Uma veneranda Dona Joana de tal, cozinheira de forno e
fogão, e contadora de histórias da carochinha e mentiras estilizadas, dizia-me,
há meio século passado, que vira o nosso ouriço-cacheiro chiando de satisfeito
ao carregar, na ponta de seus espinhos, uma porção de goiabas. Há quem pense
que esta balela é mentira do nosso caboclo, uma daquelas “histórias prá boi
dormir”. Entretanto, enganam-se. Isso vem de longe. O “Physiologus”, um tratado
de zoologia que já gozava fama no século passado, dizia que o porco-espinho
subia pela videira para colher os cachos e os enfiava em seus espinhos. É, pois,
um carapetão com 1.600 anos de idade. O porco-espinho europeu, posto que de
família diferente, é como o nosso ouriço-caixeiro, um roedor ouriçado de
espinhos. Mas enquanto o europeu tem regime alimentar quase exclusivamente
insetívoro e carnívoro, o nosso ouriço é francamente frugívoro. Havia, pois,
mais razão em acreditar em Dona Joana que no “Physiologus”. Eu, entretanto,
continuo a não crer em ambos, posto que homens de ciências, fiados no que
viram, mas no que lhe contavam pessoas acreditadas, inclinam-se a aceitar tal
fato. O que criou a lenda parece ter sido coisa muito simples. O porco-espinho
europeu costuma procurar insetos e suas larvas nos pomares de macieiras e,
naturalmente, uma ou outra maçã que ao acaso caia da árvore bem pode enfiar-se num
espinho. O nosso ouriço também vive a procura de goiabeiras silvestres e outras
fruteiras, e bem pode acontecer-lhe o mesmo. Alguém que avistou o ouriço com
tal carga, logo imaginou-o rebolando-se, de espinhos assanhados por cima das
goiabas, para, astutamente, fisgá-las. É bem mais simples e crível despencarem
frutos da árvore quando o bicho está com os espinhos de prontidão, do que o
mesmo bicho rojar-se no solo com toda aquela espinharia arrepiada. Como a
primeira hipótese era de extrema simplicidade, o povo, que gosta das coisas
maravilhosas, preferiu a segunda, que dá ao porco-espinho europeu a ao
ouriço-caixeiro americano ares de pitoresca engenhosidade. Extraído do livro:
“Histórias, Lendas e Folclore de nossos
Bichos” (Eurico Santos)
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário