sexta-feira, 18 de agosto de 2017

FOLCLORE BRASILEIRO - A ANTA E O GAVIÃO PINHÉ









Grande naturalista e conhecedor de nossa fauna, Eurico Santos foi o autor que soube descrever com graça e leveza o folclore de nossos animais. Este texto é um pequeno exemplo.








A luta pela vida apresenta cenas desedificantes e lamentáveis. Cenas de sangue, o triunfo do forte contra o fraco, astúcia, brutalidade, assassínio. Mas, ao lado desses tristes aspectos, encontramos o espírito de solidariedade, a ajuda mútua entre os animais. São conhecidas as causas de solidariedade dos animais que vivem em sociedade, os pinguins, por exemplo. Há ainda animais, certas aves, que rigorosamente não vivem em sociedade, mas se aninham em colônias para fins de defesa. Entre elas citaremos as garças, gaivotas, os colhereiros, os flamingos. Estas aves juntam-se assim formando uma cooperativa de defesa. Ninguém ignora quanto os filhotes das aves citadas, já pelo tamanho da presa, já porque são tenras e ainda pouco emplumadas. Não há rapinante que não tenha os olhos grandes num filhotão de garça com poucas penas e muita carne. As graças sabem disso e assim, como outras parceiras em iguais circunstâncias, constroem verdadeiras colônias, grandes ninhais, nos recônditos banhados. Por mais faminto e ousado que seja, o gavião não se atreve a ir ao reduto dum destes ninhais roubar um filhote. Se tal ousasse, milhares de aves, com fortes bicos e muito amor materno, cairiam em defesa da cidade das meninas. Os diários do mundo, em 14 de agosto de 1934, traziam um telegrama de Istambul, contando que na localidade de Orkha Gazi, perto de Broussa, os camponeses assistiram a um combate épico entre um grupo de sessenta águias e trezentas cegonhas, motivado por uma incursão daqueles predadores no ninhal das cegonhas. Doze cegonhas e vinte águias mortas no campo da batalha, ante a admiração dos campesinhos que assistiram a luta. São muito vulgares esses episódios. Bates, na sua obra “O Naturalista do Rio Amazônas”, conta que indo em busca de um araçari que ferira, este soltou um grito de socorro, e logo o naturalista se viu visitado de uma vintena de araçaris que o cercaram por todos os lados, batendo asas, crocitando em fúria, ameaçando-lhe o rosto e os olhos com longos bicos. Mas, além do espírito de solidariedade nos reverses da vida, os animais ainda dão provas de outras qualidades, entre elas a ajuda mútua. É por demais curioso o que se passa entre a anta e o gavião pinhé. A anta, o maior de nossos animais selvagens, é perseguida por um número incrível de sevandijas, e entre eles, os carrapatos. O gavião pinhé, se não tem no carrapato seu prato de resistência, mostra por esses ácaros um apetite ilimitado. Ora, junta-se a fome com a vontade de comer. A anta, quando sente que lhe fervilham no couro os carrapatos, lança alguns de seus característicos assobios. O gavião pinhé, que anda de ronda, desce logo da galhada das árvores e vem, sem mais cerimônia, catar e comer a carrapataria que amofina a grande alimária. Ambos lucram: a anta fica com o lombo vazio de carrapatos que lhe causavam desgosto pela vida e o pinhé com o estômago cheio, o que lhe causa alegria de viver. É o que se pode chamar de harmonia da natureza. Pena é que haja constantes desafinações.
Extraído do Livro: “Histórias, lendas e Folclore de nossos bichos” (Eurico Santos).

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