sexta-feira, 19 de junho de 2015

DEPOIMENTO: UM PEIXE ESPECIAL.









Existem determinadas situações em nossa vida que, por mais que vivamos, jamais serão esquecidas. É o caso desse dourado. Com certeza, um peixe muito especial.






O peixe e o material de pesca

Rio Cabaçal, Mato Rio Grosso, Junho de 1998. Era uma matéria como todas as outras, que fazemos com muito amor e carinho para relatar aos nossos leitores. O rio Cabaçal não é muito conhecido, ou não era, já que agora ele pode ser conhecido através do nosso novo roteiro, publicado nesta edição. Já estávamos pescando no Cabaçal há quatro dias e já tínhamos fisgados vários dourados, com peso variando entre 4 e 8 quilos, o que chega a ser normal. Nosso material; uma vara Fenwick de 15 a 40 libras; uma carretilha Abu Ultra Cast 5600; linha monofilamento 0,40 milímetros; um líder de 40 centímetros de aço recoberto por nylon e um anzol Mustad referência 92247 e tamanho 7/0, e finalmente, isca viva de tuvira. Nós somos adeptos de iscas artificiais, e aliás fisgamos vários dourados com elas nessa pescaria. Só que no Cabaçal, mais precisamente nas galhadas do rio, em virtude das corredeiras serem muito fortes, optamos pela isca natural, já que, sem chumbo, conseguíamos que as iscas ficassem mais tempo junto às galhadas, o que não aconteciam com as artificiais, pois assim que dávamos os lances, ao trabalhar a isca, a correnteza da água tirava a isca imediatamente dos melhores lugares. O local onde fisgamos esse peixe pode ser facilmente descrito e encontrado nesse rio. Saindo-se do Cabaçal Rio’s Hotel, pega-se à esquerda do rio, e essa galhada é a ultima de uma série de galhadas antes de vir uma parte mansa do rio. Nesse trecho onde a galhada está, o rio tem aproximadamente 30 metros de largura, e para quem olha de cima para baixo da correnteza a própria água diz o trajeto, já que existem galhadas à direita, à esquerda e no meio do rio. Com o motor desligado, vamos descendo na base do remo e dando lances à frente, ao lado e no remanso de cada galhada. Deve-se bater todas as possibilidades da galhada. É o que chamamos de “passar o pente fino”.


Tabela elaborada pelo Prof. Manoel Pereira de Godoy


As galhadas do Cabaçal

O Cláudio, vulgo Pica-Pau, estava pilotando para mim. Passamos a galhada da direita e conseguimos dar dois lances antes que a correnteza nos tirasse dela. A galhada da direita era formada por uma árvore caída e estava mais para fora da margem, porém um de seus galhos aparecia quase junto à margem, formando uma espécie de corredor por onde a água descia mais calma. A essa altura, o barco já tinha descido uns dez metros e o corredor ficou então mais para cima de onde eu estava. Rapidamente, dei um novo lance bem no meio do corredor e, dando pequenos toques, fiz a tuvira vir quase à tona da água, já que, se deixasse-a afundar, o enrosco seria inevitável. A isca desceu mais ou menos dois metros no corredor e o peixe fisgou. A fisgada foi violenta e seguida de uma corrida rápida no sentido da correnteza. O peixe passou por trás do barco e foi para a outra margem, onde havia uma galhada de um pau só, que tinha mais de um metro para fora da água. Esse peixe entrou por baixo dessa galhada e parou. Eu sentia a linha roçando a galhada. No remo, o Cláudio não estava conseguindo segurar o barco na correnteza. Gritei para ele ligar o motor de popa, já que precisávamos ir até a galhada tentar tirar o peixe de lá. A sorte estava do meu lado, já que, com a partida e o ronco do motor, o peixe se assustou e saiu sozinho da galhada descendo correnteza abaixo. Na minha cabeça várias suposições, pois ainda não sabia que espécie de peixe era. Só dava para perceber que era enorme, já que a briga não estava fácil. Após sair da galhada, o peixe tirou mais ou menos uns 20 metros de linha da carretilha e parou na correnteza. Depois dessa parada, começou a vir em direção do barco e, a mais ou menos três metros de nós mostrou, em um pequeno salto, toda sua beleza, revelando-se para nós: um enorme dourado. Ficou brigando contra a correnteza e ao nosso lado. A vara de pesca, totalmente envergada.



O local da captura

 Por duas vezes, o dourado passou por baixo do barco, fazendo com que o Cláudio levantasse o motor para não enroscar a linha na rabeta. Deu mais um salto e ficou nadando quase na superfície ao nosso lado, mostrando agora todo seu tamanho. Trazer esse peixe para o barco foi outra proeza, já que o puçá que tínhamos era muito pequeno para o tamanho do peixe. Acabamos usando um anzol a título de bicheiro, já que eu precisava ter aquele peixe em minhas mãos principalmente para poder fotografá-lo, pois jamais em toda a minha vida havia visto um dourado daquele tamanho, aliás, um dourado fêmea, como constatamos depois. Após trazer o peixe para o barco, vimos uma coisa estranha, pois perto do ânus do peixe havia um espinho de algum peixe que essa fêmea havia comido, e ao expeli-lo ele saiu pelo reto e encravou na carne de seu corpo, mostrando inclusive uma pequena infecção, pois ao redor da farpa do espinho a carne do peixe apresentava uma mancha vermelha. Fomos até a margem de uma praia do rio, já que dentro do barco não havia condições de fazer boas fotos. Aqui um parêntesis, pois para fotografar demoramos cerca de dez minutos. O peixe estava completamente exausto, assim como eu. Soltá-lo, portanto, seria duvidoso, no que se refere à sua sobrevivência. Resolvi guardá-lo, para as tradicionais fotos na mão do pescador. Com certeza não fiquei com nenhum drama de consciência, haja visto que já soltei muitos outros peixes em minha vida, e nem o trouxe para São Paulo, presenteando meu amigo Roberto Braga com esse magnífico exemplar de Salminus maxilosus. Aqui na minha mesa, escrevendo essa matéria, consulto uma tabela feita para mim pelo Prof. Dr. Manoel Pereira de Godoy, já publicada anteriormente na Aruanã. Esse peixe, com seus 13,5 quilos e um metro de comprimento, tinha idade aproximada entre 20 e 21 anos. Realmente um peixe muito especial, que pode ser considerado, em se tratando de rios do Pantanal (não confundir com peixes do rio Paraná e outros) um verdadeiro recorde. E só me resta agradecer a Deus por ter me dado um peixe tão especial, que veio enriquecer a minha vida, que agora imortalizou para sempre esse dourado

Nenhum comentário:

Postar um comentário