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Fotos:
Agência Estado
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Em toda a região norte e centro-oeste, as chuvas torrenciais
são uma constante. O nível das águas começa a subir assustadoramente e as enchentes
são inevitáveis. Alguns rios sujam suas águas, outros não, mas por certo a
ciclo das cheias já começou. Com as cheias a vida se renova. E a morte também.
Verifique.
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As cheias
Já mostramos em diversas ocasiões que as cheias do Pantanal é
que irão determinar qual será a melhor época para se pescar ano a ano. Por
certo este ano não será diferente. Por exemplo, já temos notícia de que na
região norte do Pantanal os rios já estão subindo seus níveis e muitos campos
já estão ficando alegados. Onde antes existiam lagoas, baías e corixos secos,
hoje são uma água só. As águas das cheias não são mais rios e sim verdadeiros
mares, transpondo margens e praias. Quando dizemos que é o ciclo da vida a se
renovar, temos por motivo principal saber que os alevinos que ficaram nessas
lagoas poderão agora ganhar as águas dos rios para a continuação das espécies.
Evidente está também que se nas águas dos rios está a vida para os alevinos,
está também a morte em várias formas e todas elas tem na figura do homem seu
carrasco principal. Hoje sabemos que os desmatamentos estão assoreando as
margens dos rios e as enxurradas levam toneladas de terra e areia, fazendo com
que os cais fiquem rasos e praticamente impeçam a passagem dos cardumes. Os
garimpos levam o mercúrio e lentamente vão envenenando peixes e por continuação
o próprio homem.
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O “ciclo”
Serviços de dragas secam baías que antes eram criadouros
naturais de peixes. Esgotos de cidades e construções ribeirinhas, e entre essas
estão os próprios pesqueiros, são jogados diretamente no rio. Lixo doméstico e
industrial tem como destino final as águas de todos nossos rios. A imbecilidade
é tanta que durante vários anos vamos matando lentamente um rio e depois, só
depois dele completamente morto e extinto, começam campanhas para salvar esse
mesmo rio, e agora em caráter de urgência, como se isso fosse uma virtude do
próprio homem, que se mobiliza com todas as informações e campanhas para salvar
o que ele mesmo destruiu. Poderia ser diferente, mas se essa é a história do Brasil,
se esse é o curso natural das coisas em nosso país, pelo menos vale a
tentativa. Vamos salvar o que nós mesmos matamos. Mas, quem frequenta o
Pantanal já ouviu falar que no período das cheias mais uma ameaça paira sobre a
vida dos peixes pantaneiros. De repente, como se fosse uma sombra as morte,
toneladas e mais toneladas de peixes começam a aparecer boiando, ainda vivos,
mas com características diferentes de seu procedimento normal. Indistintamente
as espécies vem à superfície como se estivessem tontos. Descem aos cardumes,
misturando espécies, ao sabor da correnteza, fazendo volteios e a respirar na
superfície, como se lhe faltasse oxigênio.
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Mortandade
Essa procissão macabra se estende por algum tempo para
finalmente morrerem. Seus corpos vão ficando pelas margens, empesteando o ar
com o cheiro podre de seus corpos em decomposição. Aos urubus, está completo o
festim. Por várias vezes de velhos pantaneiros que isso é resultado da
“decoada”. Nome estranho, mas nem por isso menos mortal aos peixes do Pantanal.
Pesquisando, chegamos a algumas conclusões, que se não são verdadeiras, pelo
menos nos dão indícios seguros de serem o principal motivo, já que
cientificamente ninguém ainda explicou ou se incomodou a explicar as causas da
tal decoada. Certa vez, ouvindo a conversa de duas mulheres pantaneiras,
conseguimos ouvir que elas estariam precisando de sabão para lavar as roupas e
que iriam fazer uma “decoada” para produzir o sabão. Perguntadas, nos contaram
que a decoada, uma espécie de soda cáustica, era conseguida através de uma
fogueira, principalmente do carandá, coqueiro esse muito comum no Pantanal, de
onde, das cinzas dessa fogueira iriam obter a soda. O processo era bem simples.
Colocavam as cinzas em uma peneira e sobre estas jogavam água em pequenas
porções.
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As chuvas
A passagem da água pelas cinzas filtrava então gotas de
cristais – a tal soda na fabricação de sabão. E mais um fato vinha comprovar a
nossa tese. No verão é muito comum e erradamente, fazerem, queimadas nos
pastos, pois segundo eles “o capim brota mais rápido”. Nessas queimadas,
evidente que não queima só o capim, mas também várias árvores. As cinzas ficam
depositadas no solo, até as primeiras chuvas. Quando isso acontece formam
lagoas pelos pastos, Com a lavagem das cinzas essas lagoas ficam com a água
esverdeada e as primeiras vítimas são os sapos e rãs e outros animais aquáticos
quer morrem rapidamente, não sem antes ficarem vagando como se estivessem
bêbados, pelas água. O próprio gado se beber a água dessas lagoas tem
desinteria e se não cuidado vai a morte. Pois bem, com as chuvas contínuas a
tendência das lagoas é ir para os rios, por intermédio dos corixos. E, a
mortandade dos peixes do Pantanal, por ocasião da decoada, acontece sempre em corixos
e rios menores. Após o envenenamento, os peixes descem ao sabor da correnteza
para os rios maiores. Isto é somente uma teoria que nossa prática de Pantanal
nos dá indícios de ser verdadeira, até prova em contrário. Da teoria, podemos
passar à prática, pois em qualquer bom dicionário encontramos a explicação para
a palavra decoada.
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Várias
espécies de peixes
Diz o texto: “decoada
– lixívia – ação de coar lixívia”. Procurando então na palavra lixívia,
encontramos: “lixívia – água impregnada de cinza, com que se lava a roupa;
barrela”. Se ainda houvesse dúvida que a decoada pantaneira se origina das
queimadas, podemos então citar um fato verídico que encontramos em nossos
arquivos. Em 1973, no rio Mogi Guaçu (SP), a fábrica Champion Celulose deixou
vazar de seus depósitos qrande quantidade de lixívia, onde foram
mortos centenas de toneladas de peixes. Antes de morrer os peixes vinham à tona
parecendo bêbados para finalmente morrer. Diante desses fatos persiste ainda
alguma dúvida? Daí a razão de chamarmos
este artigo sobre as chuvas do Pantanal como o grande ciclo da vida e da morte.
No ciclo da vida o homem não tem influência alguma, mas no ciclo da morte...
Será então que por todos os motivos, após a morte total do
Pantanal, haverá e só assim, uma forte campanha para salvá-lo? Espero que não.
NR: Ao reeditar este artigo aqui no blog da Revista
Aruanã e, diante de tantas campanhas e leis idiotas, em minha mente se forma a
seguinte pergunta: entre o boi – que pasta o capim novo – e o peixe, qual será
mais importante para nós, “seres humanos”?
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Revista
Aruanã Ed: 27 publicada em 04/1992
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