quarta-feira, 12 de junho de 2019

AS CHUVAS NO PANTANAL - CICLO DA VIDA E DA MORTE





Fotos: Agência Estado


Em toda a região norte e centro-oeste, as chuvas torrenciais são uma constante. O nível das águas começa a subir assustadoramente e as enchentes são inevitáveis. Alguns rios sujam suas águas, outros não, mas por certo a ciclo das cheias já começou. Com as cheias a vida se renova. E a morte também. Verifique.





As cheias 

Já mostramos em diversas ocasiões que as cheias do Pantanal é que irão determinar qual será a melhor época para se pescar ano a ano. Por certo este ano não será diferente. Por exemplo, já temos notícia de que na região norte do Pantanal os rios já estão subindo seus níveis e muitos campos já estão ficando alegados. Onde antes existiam lagoas, baías e corixos secos, hoje são uma água só. As águas das cheias não são mais rios e sim verdadeiros mares, transpondo margens e praias. Quando dizemos que é o ciclo da vida a se renovar, temos por motivo principal saber que os alevinos que ficaram nessas lagoas poderão agora ganhar as águas dos rios para a continuação das espécies. Evidente está também que se nas águas dos rios está a vida para os alevinos, está também a morte em várias formas e todas elas tem na figura do homem seu carrasco principal. Hoje sabemos que os desmatamentos estão assoreando as margens dos rios e as enxurradas levam toneladas de terra e areia, fazendo com que os cais fiquem rasos e praticamente impeçam a passagem dos cardumes. Os garimpos levam o mercúrio e lentamente vão envenenando peixes e por continuação o próprio homem. 

O “ciclo” 

Serviços de dragas secam baías que antes eram criadouros naturais de peixes. Esgotos de cidades e construções ribeirinhas, e entre essas estão os próprios pesqueiros, são jogados diretamente no rio. Lixo doméstico e industrial tem como destino final as águas de todos nossos rios. A imbecilidade é tanta que durante vários anos vamos matando lentamente um rio e depois, só depois dele completamente morto e extinto, começam campanhas para salvar esse mesmo rio, e agora em caráter de urgência, como se isso fosse uma virtude do próprio homem, que se mobiliza com todas as informações e campanhas para salvar o que ele mesmo destruiu. Poderia ser diferente, mas se essa é a história do Brasil, se esse é o curso natural das coisas em nosso país, pelo menos vale a tentativa. Vamos salvar o que nós mesmos matamos. Mas, quem frequenta o Pantanal já ouviu falar que no período das cheias mais uma ameaça paira sobre a vida dos peixes pantaneiros. De repente, como se fosse uma sombra as morte, toneladas e mais toneladas de peixes começam a aparecer boiando, ainda vivos, mas com características diferentes de seu procedimento normal. Indistintamente as espécies vem à superfície como se estivessem tontos. Descem aos cardumes, misturando espécies, ao sabor da correnteza, fazendo volteios e a respirar na superfície, como se lhe faltasse oxigênio.


Mortandade 

Essa procissão macabra se estende por algum tempo para finalmente morrerem. Seus corpos vão ficando pelas margens, empesteando o ar com o cheiro podre de seus corpos em decomposição. Aos urubus, está completo o festim. Por várias vezes de velhos pantaneiros que isso é resultado da “decoada”. Nome estranho, mas nem por isso menos mortal aos peixes do Pantanal. Pesquisando, chegamos a algumas conclusões, que se não são verdadeiras, pelo menos nos dão indícios seguros de serem o principal motivo, já que cientificamente ninguém ainda explicou ou se incomodou a explicar as causas da tal decoada. Certa vez, ouvindo a conversa de duas mulheres pantaneiras, conseguimos ouvir que elas estariam precisando de sabão para lavar as roupas e que iriam fazer uma “decoada” para produzir o sabão. Perguntadas, nos contaram que a decoada, uma espécie de soda cáustica, era conseguida através de uma fogueira, principalmente do carandá, coqueiro esse muito comum no Pantanal, de onde, das cinzas dessa fogueira iriam obter a soda. O processo era bem simples. Colocavam as cinzas em uma peneira e sobre estas jogavam água em pequenas porções. 

As chuvas 

A passagem da água pelas cinzas filtrava então gotas de cristais – a tal soda na fabricação de sabão. E mais um fato vinha comprovar a nossa tese. No verão é muito comum e erradamente, fazerem, queimadas nos pastos, pois segundo eles “o capim brota mais rápido”. Nessas queimadas, evidente que não queima só o capim, mas também várias árvores. As cinzas ficam depositadas no solo, até as primeiras chuvas. Quando isso acontece formam lagoas pelos pastos, Com a lavagem das cinzas essas lagoas ficam com a água esverdeada e as primeiras vítimas são os sapos e rãs e outros animais aquáticos quer morrem rapidamente, não sem antes ficarem vagando como se estivessem bêbados, pelas água. O próprio gado se beber a água dessas lagoas tem desinteria e se não cuidado vai a morte. Pois bem, com as chuvas contínuas a tendência das lagoas é ir para os rios, por intermédio dos corixos. E, a mortandade dos peixes do Pantanal, por ocasião da decoada, acontece sempre em corixos e rios menores. Após o envenenamento, os peixes descem ao sabor da correnteza para os rios maiores. Isto é somente uma teoria que nossa prática de Pantanal nos dá indícios de ser verdadeira, até prova em contrário. Da teoria, podemos passar à prática, pois em qualquer bom dicionário encontramos a explicação para a palavra decoada.

Várias espécies de peixes  

Diz o texto: “decoada – lixívia – ação de coar lixívia”. Procurando então na palavra lixívia, encontramos: “lixívia – água impregnada de cinza, com que se lava a roupa; barrela”. Se ainda houvesse dúvida que a decoada pantaneira se origina das queimadas, podemos então citar um fato verídico que encontramos em nossos arquivos. Em 1973, no rio Mogi Guaçu (SP), a fábrica Champion Celulose deixou vazar de seus depósitos qrande quantidade de lixívia, onde foram mortos centenas de toneladas de peixes. Antes de morrer os peixes vinham à tona parecendo bêbados para finalmente morrer. Diante desses fatos persiste ainda alguma dúvida?  Daí a razão de chamarmos este artigo sobre as chuvas do Pantanal como o grande ciclo da vida e da morte. No ciclo da vida o homem não tem influência alguma, mas no ciclo da morte...
Será então que por todos os motivos, após a morte total do Pantanal, haverá e só assim, uma forte campanha para salvá-lo? Espero que não.
NR: Ao reeditar este artigo aqui no blog da Revista Aruanã e, diante de tantas campanhas e leis idiotas, em minha mente se forma a seguinte pergunta: entre o boi – que pasta o capim novo – e o peixe, qual será mais importante para nós, “seres humanos”?

Revista Aruanã Ed: 27 publicada em 04/1992


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