M.P. de Godoy, biólogo
e pesquisador, além de manter o Museu de História de Pirassununga (SP), há
vários anos faz pesquisas ictiológicas e vem trabalhando para a implantação de
escadas para peixes. Veja o que ele diz a respeito.
O QUE ACONTECEU NO BRASIL
Desde 1911 temos escadas de
peixes no Brasil, como a de Itaipava, no Rio Pardo, entre os municípios de
Santa Rosa de Viterbo e de Cajuru, no Estado de São Paulo e a partir de 1920,
no Rio Mogi-Guaçu, em Cachoeira das Emas (Pirassununga-SP). A atual escada de
peixes de cachoeira das Emas (a terceira construída no local), neste 1992
completa 50 anos de existência e quando operada eficientemente permite a
passagem normal e fácil dos peixes de piracema. A partir de 1927 a antiga
Light&Power, de São Paulo, começou a se preocupar com o problema de peixes
migratórios. Naquela época a Light começou a construir as primeiras grandes barragens
e com alturas superiores a 10m. No Estado de São Paulo, visando a conservação
dos peixes migradores, havia a Lei nº2.250 de 28/12/1927 e no seu artigo 16,
estabelecia o seguinte: “Todos quantos, para qualquer fim, represarem as águas
dos rios, ribeirões e córregos, são obrigados a construir escadas que permitam
a livre subida dos peixes”. Na esfera federal, pelo Decreto nº24.643, de
10/7/1934, através de seu “Código de Águas”, ficou assim recomendado: “Art. 143
– Em todos os aproveitamentos de energia hidráulica serão satisfeitas as
exigências acauteladores dos interesses gerais. (f) – da conservação e livre
circulação do peixe”. Pelo Decreto-lei
nº794, de 19/10/1938 (Primeiro Código de Pesca), ficou estabelecido: “Art. 68 –
As represas dos rios ribeirões e córregos devem ter, como complemento
obrigatório, obras que permitam a conservação da fauna fluvial, seja
facilitando a passagem dos peixes, sejam instalando estações de piscicultura”.
Posteriormente, ainda tratando da questão dos peixes e dos reservatórios, na
área federal, foram assinados os
novos regulamentos: Decreto-lei nº 221, de 28/2/1967, a Lei Delegada nº 10, de
11/10/1962 e a Portaria N-0001/77, de 04//; 01/1977, da antiga SUDEPE.
“Em
1927 a Secretaria da Agricultura de São Paulo e a Light&Power, com a
intenção de resolver a questão dos peixes migradores e as barragens, mandaram
buscar nos Estados Unidos um técnico”, Mr. Brunson, que lá era piscicultor e
não entendia nada da biologia dos peixes de piracema. Depois de um tempo entre
nós, Mr. Brunson deixou um documento que diz, resumidamente: “nos Estados
Unidos eram construídas escadas, em barragens, para peixes migradores
anádromos, como o salmão (vive no mar e desova em água doce)”. Como os nossos
peixes de piracema só migravam dentro de rios (não eram anádromos; eram
potomódromos) não precisavam de escadas. Outra maravilha do Mr.Bruson: “que os
peixes brasileiros migradores, não tem capacidade de ultrapassar escadas em barragens acima de
8 metros de altura”. A desgraça de tais afirmações, em prejuízo dos peixes
brasileiros, foi que o Dr. Rodolpho Von Ihering, considerado o “pai da
piscicultura brasileira”, avalizou as declarações de Mr.Bruson. Ademais, como a
Light estava construindo barragens com mais de 10 metros de altura... resultou
que as declarações de Mr.Bruson “autorizaram a Light para se desobrigar de
construir passagens de peixes. E tal posição, contra escadas de peixes do
Brasil, vigorou fortemente até 1986, com trabalhos publicados pela CESP
(Companhia Energética de São Paulo), que afirma: “as escadas eram onerosas e
anti-biológicas, não sendo eficientes em barragens de altura superiora 6-8
metros” (em Machado ET alii, 1968:2) e mais: “As escadas em barragens com
altura superior a 8 m tornam-se ineficientes, pois são raros os peixes que
conseguem galgar o nível de montante,...” (em Torloni, 1984:5).
Nota
da Redação: tendo em vista o Brasil de hoje, 2020, onde muito se mostra em
corrupção em todos esses setores de construção, podemos citar que há evidentes
indícios de que tudo foi programado para que as escadas de peixes fossem
abolidas nas grandes represas, contando para isso, corromperem “autoridades”
como Mr.Bruson e até altos funcionários da Secretaria da Agricultura e da CESP.
ESCADAS DE PEIXES E OUTRAS FACILIDADES
Europa: 1. Suíça – Na pequena Suíça
foi construída a primeira escada de peixes do mundo, nos limites da cidade de
Bern, sobre o Rio Aar, vencendo um desnível de um pouco mais de 2 metros de
altura e no ano de 1640. Esta escada funciona até hoje! Atualmente, a Suíça
possui 50 escadas de peixes em operação, para peixes migradores.
2. França – A França começou a
construir escadas para peixes antes de 1789. Conforme Gobim e Guenaux
(1907:189) em Pontgibaud, sobre o Rio Sioule, em 1789, foram contados 1.200
salmões que subiam através da escada. Em 1981 obtive do Dr. J.Bard,
especialista Francês em peixes, pesca e piscicultura, a seguinte informação: “Infelizmente
não posso lhe dar uma resposta muito interessante, pois a poluição crescente
praticamente expulsou as espécies migratórias e particularmente o salmão de
nossos rios”.
3. Noruega – A Noruega é o país
europeu com maior experiência em escadas e outras facilidades para a subida de
peixes. A primeira escada foi construída em 1870, no Rio Gaular, no sudoeste do
país. A segunda escada para peixes (salmões) foi construída no Rio Sire, que deságua
no Mar do Norte e, inteiramente, de madeira, no ano de 1880-81 e o desnível vencido
foi de 27,2m, de um salto natural. Segundo informações do “Direktoratel for
Vilt og Ferskannsfish” de Trondheim, Noruega, estão operando no país340 escadas
de peixes.
4. Antiga União Soviética –
Muitas passagens de peixes foram construídas na antiga União Soviética e sobre tais
assuntos há uma publicação de 1967, com o título “Rybopropusknye sooruzheniya
Sovestskogo Soyuza” (Passagens de peixes em Hidro Projetos da URSSR).
Na antiga União Soviética foram
construídas passagens de peixes em declives, em escadas em degraus-tanques,
através de elevadores e barcaças. Para projetos com barragens até 30m de
altura, os russos utilizaram as escadas de peixes; acima dessa altura,
utilizavam elevadores e barcaças, quando há eclusas de navegação operando. No
Rio Volga foram construídas 8 grandes barragens para aproveitamento
hidroelétrico, ao longo de seus 2.700km de extensão e as barragens foram
providas de escadas de peixes e elevadores.
5. Portugal - Mencionamos
Portugal pela singularidade: Conforme informação do técnico português, Dr.
Mario Silveira da Costa. Quando à pergunta se em Portugal havia escadas de
peixes, respondeu: “Por cá não existem estas “benesses” para os peixes, motivo
por que não lhe posso mandar o que deseja”. E daí, mais uma razão porque no
Brasil se descuida das “benesses” (escadas) para nossos peixes. (Na pátria-mãe,
Portugal, não há tais preocupações).
Ásia: 6. Japão – O Japão possui um
pouco mais de 2.000 reservatórios, sua área territorial se aproxima de 1/10 da
do Brasil e tem uma população de cerca de 130 milhões de habitantes. Qualquer
recurso natural, auto-renovável, como os peixes, é estudado e merece dos
japoneses os cuidados para sua conservação. Lá as passagens de peixes são
construídas em várias formas de facilidades e em alturas cujas barragens chegam
a 20m. (país sujeito a terremotos).
7. Iraque – O Iraque, onde está
o histórico Rio Eufrates, berço da civilização neolítica há 6.000 anos, com
seus 1.213km de comprimento, possui 43 espécies de peixes fluviais, migradores
e alguns de bom tamanho.
Fig.6 – Escada de peixes – barragem do Açude “Poço do Barro”, Morada Nova, Estado do Ceará. Dados Gerais: desnível da escada: 15,0m; comprimento total da escada: 162,5m. Foto: março/1994. |
Chegando a medir até 2.0m de comprimento e a
pesar 100kg, como é o caso do “bizz”. Na atualidade, o Rio Eufrates possui 4
escadas de peixes em operação. Em 1982, por solicitação da Themag Engenharia,
de São Paulo, colaboramos na elaboração de um projeto de escada de peixes
visando uma concorrência internacional, para a barragem de Nova Hindiya, Rio
Eufrates, com uma altura de 8m.
América do Norte: 8. Estados
Unidos - Conforme memorando que recebemos do U.S. Fish and Wildlife Service, só
na área federal, existem, 100 escadas ou passagens de peixes operando e há mais
150 novas escadas ou passagens em projetos adicionais. Nos Estados Unidos são
construídas escadas de peixes para barragens até 60m de altura; para altura
maiores são utilizadas elevadores, barcaças e caminhões-tanques. No Rio
Clackamus, no Estado de Oregon, há uma passagem de peixes com 2.720m de
extensão e num desnível de 59,4m, destinada à passagem de salmões migradores do
Pacífico. Em pesquisas de Collins & Elling (1960:8) foi revelado que os
peixes não apresentam uma evidência de fadiga em modelo de escada com declives
de 1:8 e 1:16 e com fluxo normal e atrativo de águas, através dos degraus-tanques
das escadas. Os lactatos de sangue, a mais sensível das medidas bioquímicas,
mostraram um moderado aumento durante a subida e voltaram aos níveis de controle
dentro de uma hora. Em testes realizados e, escadas experimentais, houve
salmões que subiram, durante 5 dias consecutivos e continuamente, através de
6.600 degráus-tanques, com declive de 1:8; um salmão venceu tal altura
ascendente e equivalente a 1 milha (= 1.609,3m)!
Fig. 7 e 8 – Escada de peixes (salmões), construída na
Noruega, em Fiskumfoss, no rio Namsen, centro do país. Vence um desnível de 35
m (o mais alto da Noruega) e seu comprimento total é de 291m, dos quais 200m
estão situados dentro de um túnel, escavado na rocha bruta, No total, possui 77
degraus-tanques. Foto: abril/1982. |
América do Sul: 9. Venezuela – Na
Venezuela a legislação, no que se refere à lei de pesca diz o seguinte: “Las
represas y los diques em general serán construídos em forma que permitam em
paso de los peces mediante escalas com inclinación de cuarenta e cinco grados”.
10. Argentina – Na Argentina, a lei
sobre peixes e pesca, obrigatoriamente exige que as barragens tenham passagem
de peixes. Somente para citar o Rio Paraná, onde estão sendo desenvolvidos grandes
projetos de hidroelétricos , como de Corpus, de Yaciretá-Apipe e Cahapetón, há
projetos de duas escadas de peixes e outros procedimentos de passagem, para
cada barragem citada, as quais terão entre 25 e 38m de altura.
No Brasil, país com mais de 8
milhões de quilômetros quadrados, com imensas redes hidrográficas, com a
presença de mais de 1.500 espécies de peixes continentais, muitos dos quais são
de piracema, não se deu a devida atenção aos nossos peixes e à sua permanência nos
rios. Temos apenas 36 escadas de peixes, das quais 23 estão situadas nas áreas
de açudes do Nordeste, onde os rios são perenes! A Eletrobrás, para seu projeto
2010, de eletrificação para o país, projetou muitas barragens para a Amazônia,
onde o peixe tem uma importância geral considerável; em nenhuma dos tais
projetos a Eletrobrás se preocupou com o meio ambiente, na amplitude necessária;
não se preocupou com os peixes migradores amazônicos e, muito menos com
qualquer forma de passagem, através de futuras barragens. E tudo isto numa
época de nova valorização do meio ambiente, com a significação da
biodiversidade, considerando, adicionalmente, os resultados da ECO-92, quando
foi declarado que cada ser vivo do planta ou animal não é somente um bem local,
mas um patrimônio da humanidade!
Revista Aruanã Ed:31 Publicada em
12/1992
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