De todos nossos quelônios, é o jabuti
o mais conhecido pelos seus hábitos terrestres e facilidade com que podemos
conservá-lo em casa, mesmo esquecendo, frequentemente, de lhe dar comida.
Resiste a tudo a pobre alimária e, mesmo se lhe deceparmos a cabeça do corpo,
ainda durante um mês andará e se mexerá, afirmam sádicos experimentadores. Mas
se tem tamanha vitalidade, ao ponto de ser tarefa desanimadora querer matá-lo,
é também dono da mais pesada e grosseira incompreensão. Não compreende, nada
aprende e nem sequer reconhece quem, durante anos seguidos, lhe forneça
alimento. Dificilmente se encontrará entre os brutos uma bruteza maior de
entendimento e, coisa singular e curiosa, o índio fez deste animal, um cúmulo
de argúcia, um rival da esperta e ardilosa raposa das fábulas arianas, o bicho
sete-ciências. No entender do índio toda aquela falta de vivacidade, aquele
passo pero e pesadão, a cara sôrna e o olhar apagado são disfarces da mais
requintada sagacidade. E tanto assim é que, no rico folclore indígena, o jabuti
estará sempre para pimpar de sabido, astuto. Por isso é que, vence o veado na
corrida, tapeia o jacaré, mede forças e vence a anta e até o Caapora...
(Ironia? Sarcasmo?)
Não parece interessante esboçar aspectos da biologia deste
quelônio, porque pouco se oferece de pitoresco. Melhor será, neste caso,
abandonar o bicho real, tão desinteligente, pelo que nos pinta a fábula dos
nativos. Escolho a história dos jabutis que os índios primitivos mais gostavam
de contar e reproduzo-a na sua clássica simplicidade. Certa vez, ia a onça para
a caça e ouviu o jabuti tocar flauta e assim cantar: “Do osso da onça fiz minha
flauta, fim, fim, fim.” Aproximou-se, mansamente, o felino e disse: - Como você
toca bem e como é que estava cantando? – Eu – disse o jabuti – cantava assim:
“Do osso do veado fiz minha flauta.” – Hum! A modo de que escutei outra coisa
ainda agorinha. –Não. É porque estavas de longe, retrucou o matreiro e
acrescentou: - Vou ficar mais afastado e ouvirás melhor. Aproximou-se então da
entrada de sua toca e cantou: “Do osso da onça fiz minha flauta”. O felino
arroja-se de um salto para o jabuti, mas esse que esperava tal resposta, já se
metera na toca onde a onça, enfiando a mão, ainda lhe agarrou a perna.
Sentindo-se seguro, o ladino deu uma risada dizendo: - Ah! Pensavas ter pegado
minha perna, hein? O que seguraste foi uma raiz de árvore, e continuou a rir. A
onça largou-lhe a perna, julgando que fosse mesmo a raiz, e o velhaco riu com
mais gosto dizendo: - Olha boba! Você tinha agarrado mesmo minha perna. A onça
de ódio ficou à porta da toca esperando que o jabuti saísse, e esperou tanto
que até morreu de fome.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário