Grande naturalista e
conhecedor de nossa fauna, Eurico Santos foi o autor que soube descrever com
graça e leveza o folclore de nossos animais. Este texto é um pequeno exemplo.
A luta pela vida apresenta cenas desedificantes e
lamentáveis. Cenas de sangue, o triunfo do forte contra o fraco, astúcia,
brutalidade, assassínio. Mas, ao lado desses tristes aspectos, encontramos o
espírito de solidariedade, a ajuda mútua entre os animais. São conhecidas as
causas de solidariedade dos animais que vivem em sociedade, os pinguins, por
exemplo. Há ainda animais, certas aves, que rigorosamente não vivem em
sociedade, mas se aninham em colônias para fins de defesa. Entre elas citaremos
as garças, gaivotas, os colhereiros, os flamingos. Estas aves juntam-se assim formando
uma cooperativa de defesa. Ninguém ignora quanto os filhotes das aves citadas,
já pelo tamanho da presa, já porque são tenras e ainda pouco emplumadas. Não há
rapinante que não tenha os olhos grandes num filhotão de garça com poucas penas
e muita carne. As graças sabem disso e assim, como outras parceiras em iguais
circunstâncias, constroem verdadeiras colônias, grandes ninhais, nos recônditos
banhados. Por mais faminto e ousado que seja, o gavião não se atreve a ir ao
reduto dum destes ninhais roubar um filhote. Se tal ousasse, milhares de aves,
com fortes bicos e muito amor materno, cairiam em defesa da cidade das meninas.
Os diários do mundo, em 14 de agosto de 1934, traziam um telegrama de Istambul,
contando que na localidade de Orkha Gazi, perto de Broussa, os camponeses
assistiram a um combate épico entre um grupo de sessenta águias e trezentas
cegonhas, motivado por uma incursão daqueles predadores no ninhal das cegonhas.
Doze cegonhas e vinte águias mortas no campo da batalha, ante a admiração dos
campesinhos que assistiram a luta. São muito vulgares esses episódios. Bates,
na sua obra “O Naturalista do Rio Amazônas”, conta que indo em busca de um
araçari que ferira, este soltou um grito de socorro, e logo o naturalista se
viu visitado de uma vintena de araçaris que o cercaram por todos os lados,
batendo asas, crocitando em fúria, ameaçando-lhe o rosto e os olhos com longos
bicos. Mas, além do espírito de solidariedade nos reverses da vida, os animais
ainda dão provas de outras qualidades, entre elas a ajuda mútua. É por demais
curioso o que se passa entre a anta e o gavião pinhé. A anta, o maior de nossos
animais selvagens, é perseguida por um número incrível de sevandijas, e entre
eles, os carrapatos. O gavião pinhé, se não tem no carrapato seu prato de
resistência, mostra por esses ácaros um apetite ilimitado. Ora, junta-se a fome
com a vontade de comer. A anta, quando sente que lhe fervilham no couro os
carrapatos, lança alguns de seus característicos assobios. O gavião pinhé, que
anda de ronda, desce logo da galhada das árvores e vem, sem mais cerimônia,
catar e comer a carrapataria que amofina a grande alimária. Ambos lucram: a
anta fica com o lombo vazio de carrapatos que lhe causavam desgosto pela vida e
o pinhé com o estômago cheio, o que lhe causa alegria de viver. É o que se pode
chamar de harmonia da natureza. Pena é que haja constantes desafinações.
Extraído
do Livro: “Histórias, lendas e Folclore de nossos bichos” (Eurico Santos).
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