quinta-feira, 30 de outubro de 2014

DOCUMENTO: MEMÓRIAS DE UMA LUTA INGLÓRIA










Foi com grata satisfação que recebemos em nossa redação uma carta de um colega participante de nossa comunidade de pescadores amadores. Seu objetivo é comum ao nosso.

                             Vamos à carta.














Esta é a carta recebida por nós dia 12 de outubro deste ano (1990):
“Na condição de privilegiado assinante dessa excepcional revista, gostaria de ver publicada na seção adequada (Álbum) esta foto, que foi tirada quando meu pai e eu (Jarbas Passarinho e Jarbas Passarinho Jr.) estivemos na região do Pantanal do Paiaguás. Os peixes foram pescados no rio Piqueri. Sinceramente, ficaria envaidecido de nos ver juntos, impressos na minha revista. Na verdade, além do números atrasados, babei e babo com cada exemplar que recebo.
Por outro lado, gostaria de expressar minha repugnação com a decolada da inoperância e ineficiência dos fiscais responsáveis. Tive dez dias de férias recentemente e ia para o pontão (existem dois) aqui abaixo da ciclovia do Lago Norte (o lago compreendido entre a Península dos Ministros e o Lago Sul).
Todos os dias e principalmente à noite, há redes enormes, que poderiam cercar a passagem sob a ponte, fora os incontáveis tarrafeiros que chegam ao ponto de abrirem a tarrafa em nossas linhas. Todos sabemos que no Lago Sul e principalmente na Península dos Ministros isto não acontece. Lá existem carpas de até 12 quilos, tucunarés de bom tamanho, e eu aqui no Lago Norte pesco as sobras: pequenos acarás e tilápias do tamanho de uma mão esticada, e muito raramente, quando usei a fórmula (massa) que a Aruanã me ensinou, nestes dez dias consegui pegar três carpas, sendo que uma passou de dois quilos.
Gostaria de ver, se possível, na seção de cartas, o meu protesto, indignação e revolta com o que acontece.
OBS: Com relação à foto, trata-se de pacus, dourados e tucunarés pescados por Jarbas Passarinho e Jarbas Passarinho Jr., no rio Piqueri, Pantanal do Paiaguás, MS. Desde já grato à minha revista.
Jarbas Passarinho Jr. - DF 03/09/90”

Aruanã responde:
Prezado Jarbas Passarinho Jr.: Em primeiro lugar, é um prazer tê-lo como um de nossos assinantes, que hoje se somam aos milhares, espalhados pelo Brasil e mesmo em outros países.
Sua carta, a exemplo de outras que recebemos, tem o mesmo tom de amizade que nos une a todos e as mesmas queixas sobre a pesca predatória neste país, onde parece que as leis não foram feitas para serem cumpridas.
O problema da pesca predatória existe e é padrão em todo o território brasileiro. Nós não somos contra a pesca profissional, desde que ela seja feita artesanalmente. Sabemos que muitos são os brasileiros que, tendo herdado essa atividade de seus pais e avós, têm na pesca sua atividade principal. Somos contra, isso sim, os maus pescadores que usam redes e tarrafas, tentando tirar do meio ambiente o lucro fácil e sem escrúpulos. Somos contra, por exemplo, a existência de frigoríficos dentro do Pantanal e da Bacia Amazônica, que estão exaurindo o potencial de nossos rios. Somos contra os barcos de arrasto em nosso litoral, que fazem sua pesca criminosa, praticamente dentro da arrebentação. Esse tipo de pesca profissional não respeita nenhuma norma. Para eles só interessa o peixe e o lucro que este lhes der.
Acabando o peixe de um rio, eles simplesmente mudam com seus barcos e redes para um novo rio e assim sucessivamente. O que você acha da informação de que o Brasil é um dos poucos países do mundo que permite a pesca profissional em águas interiores (rios e represas)? Pois é, meu prezado Passarinho, isto é a verdade.




Acostumados com esse problema, diríamos a você que a solução para nosso meio ambiente estaria, principalmente, em três questões básicas: educação, legislação e fiscalização. Nós não temos nenhum desses itens básicos, o que por certo torna as coisas muito mais difíceis.  Nosso maior problema em termos de meio ambiente, parece incrível, mas é a verdade, chama-se IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente). Esse órgão, em se tratando de problemas de pesca, é omisso, inoperante, burocrático e infelizmente, em muitos casos, corrupto.
O IBAMA não erra por ação, mas sim por omissão. Eles de pesca, não entendem absolutamente nada, a não ser cobrar a taxa de licença amadora, que em 1989, de seis milhões e meio de pescadores, arrecadou a bagatela de US$270 milhões. Onde está esse dinheiro? Onde foi aplicado? São perguntas que não tem respostas, a não ser a certeza de que os recursos não foram aplicados na pesca amadora.
Com certeza, temos agora em você um pescador amador muito importante, já que será muito mais fácil transmitir ao senhor seu pai, Dr. Jarbas Passarinho, nosso digníssimo Ministro da Justiça, estes problemas existentes em um órgão federal. Essa luta prezado Passarinho, é uma luta nossa de muitos anos. Quem sabe agora vamos conseguir que, pelo menos, nos ouçam.
Contamos com você. Eu e mais alguns milhões de pescadores amadores brasileiros. Um forte abraço. Antonio Lopes da Silva.


NOTA DA REDAÇÃO OUTUBRO DE 2014: Pois é pescador. Logo depois da publicação desta carta na Aruanã, com recursos fornecidos pelo Jornal da Tarde, estivemos em Brasília. O Ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, nos recebeu em uma audiência particular no ministério. Presentes além do ministro e eu, seu filho Passarinho Jr. e o fotografo do Jornal da Tarde da sucursal de Brasília. Confesso que pela primeira vez, consegui divisar uma luz no fim do túnel em nossa luta. Voltei para São Paulo onde, dias depois, recebi um telefonema do ministro Jarbas, dizendo ter marcado uma audiência com a atual presidente do IBAMA. Mais uma vez fui a Brasília e mais uma vez voltei com a mesma impressão de ter falado com as paredes do órgão.
Liguei ao Ministro Jarbas e disse-lhe do resultado da audiência, ou seja, nada. Nova audiência em Brasília e agora com o Secretário Nacional de Meio Ambiente José Lutzenberger. Agora sim, pela primeira vez ouvi de uma autoridade em meio ambiente, palavras nunca ditas a um jornalista. Reservo-me o direito de não transcrever aqui, o que me foi prometido, já que fiz essa promessa ao secretário Lutzenberger. Mas o que eu ouvi, por certo iria resolver todos os problemas da pesca do Brasil, tanto amadora como profissional. Só Deus sabe o que eu estava sentindo ao embarcar no vôo para São Paulo. Para finalizar: todos nós sabemos o que aconteceu ao governo Collor de Mello e consequentemente as promessas feitas a mim pelo Secretário José Lutzenberger.

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