Muitas são as histórias folclóricas que trazem como
protagonista esta pequena e encantadora ave. Uma delas é esta lenda em guarani,
bela por sua singeleza e inocência.
Celebrava-se a festa da primavera no mundo das aves. Acorreram
ao jardim do palácio dos beija-flores, onde se realizaria, com pompa, o
festival, todos os representantes do reino alado. Como festa popular, lá
estavam desde o Ferreiro, o Alfaiate, o Médico, o Forneiro, até altos
personagens, como o Cardeal, o Juiz do Mato, o Juiz de Paz, o Capitão dos
Bigodes e o Capitão da Porcaria. Os cantadores mais notabilizados lá
compareceram com suas vozes, prontos a abrilhantar a grande festança racial que
os jardins suspensos em frente ao palácio de residência dos beija-flores dariam
desusado brilho. Viam-se já afinando gorjeios o Sabiá, o Gaturamo, a Cigarra e
o Azulão. Lá estavam, muito festeiras, a Maria Branca, a Maria Cavaleira, a
Maria Faceira, a Maria Mole, a Maria Mulata e a Maria Preta. O Dançador já
ensaiava passos; a Viuvinha, muito circunspecta, espiava de soslaio; o Casaca
de Couro mostrava ufano sua casaca nova. O Tico-Tico, a Cigarra, o Dorminhoco,
entram todos juntos e mais o João Barbudo, o João Bobo, a Mariquita. Vovô
chegou junto ao Urubu todo de luto. O feiticeiro do Picapau e o Caboré
misterioso conversavam cabalisticamente. Papagaios faladores já haviam iniciado
animada conversa, quando o brigão do Bem-Te-Vi, com aquele ar de espadachim,
pediu silêncio. Chegava o Urubu-Rei, majestoso, com a imponência de um
diplomata, em companhia do Cardeal, seguido pelos passos medidos do Tuiuiu,
solene e calado como um túmulo. O moleque do Assoviador e o Cara Suja, cá fora,
no sereno, espiavam. Fazendo as honras da casa a esposa do Beija-Flor, com sua
clâmide multicolor, a todos recebia alegremente. Nenhuma ave deixou de trazer
um tributo para a festa: goiabas, maracujás, pitangas, todas as frutas de todas
as regiões vizinhas; as mais belas flores da estação evolavam perfumes,
destilando néctar. Corria animada a festa com um lindo programa de canções
populares que traziam enlevado o auditório, menos os filhinhos da senhora
Beija-Flor. Esses pirralhinhos muito gulosos aproveitaram-se das distrações
gerais e lá se foram à mesa do banquete e comeram toda a sobremesa. Entretanto,
a mamãe, que os tinha de olho, em lhes dando pela ausência, foi pé ante pé, e
os pilhou com o bico na botija. Severa, impôs-lhe imediato castigo: - Vão já,
imediatamente, corrigir a falta. Eles saíram, como um raio e por isso ainda
hoje os vemos, em busca de néctar, rápidos, apressados, em sua eterna correria.
Extraído do livro: Da
Ema ao Beija-flor, de Eurico Santos.
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