sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

TAQUARI: AGONIA E MORTE DE UM RIO











A ação do homem contra o indefeso meio ambiente é de uma violência sem par. O Brasil tem em sua vasta extensão, muitos exemplos dessa ação criminosa e covarde. O rio Taquari demonstra bem o que queremos mostrar. Mesmo avisando e alertando autoridades de meio ambiente, nada foi feito. Mas ele reagiu. E como. Acompanhe sua saga.


Ao chegar em Coxim, no Mato Grosso do Sul, vê-se logo o rio Taquari, portal dessa cidade. Passando pela ponte, temos a impressão de que estamos em pleno período das cheias, pois o rio apresenta águas barrentas e escuras, com um feio aspecto de enxurrada. Mas essa impressão é falsa, já que durante todo o ano será esta a aparência desse rio, que já foi famoso por sua piscosidade e beleza natural. Navegando em seu curso, que é de aproximadamente 520 quilômetros desde Coxim até o rio Paraguai, vamos perceber que em toda a sua extensão a cor das águas permanece a mesma, e em alguns trechos a situação é ainda pior. O pescador que lá estiver verá também que em muitos locais o rio não tem mais do que alguns centímetros de profundidade, e o canal, que teimosamente continua a existir, mudando diariamente de curso, terá poucos metros de água ainda livre. Os famosos poções, outrora moradia constantes de jaú e pintados, não existem mais. Segundo informações que obtivemos, a lenta agonia do rio Taquari começou há alguns anos, quando alguma “cabeça pensante” achou ter descoberto um novo “eldorado” para o plantio de soja. Vários agricultores desse grão instalaram-se em São Miguel do Oeste e sem nenhuma orientação passaram a arar e plantar soja indiscriminadamente. O desmatamento foi grande e nos campos logo floresceu a semente em vasta quantidade. 






Sem as árvores, que foram cortadas em sua totalidade, a erosão começou a tomar conta. Com as chuvas, grande quantidade de terra passou a ser despejada no rio Coxim, e, por conseguinte, no rio Taquari. Lentamente, a própria correnteza do rio foi acumulando em certos locais a terra trazida, formando praias e baixios. Por ocasião de uma chuva mais forte, as águas ganham uma correnteza mais veloz por causa da pouca profundidade, indo ao encontro da outra margem, passando a derrubar parte dos barrancos, e com estes toda a sua vegetação para dentro do rio. Progressivamente, o Taquari foi se auto assoreando, causando a destruição completa de suas margens em uma extensão que calculamos ser de aproximadamente 250 quilômetros desde Coxim. Com essa destruição, a paisagem e o próprio rio foram mudando de aparência e curso. É comum ver-se hoje locais secos que abrigavam o leito do rio há alguns anos. Há casos ainda de construções ribeirinhas que caíram e outras que estão por cair, aumentando cada vez mais o assoreamento do rio Taquari. A desgraça não para por aí. Vários fazendeiros, vendo suas propriedades ameaçadas, optaram pela solução mais rápida (e menos inteligente) de sanar seu problema.










Montaram dragas no rio e com o auxílio delas, simplesmente fecharam as entradas das baías e corixos com a areia do próprio rio. O resultado desse fechamento fez-se logo sentir, pois a mortandade imediata de peixes nos corixos e baías foi tão grande que quase era impossível viver com o mau cheiro exalado por toneladas de peixes das mais variadas espécies mortos nos vãos secos. É fácil hoje, para quem navega no Taquari, ver-se quantas baías e corixos foram fechados, pois a denunciar esse ato criminoso, está lá nas margens uma areia branca contrastando com as margens originais. Em nossa estadia no rio Taquari vimos mais de oito balsas “trabalhando” no fechamento das poucas baías e corixos que ainda restam. Misteriosamente, se alguma providência é tomada por alguma autoridade para impedir esse fechamento, de imediato surge um advogado com um mandato qualquer provando que tem autorização para continuar a “obra”. E assim vamos vivendo e o Taquari morrendo. A literatura é bem explicita a respeito, e traduzida em miúdos fala que os peixes de piracema, como as várias espécies do Pantanal, necessitam de corixos e das lagoas marginais, pois é exatamente nesses locais que se dá a desova. Diante desse terrível quadro e de nossas observações quando lá estivemos recentemente, podemos afirmar sem margem de erro que o pescador amador deve e pode futuramente esquecer o rio Taquari para sua incursões pesqueiras, pelo menos nos seus 250 quilômetros iniciais, a partir de Coxim rio abaixo. 






Permanecemos mais de 5 dias navegando no rio Taquari e foi esse o quadro que vimos. No final desse rio ainda há muita vida, mas hoje já se pode contar quatro saídas na junção com o rio Paraguai, onde antigamente só existia uma. Em um de nossos acampamentos fizemos inclusive um teste: pegamos um litro de água do rio e deixamos descansar por dois dias. Ao final desse prazo, a água ainda estava turva e com cerca de um milímetro de areia no fundo do litro. Se há dez anos atrás alguém me dissesse que iria existir um rio no Pantanal cuja água não serviria para beber ou cozinhar, eu diria que essa pessoa era louca. Hoje, pude ver com meus próprios olhos que a água do rio Taquari já não serve nem para uma coisa nem para outra. Há, com certeza, solução para esse problema. Acreditamos que existam técnicos capazes de reverter essa situação. Ou então podemos ficar aguardando que um político mais inteligente lance mais dia menos dia uma campanha do tipo “vamos salvar o rio Taquari”. Certamente essa campanha será patrocinada por um país mais rico, com empréstimo de alguns milhões de dólares para ser executada. Até lá, a agonia e morte do Taquari são certas, como se alguém neste país tivesse o direito de deixar que as coisas assim aconteçam. É lamentável.





NOTA DA REDAÇÃO: Este artigo foi escrito em junho de 1993, logo após nossa Aventura no Taquari, matéria que publicamos na Revista Aruanã e, em breve, aqui no blog. Hoje, ao reeditar este artigo em fevereiro de 2016 para nosso blog, mostramos como tínhamos razão para clamar por providências com os responsáveis pelo nosso meio ambiente. Não tivemos resposta de órgão nenhum, mesmo mostrando o que aqui publicamos com texto, contexto e fotos. Aliás, desculpem, mas tivemos sim uma resposta e, essa se traduziu em um oficio da Câmara dos Vereadores de São Miguel do Oeste, onde, por unanimidade, fomos declarados persona non grata na cidade. Por outro lado, dizíamos que o rio iria reagir e isso aconteceu. As quatro saídas do Taquari no rio Paraguai que citamos, mudou seu curso pois, - ele saía em um local denominado de Figueirinha (aliás um pesqueiro de dourados sensacional) - aos poucos essas saídas foram se fechando e as águas do Taquari, “abriram uma passagem” em direção ao rio Paraguai Mirim, alagando milhares de alqueires de campos e matas destruindo com isso toda a vegetação nativa do local. Houve lucro com isso? Perdas houveram sim e muitas, já que diversos fazendeiros, por onde o Taquari abriu passagem, tiveram suas fazendas tomadas totalmente pelas águas. E para o meio ambiente? Nada foi acrescentado, já que a reação do Taquari era esperada. Ele reagiu mudando sua foz mas, os primeiros 250 quilômetros do rio, continuam os mesmos. Isto é Brasil em questões de meio ambiente.

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