e pesam entre 220 e 300
grs. E morrem mais cedo, comparados as fêmeas, vivendo cerca de 7-9 anos. O
dourado fêmea somente se reproduz após o terceiro ano de vida, medindo entre 30
e 38 cm de comprimento total e pesando cerca de 400 a 500 g, com grandes
valores médios. Uma fêmea de dourado pode viver cerca de 25 anos, quando atinge
116 cm de comprimento total e pesar 31,6kg como registramos em 1947, no rio
Mogi Guaçu, em Porto Ferreira (SP).
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NOTA DA REDAÇÃO: Eu tive a honra de ser amigo e conviver com
Manoel Pereira de Godoy, por alguns anos. Uma amizade sólida, onde nossos
principais assuntos eram sempre sobre meio ambiente. Longos papos batíamos em
sua casa em Pirassununga, inclusive onde ele tinha um Museu de Arqueologia próprio.
Tive a honra de assessorar Manoel, em alguns trabalhos, sempre como um amigo/jornalista,
como foi o caso de um trabalho em Sacramento (MG), onde uma barragem
hidroelétrica estava sendo construída. Tenho em minha biblioteca, vários livros
autografados, de sua autoria. Pouco dele se fala ou se conhece da obra de Manoel
Pereira de Godoy (22/04/1922 – 14/10/2003), mesmo ele tendo recebido o prêmio ROLEX
DE MEIO AMBIENTE NA SUIÇA. Este artigo mostra “um pouco” de quem foi este
grande homem. Saudades eternas.
Antonio Lopes da Silva
Tá aí. Preto no branco, a razão pela qual, hoje 'ainda' temos dourados no estado do rio. E da espécia salminus maxillosus. A bem da verdade, hoje a quantidade é ínfima em relação a quantidade da decada de 70/80. Ainda não sei certo se a barragem de Além Paraíba foi adaptada às necessidades do dourado e do surubim, que também habita as mesmas águas. Seria interessante que houvesse. Abçs SEMPRE.
ResponderExcluirSandro Almeida: As vezes, não muitas, vemos nossa luta e investigações sobre diversos assuntos, darem resultado. Conheci o Prof. Manoel Pereira de Godoy, digamos casualmente na cidade de Sacramento MG. Ele ali estava como cientista e eu como jornalista. Com nosso trabalho, cada um em área distinta, conseguimos que uma barragem do Rio Grande, divisa dos dois estados, fosse obrigada a construir uma escada para peixes na barragem que estava sendo construída. Essa amizade começou ali, com respeito e admiração mútua. O peixamento dos alevinos de dourados no Paraíba, foi o resultado dessa amizade, que eu apenas traduzi em uma matéria - de autoria dele - na Revista Aruanã e que poucos sabiam ser obra do Prof. Godoy. Ele já se foi mas, deve estar dando aulas no "andar de cima" onde é o lugar dos justos como ele. Só para te informar, ainda há dourados em todo o rio Paraíba. tenho notícias disso recentes no estado do R.Janeiro divisa com Minas Gerais. Abraço e obrigado
ResponderExcluirNa bacia do rio Jacuí, (bacia Atlântico sul) tem dourado também... está população, nesta bacia, é muito pouco estudada... tem pouco material informando...
ResponderExcluirTenho que confessar que não conheço o rio Jacuí. Vendo os mapas, visualizo que fica "perto" de Porto Alegre. Podemos então tecer alguns comentários, levando em consideração os parâmetros de clima, altitude, e águas, que salvo engano, são bastante frias. Isso não atrapalha em nada a criação e desenvoltura dos dourados, comparando-os com os do rio Paraná, que sofrem as mesmas condições. Quanto a população dos dourados nessa Bacia ser pouco estudada, talvez seja porque há falta de maiores informações. No Google existem algumas publicações. Poderíamos propor à você, que nos passasse maiores citações, principalmente se você pesca nesse rio. Teríamos prazer em publicar algo a respeito. Abraço.
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