sexta-feira, 27 de março de 2015

AVENTURA NO PINHEIROS E TIETÊ.







Muito se fala na recuperação do Tietê e quase nada ouvimos sobre o rio Pinheiros. Os dois são similares na finalidade a ambos atribuída. A Aruanã fez em São Paulo esta reportagem especial, navegando em meio à poluição dos dois rios, do mesmo modo como fazemos em nossas habituais pescarias. Confira.









Início da aventura: Usina de Pedreira                                                                                                                                                  

Quem de nós, aqui em São Paulo, não tem visto diariamente na mídia impressa, falada e televisiva, uma massificante publicidade sobre a recuperação do rio Tietê? O engraçado é que nessa publicidade, pouco ou quase nada se fala do rio Pinheiros, que como o Tietê, tem sérios problemas. Com base na informação oficial de que o Tietê está 50% despoluído, resolvemos nos aventurar a navegar nesses rios, desde a Usina Pedreira no bairro de Santo Amaro, até a barragem junto ao parque Ecológico do Tietê, na Penha, percorrendo por água cerca de 60 quilômetros de trajeto.
                                                                                                                                                   

Da esquerda  para a direita Kenji e Antonio                         

A descida do barco                                                                                                                               
     
Preparamo-nos muito bem, já que nossa embarcação foi um barco Marfim 500 Levefort (novo) e um motor Suzuki de 30 HP. Fizemos antes uma consulta com médicos conhecidos, que nos aconselharam a usar roupas de plástico, botas de borracha, luvas, máscaras, óculos especiais e protetores para os ouvidos. Exatamente às 9.30h do dia 05/08/94, descemos nosso barco junto à Usina da Pedreira. Íamos eu e o fotógrafo Kenji Honda, profissional que nos acompanha em praticamente todas as aventuras. Pela margem, nossa caminhonete de reportagem e uma guarnição do Corpo de Bombeiros, com cinco soldados prontos para qualquer emergência, acompanhariam a expedição.

A equipe do Corpo dos Bombeiros da Policia Militar SP e nossa equipe  
                                           


Demos a partida no motor e lentamente começamos a descer o rio Pinheiros. Ao entrar no rio, a impressão que se tem é muito pior do que quando o observamos das vias marginais, coisa aliás, à qual todo paulistano está acostumado. A água do rio é negra e continuamente saem bolhas do fundo para a superfície. Essas bolhas estão em toda a extensão do rio a estourar intermitentemente. O cheiro é insuportável, e tranquilamente atravessa as máscaras de proteção.

A primeira ponte que encontramos é a de Interlagos, e perto dela uma surpresa: restos de uma perua Kombi repousam semi-submersos nas águas do Pinheiros. A segunda ponte é a do Socorro, e mais adiante vemos o primeiro afluente, o rio M’boy Guassu, que sai das comportas da represa de Guarapiranga. A paisagem não poderia ser pior. Água preta, mal cheirosa e muito lixo, principalmente garrafas plásticas de água mineral e refrigerantes, pedaços de caixas de isopor e outras embalagens plásticas, tais como detergentes de cozinha, desodorantes e mais uma infinidade de frascos não identificáveis.

Os restos de uma Kombi     
       
             A terceira ponte é a do Transamérica, e a paisagem continua a mesma. O mau cheiro também.  A única novidade é que nosso motor “roncou diferente” indicando alguma coisa na hélice. Nós, que estamos acostumados a pescar em outros locais, sabemos que quando o ronco muda, basta levantar a rabeta do motor, pois com certeza alguma folha de aguapé está enroscada na hélice. No Pinheiros não há aguapés. O enrosco aconteceu devido a um pedaço de plástico, que se percebia ser de um saco de lixo. Para que nosso texto não fique repetitivo, queremos informar ao leitor que até o fim do nosso trajeto, repetimos a operação de limpar a hélice mais de 26 vezes, e em nenhuma delas o enrosco foi de folhas de aguapé. Foram as mais diversas matérias manufaturadas, sendo que uma das mais estranhas foi uma fralda descartável.
                                                              

O afluente M’boy Guassu 



Na ponte do rio Pinheiros, continua a água igual e o cheiro idem. Passamos ainda a ponte do Morumbi e ao longe já avistávamos a Usina da Traição. Chegando à usina, tivemos que tirar o barco da água, já que é impossível passar por dentro dela. O mais interessante é que existe uma eclusa, mas, segundo um engenheiro da Eletropaulo (Eletricidade de São Paulo), “daria muito trabalho fazê-la funcionar”. Na usina entendemos o que ele quis dizer com trabalho. É que essa eclusa está completamente entupida de lixo, e no meio do rio, cresce até um “matinho verde”, muito “bonitinho”. São várias moitas de matinho verde. Com a ajuda do pessoal de nossa equipe mais os soldados do Corpo de Bombeiros, tiramos o barco da água, colocamos na carreta e passamos a Usina da Traição por terra, para voltarmos ao rio um pouco mais à frente. Um pouco mais à frente é modo de falar, já que junto à usina, existem duas barragens flutuantes para segurar o lixo. O engraçado é que existem máquinas para retirá-lo, principalmente o material plástico e colocá-lo em uma espécie de “container” (naquela hora existiam dois containers cheios de lixo). Pelo jeito, é encaminhado para reciclagem e alguém deve estar ganhando dinheiro com isso.
                                                                                                                

Usina Traição em Cidade Jardim – bairro classe “A” de São Paulo  

Próxima ponte: Cidade Jardim. Aqui o primeiro sinal de vida nas águas do rio Pinheiros. Um marreco estava na margem e com nossa aproximação saiu nadando tranquilamente para a outra margem. Seria bom que o “pessoal da ecologia” fizesse uma campanha para salvar o marreco do Pinheiros. Foi o primeiro e ultimo sinal de vida em todo nosso trajeto nas águas dessa aventura. Para não ficar monótono, vamos dizer que passamos por uma infinidade de pontes e não vamos citar mais nomes, pois são velhas conhecidas dos paulistanos e não há muito interesse nesse detalhe. Cite-se apenas que estão todas recém-pintadas, a pretexto de uma decoração que não serve para coisa nenhuma além da “maquiagem” do ambiente, tal é o estado desses dois rios. A propósito, devemos citar também o “reflorestamento” das margens, com árvores e gramados. Para nós, dentro do rio; a sensação era a mesma de estar em um penico, com as bordas muito bem pintadas e decoradas, o que não altera o conteúdo.

Lixo acumulado nas barragens flutuantes         


                    
E lá fomos nós, rio abaixo. Pelas margens do Pinheiros: pneus velhos, sacos de lixo devidamente amarrados, aqui e acolá algumas ilhas de mato recheadas de lixo por todos os lados. Saídas de esgotos, contamos 201 no rio Pinheiros e 147 no Tietê. Em algumas dessas saídas, garças pousadas. Quem conhece esses pássaros sabe do branco de suas penas. Pois é, as tristes garças por nós avistadas são só brancas na parte de cima, pois suas barrigas estão pretas. Mais uma causa a ser defendida pelos “ecologistas de plantão”: salvar as garças do complexo Tietê/Pinheiros.

Finalmente atingimos o “Cebolão”. À nossa esquerda uma eclusa, ou sei lá o nome daquilo, que fecha em várias comportas o rio. Na ocasião estavam abertas apenas três delas (são várias) para deixar o problema lá para o pessoal de Carapicuíba, Osasco, Pirapora e outros. Pegamos o Tietê à direita e lá fomos nós prosseguindo na aventura.


Um marreco – único ser vivo encontrado nas águas                                                                                    


No trajeto até aqui percorrido, havíamos passado por diversas balsas no meio do rio e mais outras encontramos. A cara de espanto do pessoal que estava trabalhando nessas balsas era incrível, ante a nossa passagem. Finalmente o Tietê: muitas surpresas tais como animais mortos e em decomposição em suas águas (na maioria cães), restos de móveis (sofás-camas, poltronas e uma geladeira de cor azul), mais pneus e lixo, muito lixo mesmo, principalmente vasilhames plásticos do tipo usado para envasar refrigerantes.

Um dos muitos esgotos do percurso                                                                                    

“Rancho de um morador ribeirinho”                                                                                                      

Logo após a ponte da Anhanguera, um “morador ribeirinho”, em sua “casa” coberta de plástico preto, acenou amigavelmente para nós. E seguimos rumo ao nosso destino. Passando a ponte da Freguesia do Ó, outra surpresa, a rabeta do motor estava raspando no fundo do rio. Incrível, pois passa pela minha cabeça a “obra de desassoreamento” do rio tão falada em anos anteriores. Com dificuldade e tentando encontrar o “canal mais fundo” do rio continuamos a subida do Tietê. Chegamos à confluência com o rio Tamanduateí, que tem algumas pedras nas margens, causando uma pequena corredeira na água. Se fosse em outro rio, por certo eu pararia para dar uns lances, já que, à primeira vista, seria um bom local para se tentar um dourado ou um outro peixe qualquer que goste de águas rápidas. Seguimos sem outras novidades até chegar à ponte do Tatuapé. Sob essa ponte a coisa ficou feia, pois a rasura do rio fez com que a rabeta do motor enroscasse, e a hélice sofreu bastante, desgastando suas pás nas pedras existentes. Mesmo tentando muito não conseguimos passar e o barco girou perigosamente em sentido inverso à correnteza. Levantamos a rabeta e com o auxílio dos remos descemos um pouco o rio. Acostumados a passar em outras corredeiras, ficamos de longe estudando onde estaria o canal mais fundo do rio. Descobrimos que seria pela margem esquerda de quem sobe, e com cuidado e uma ou outra raspada nas pedras, conseguimos passar.


A garça e o esgoto                                                                                                                                  
Um detalhe interessante é que vimos várias saídas de esgotos com os mais variados tons de cores nas águas. Vimos por exemplo águas azuis, verdes, vermelhas, cor-de-rosa, pretas e até amarelas. Exatamente às 15:30 h, chegamos à barragem junto ao Parque Ecológico (?) do Tietê e que “espetáculo bonito”! Uma barragem soltando água, parecendo uma pequena cachoeira e muita espuma branca, sendo que essa espuma, com mais de meio metro, com as rajadas de vento dissipava-se em pequenos pedaços voando ao sabor da direção do vento. Fomos até o meio da espuma para ver de perto essa “maravilha”. Que “fenômeno interessante”: apesar da água preta, a espuma é branca como neve.

Foz do rio Tamanduateí                                                   

Uma ilha de lixo                                                                                                                            

Encostamos o barco na margem e demos por encerrada a aventura no Pinheiros e no Tietê. De nossa parte, a conclusão é de que alguém está mentindo ou tentando nos enganar. Os dois principais rios que cortam a capital de todos os paulistas continuam a ser verdadeiros esgotos a céu aberto. Chamar o Pinheiros e o Tietê de “rios” é uma piada de muito mau gosto. Gostaríamos que os responsáveis pela publicidade ostensiva nos meios de comunicação nos provassem que o que vimos nessa aventura não é a pura verdade.


Eclusa sob o “Cebolão”                                                                                                                         
E mais: queremos deixar um recado ao Senhor Governador de São Paulo Dr. Luiz Antonio Fleury Filho e a seu futuro sucessor: já que parece que a limpeza desses rios vai demorar muito ainda, estamos dispostos, quando esses rios estiverem limpos (entenda-se por rio limpo um rio com peixes vivendo naturalmente), a fazer de novo esse trajeto. Se eu não estiver vivo para fazê-lo, quem sabe um neto ou um bisneto meu cumpra essa promessa.


Fim da aventura: Parque Ecológico do Tietê                                                                                         
Terminamos a aventura no Tietê/pinheiros. Segundo informações oficiais, até o final do ano 50% desses rios estarão despoluídos, assim sendo, diremos aos nossos habituais leitores que levamos somente 50% do nosso material de pesca nessa aventura, com 50% de esperança de pegar 50% de algum peixe, e que nos proporcionasse 50% de uma boa briga, e, quem sabe, se conseguíssemos embarcar tal meio peixe saboreá-lo em 50% da sua carne. Como fazemos sempre ao encerrarmos esse tipo de reportagem, queremos dizer que agora que todos sabem as dicas de como é navegar no Pinheiros/Tietê, e mais: não aconselhamos a ninguém a repetição de nossa “façanha”, pois na realidade e literalmente, essa “aventura” foi uma merda.






NOTA DA REDAÇÃO: No dia 15/03/2015 vimos em todo o Brasil, a revolta do nosso povo nas ruas de diversas cidades deste país. O motivo? Simples: protesto contra a corrupção aberta e que em nossa opinião é endemia e dificilmente vamos conseguir acabar com ela. Fizemos esta matéria, tendo em vista que na época - (outubro de 1994) – ou um pouco antes, havia uma maciça publicidade de que estes rios estavam 50% mais limpos, ou menos poluídos. Nos comerciais, víamos garotos pulando em águas supostamente límpidas. No fundo, as vozes de Chitãozinho e Xororó, davam mais beleza aos comerciais. Pior do que tudo isso, era a afirmação de Orestes Quércia ex governador de São Paulo (1986 a 1990), que afirmava categoricamente que até o fim de  seu mandato, ele iria pescar um lambari no rio Tietê. O governador na época desta matéria era Luiz Antonio Fleury Filho, sucessor de Quércia, ambos do PMDB. Pois bem, segundo erros ou omissões de minha parte, na obra do Tietê foram gastos cerca de US$500 milhões, e tinha como principal objetivo dragar e tornar esse rio mais profundo, para com isso evitar enchentes. Como o leitor leu, por duas vezes, a rabeta de nosso motor raspou em pedras no fundo rio. E até os dias de hoje os rios Pinheiros e Tietê continuam e estão muito mais poluídos. Não caberia aqui uma frase tipo, “continuamos na mesma merda?” Ou seja: nos rios citados e em todo o Brasil. Dizer mais o que?


Antonio Lopes da Silva.

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