sexta-feira, 30 de outubro de 2015

FOLCLORE BRASILEIRO - O JABUTI















Com o título original “O Finório do Jabuti”, esta crônica de Eurico dos Santos desvenda os motivos pelos quais este animal é considerado, no folclore indígena, astuto e sabido.











De todos nossos quelônios, é o jabuti o mais conhecido pelos seus hábitos terrestres e facilidade com que podemos conservá-lo em casa, mesmo esquecendo, frequentemente, de lhe dar comida. Resiste a tudo a pobre alimária e, mesmo se lhe deceparmos a cabeça do corpo, ainda durante um mês andará e se mexerá, afirmam sádicos experimentadores. Mas se tem tamanha vitalidade, ao ponto de ser tarefa desanimadora querer matá-lo, é também dono da mais pesada e grosseira incompreensão. Não compreende, nada aprende e nem sequer reconhece quem, durante anos seguidos, lhe forneça alimento. Dificilmente se encontrará entre os brutos uma bruteza maior de entendimento e, coisa singular e curiosa, o índio fez deste animal, um cúmulo de argúcia, um rival da esperta e ardilosa raposa das fábulas arianas, o bicho sete-ciências. No entender do índio toda aquela falta de vivacidade, aquele passo pero e pesadão, a cara sôrna e o olhar apagado são disfarces da mais requintada sagacidade. E tanto assim é que, no rico folclore indígena, o jabuti estará sempre para pimpar de sabido, astuto. Por isso é que, vence o veado na corrida, tapeia o jacaré, mede forças e vence a anta e até o Caapora... (Ironia? Sarcasmo?)
Não parece interessante esboçar aspectos da biologia deste quelônio, porque pouco se oferece de pitoresco. Melhor será, neste caso, abandonar o bicho real, tão desinteligente, pelo que nos pinta a fábula dos nativos. Escolho a história dos jabutis que os índios primitivos mais gostavam de contar e reproduzo-a na sua clássica simplicidade. Certa vez, ia a onça para a caça e ouviu o jabuti tocar flauta e assim cantar: “Do osso da onça fiz minha flauta, fim, fim, fim.” Aproximou-se, mansamente, o felino e disse: - Como você toca bem e como é que estava cantando? – Eu – disse o jabuti – cantava assim: “Do osso do veado fiz minha flauta.” – Hum! A modo de que escutei outra coisa ainda agorinha. –Não. É porque estavas de longe, retrucou o matreiro e acrescentou: - Vou ficar mais afastado e ouvirás melhor. Aproximou-se então da entrada de sua toca e cantou: “Do osso da onça fiz minha flauta”. O felino arroja-se de um salto para o jabuti, mas esse que esperava tal resposta, já se metera na toca onde a onça, enfiando a mão, ainda lhe agarrou a perna. Sentindo-se seguro, o ladino deu uma risada dizendo: - Ah! Pensavas ter pegado minha perna, hein? O que seguraste foi uma raiz de árvore, e continuou a rir. A onça largou-lhe a perna, julgando que fosse mesmo a raiz, e o velhaco riu com mais gosto dizendo: - Olha boba! Você tinha agarrado mesmo minha perna. A onça de ódio ficou à porta da toca esperando que o jabuti saísse, e esperou tanto que até morreu de fome.

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