O Dr. Zanirato é cirurgião dentista e lecionou Fisiologia durante muitos anos. Atualmente, dedica-se a pesquisas científicas sobre o jaú, peixe que observa há 20 anos. Juntamente com a equipe com a qual trabalha, tem como projeto publicar futuramente um estudo anatômico, histológico, comportamental e fisiológico acerca do jaú.
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Da direita
para a esquerda: José Eugênio Zaniratto, o piloteiro Armando Camargo Gonçalves
e outros pescadores que ajudaram a segurar o jaú de 70 quilos (limpo). A boca
do jaú tem conformação arredondada no sentido horizontal de um lado para o
outro, apresentando e pares de barbilhões (bigodes).
O jaú é um vertebrado aquático ectotérmico cujo corpo é
revestido de couro. Locomove-se por movimentos laterais oscilatórios,
resultantes de contrações musculares, no sentido da cabeça para a cauda,
movendo também os apêndices locomotoras (nadadeiras). Espalhadas no tecido
epitelial de seu tegumento existem glândulas que segregam muco, substância
viscosa que facilita surpreendentemente o seu deslizamento pelo fluído, em
razão da quebra do atrito. Suas funções orgânicas, como apreensão dos
alimentos, digestão, circulação, crescimento, reprodução e etc, são
estritamente dependentes da água. A condição satisfatória de vida desse peixe
está em função da relação direta do oxigênio dissolvido na água, do seu PH, da
penetração de luz, do nível de substâncias tóxicas, temperaturas, presença de
sais minerais.
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Seu habitat tem que apresentar também condições de camuflagem
e situações que possibilitem defesa e fuga de predadores. Peixe de profundidade
tem corpo fusiforme, de simetria bilateral. Sua hidrodinâmica é adequada para
mantê-lo no fundo, tornando-o um peixe relativamente lento mais muito forte.
Cientificamente está enquadrado no grupo dos Siluriformes (forma de couro) da
sub-ordem dos Silurodei, da família Pimolidae da sub família Sorubiminae, do gênero Paulicéa e da espécie Paulicéia luetkni. Segundo o Ibama, por
ser um peixe de piracema, atinge a maturidade para reprodução a partir do
terceiro ano e meio de vida, quando mede aproximadamente 60 a 70 cms. Com esse
tamanho já se reproduziu pela primeira vez, por isso sua pesca só é permitida
para espécimes acima de 90 cms, para criar oportunidade de proliferação da
espécie.
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Da esquerda
para a direita: João Luzia de Moraes (Londrina/PR), José Eugênio Zanirato e um
jau de 60 quilos, pescado no rio Paraguai (Flores) em 19 de setembro de 1990.
Observe-se as 4 placas dentígeras faringeanas e os arcos branquais com os “dentes”
assemelhados a espinhos de roseira.
Peixe carnívoro, percebe os alimentos por meio do cheiro e de
botões gustativos que são localizados principalmente nos barbilhões (bigodes) e
também distribuídos na sua cavidade buco-faríngea, cabeça e pele. Estes
corpúsculos, juntamente com o fato altamente sensível, captam-lhe mensagens do
meio exterior como estímulos físico-quimicos; por exemplo: uma leve alteração
na movimentação da água ou a presença de alimentos. Dessa maneira, o jaú
percebe seus predadores: piranhas em cardumes ou peixes de porte maior; também
detecta os pequenos peixes que vivem nas profundidades, para caça-los. O
sistema pelo qual o jaú geralmente pega sua presa é singular. Conforme
observações feitas por nós na natureza e em tanques na CESP, ele permanece
parado, imóvel, e simetria lateral. Sua hidrodinâmica é adequada para mante-lo
no fundo, os peixes ficam nadando a sua volta aproximando-se cada vez mais. |
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Imagens de
sonar.
Com leves movimentos de olhos, observa-os, deslocando
delicadamente o barbilhão, posicionando-o na direção do peixe mais próximo,
verificando distância e codificando o seu potencial. Quando o peixe passa ao
seu lado, em um movimento lateral brusco e rápido, abocanha-o pela cabeça. (NOTA DA REDAÇÃO: TODOS OS PEIXES, BEM COMO SERES QUE SE
ALIMENTAM DE PEIXES, USAM ESSE MESMO MODO DE ENOLIREM SUAS VÍTIMAS. NO CASO DAS
ISCAS ARITIFICAIS, QUANDO UM PEIXE É TRAZIDO ÀS MÃOS DO PESCADOR, ESTANDO
FISGADO APENAS PELA GARATÉIRA TRASEIRA, SIGNIFICA QUE ELE ATACAOU A ISCA DE
PASSAGEM A SUA FRENTE. SE FOSSE ISCA NATURAL, ELE IRIA POSICIONA-LA , COM
MOVIMENTOS, ATÉ QUE A MESMA FICASSE ENTÃO NA POSIÇÃO CERTA PARA ENGOLIR). A
conformação arredondada de sua boca no sentido horizontal de um lado para o
outro facilita o processo de abocanhamento pela lateral. Sua ampla mandíbula e
maxila apresentam dentes cardiformes (pontiagudos, numerosos e curtos),
dispostos irregularmente, uns perto dos outros, com uma leve inclinação no
sentido ântero-posterior, alinhado-se em formas de placas. |
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Jaú de 41 kg
pescado no rio Paraguai (Porto Murtinho MS). Ataque das piranhas nas nadadeiras
caudal e adiposa – setas.
Esse multi serrilhado prende o peixe abocanhado de forma a
dificultar sua fuga. O peixe fica preso pela boca entre a mandíbula e o maxilar
superior do jaú e sua cauda, que fica para fora, se debate lateralmente, em um gesto
de defesa que ajuda o jaú, no processo de deglutição. Cada vez que a presa
movimenta a cauda, penetra ainda mais dentro da cavidade buco-faríngena do
predador, até atingir as placas dentígeras faringeanas. Elas são quatro placas
circulares compostas de dentes cardiformes, todos levemente inclinados na
direção da luz do esôfago. Estão implantadas em um complexo sistema muscular na
parte posterior da cavidade buco-faríngea, ao lado do último par de arcos
branquiais, contornando a válvula que liga essa cavidade ao esôfago/estômago.
As investidas do jaú nem sempre se fazem pela cabeça da presa.
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As piranhas
iniciam o ataque na tentativa de destruir os apêndices locomotores (nadadeira
caudal e anal – setas)
Em algumas ocasiões pescamos peixes menores, como barbados,
com sinais do multisserrilhado provocado pelo predador nas laterais do corpo da
presa. O inconveniente deste procedimento de ataque se torna visível no corpo
destes exemplares, que, ao contrário do ataque certeiro na cabeça, consegue
escapar. Através de observações próprias e relatos de pescadores profissionais,
foram vistos em diversas ocasiões nas margens dos rios, pequenos jaús parados
com a cabeça voltada para o meio do rio e a cauda para a margem, em atitude de
defesa. Essa postura facilita a sua fuga diante do ataque do predador e é
adotada por todos os jovens carnívoros de peixe de couro. Defendem-se, ao mesmo
tempo em que buscam o alimento, abatendo os pequenos peixes que circulam dentro
de seu raio de ação. O jaú habitualmente se agrupa em pequenos cardumes, num
comportamento de defesa. Interessante ressaltar que no período da piracema,
época de sua procriação, sobem os rios em grandes cardumes. Esses pequenos
agrupamentos normalmente alojam-se em depressões localizadas nas profundezas do
canal principal do rio, em regiões onde há um estreitamento do leito, curvas,
etc.
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Jaú, com a
mobilidade afetada, atacado por piranhas diretamente na extremidade caudal do
corpo.
Ficam imóveis, uns colados aos outros, conforme dados obtidos
no sonar “Humminbird” que mede a profundidade, mapeia o fundo do rio e localiza
os peixes. Essa união instintiva dificulta o ataque das piranhas, que assim
receiam se tornar presas e não predadoras. Em longos anos de observações nos
rios, conseguimos juntar fatos sobre a forma como as piranhas investem contra
os que estão com problemas de locomoção. No caso dos jaús rápidos, elas investem
quando eles estão sozinhos ou são os últimos nos deslocamentos dos cardumes.
Iniciam o ataque primeiramente na tentativa de destruir as nadadeiras caudal e
anal, em seguida a nadadeira dorsal adiposa, desta maneira dificultando a
movimentação do peixe; ele fica lento e desgovernado, sendo então atacado na
extremidade caudal de seu corpo. As piranhas atacam sempre por trás do peixe,
numa sequência lógica quase ordenada, no sentido póstero-ântero-inferior.
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A foto mostra
que as piranhas atacaram em sequência lógica, quase que ordenada. Após predar a
extremidade caudal do corpo do jaú, investiram na região abdominal. Parece-nos
que elas neutralizavam as nadadeiras através da destruição de seus músculos acionadores.
Com essa destruição o jaú perde totalmente a movimentação,
sendo então devorado. Quanto aos peixes que estão com problemas de locomoção,
por estarem lentos e com mobilidade afetada, são atacados diretamente na
extremidade caudal de seu corpo, na sequência já descrita. Ilustrando nossas
observações, fomos testemunhas e fotografamos um fato curioso e raro, no dia 20
de setembro de 1990, quando estávamos hospedados no Hotel Americano, na cidade
de Porto Murtinho (MS), onde passa o rio Paraguai. O piloteiro do hotel, Daniel
Florentino (30 anos, dez como profissional) estava pescando e viu a uma certa
distância um peixe debatendo-se próximo à margem, perto de um corixo, na flor
da água. Dirigiu-se ao local e com a ajuda e outro pescador, usou o bicheiro
para colocar o peixe dentro do barco.
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Destruição
dos músculos acionadores das nadadeiras indicadas pela seta.
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O peixe era um jaú de 76 kg, fêmea, medindo 1.58m, com peso
limpo de 64,5 kg, suas vísceras 11,5 kg e 2,5 kg de ovas. Ele estava sendo
devorado pelas piranhas. O fato que nos surpreendeu e causou espanto foi que o
jaú tinha preso em sua cavidade buco-faríngia um armau (Pterodora granulosus).
O peixe estava “entalado” na sua garganta. Havia ferimentos generalizados com sangramento
na boca do jaú e extensão do corpo todo do armau. Resultado de uma longa luta. O jaú atacou o armau pela cabeça. Após
abocanha-lo, teve início um processo característico de bio-mecânica da
deglutição.
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Armau na
cavidade buco-faríngea do jaú. A dificuldade respiratória ocasionada pela
permanência desse peixe fez com que o jaú subisse à tona.
Fechando a boca, dominou o acúleo dorsal (ferrão) da presa,
desarticulando-o. Depois, protraiu a mandíbula deslizando-a suavemente no
abdômen do armau, em seguida retraiu-a, pressionando e trazendo o armau para
dentro da cavidade buco-faríngea em movimentos sucessivos. As placas
dentígeras, com seus inúmeros dentes inclinado para o interior da cavidade
bucal bem como os movimentos de lateralidade da cauda do armau ajudaram no
processo de introdução da presa. À medida que o armau ia penetrando na cavidade
buco-faríngea, os arcos branquiais que em suas faces internas apresentam uma
forma de “dentes” assemelhados a espinhos de roseira – rastros, dirigiram-no
direção das placas dentígeras faringeanas, ao mesmo tempo em que tentaram
desarticular os acúleos laterais (ferrões) do armau.
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O armau “entalado”
na garganta do jaú, ambos com ferimentos e sangramento resultante de uma longa
luta
.Quando em contato com as placas dentígeras faringeanas, a
cabeça do armau foi pressionada para dentro do esôfago/estômago do jaú em
movimentos sucessivos, como se sofresse a ação de quatro rolos compressores e
sugadores. O jaú não conseguiu desarticular com seus arcos branquiais os
acúleos laterais do armau. Este travou seus ferrões que ficaram cravados nos
arcos branquiais do predador. O jaú tem um processo de limpeza do estômago
chamado pelos pescadores profissionais de “lavar o bucho”. Significa que ele,
literalmente, vira o estômago para fora, primeiro contraindo a válvula
pilórica, em seguida protraindo a parede interna do esôfago/estômago para a
cavidade buco-faríngea, através de um complexo processo de contrações
musculares.
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As placas dentígeras
faringeanas pressionam o armau para dentro do esôfago/estômago do jaú. Logo
abaixo, verificar parte do ferrão da presa cravada na cavidade buço-faríngea
(seta)
.Retornam, então, à cavidade bucal os espinhos e
substâncias não digeridas. Em seguida – pelo que pareceu a primeira observação
-, ele reverte o fluxo de água de mecanismo de recuperação. A água passa a
entrar pelos opérculos e a sair da boca, formando um fluxo que carrega para
fora resíduos que se encontram na cavidade bucal faringeana. No caso do armau
não deglutido, o jaú tentou, através de seus recursos fisiológicos disponíveis,
expelir a incomoda presa, não o conseguindo.
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Montagem
realizada pelos limpadores do Hotel Americano para se ter a noção de como os
ferrões travados do armau se posicionaram em relação aos arcos branquiais do
jaú.
Desta forma a vesícula gasosa, um órgão hidrostático que se
comunica com o esôfago através de um ducto pneumático, começou a se dilatar,
pois a cabeça do armau bloqueou a saída do ar, comprometendo sua regulagem.
Neste ponto, talvez o aumento do volume de gases dentro da bexiga natatória,
associado à dificuldade de respiração causada pela permanência do armau na
cavidade buco-faríngea, modificando a pressão interna, tivesse feito com que o
jaú perdesse a estabilidade no fundo do rio e fosse subindo à tona
gradativamente. Cansado e sem defesas, foi atacado por piranhas (da maneira que
descrevemos anteriormente e como pode ser visto nas fotos).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VE – Vesícula
gasosa; duco pneumático; E – estômago;C – cabeça (parte inferior); O –
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Revista Aruanã - Ed:22 publicada em 06/1991
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