terça-feira, 21 de abril de 2020

ROTEIRO - LULA EM CARAGUATATUBA











Na opinião de alguns pescadores, a pescaria de lulas não chega a ser uma pescaria, já que esse molusco não briga quando fisgado. Porém, conhecendo melhor a lula, vamos descobrir fatos bastante interessantes. Confira.

Costão oeste da Ilha Vitória, no litoral da praia de Caraguatatuba (São Sebastião-SP)
Ao ouvir falar em lula, a maioria dos pescadores tem pouca coisa a dizer, e o mais comum é fazer graça referindo-se àquela conhecida figura do mundo político. Portanto, é inevitável que durante a espera da fisgada desse molusco, várias piadas se apresentem, já que enquanto não acontece a ação da pescaria, pouca coisa melhor tem-se a fazer do que ficar jogando conversa fora. No entanto, ao pesquisarmos a lula, os vários aspectos que se apresentam são bastante interessantes. Vejamos: são cefalópodes pertencentes à família dos Loligenídeos. As espécies mais frequentes em nosso litoral são duas: Loligo brasilienses e loliguncula brevis. Recebem também o nome vulgar de calamares que, em italiano, de calamaio, significa tinteiro. 

A siba ou “pena” interna da lula. (Ilustração: Rodolpho Von Ihering)
Aí está, portanto, a primeira curiosidade, já que o nome “tinteiro” com certeza se dá devido ao fato de que as lulas, a exemplo de outros de sua família, como os polvos, expelem uma substância escura parecida com tinta, para sua proteção. E tem mais: em seu corpo há uma parte. Vulgarmente chamada de siba, muito parecida em seu formato com uma pena de galinha. Daí dizer-se que a lula “já vem com tinta e pena para escrever”. Devo confessar que essa foi a primeira vez que fiz esse tipo de pescaria e, quando a primeira lula foi fisgada, fiz questão de olhá-la bem, pois assim que saia da água. Ela parece um artefato artificial devido a seu formato, cor e características. Senti-me como uma criança quando pega um novo e desconhecido brinquedo nas mãos. 

Lulas
Mas vamos começar falando da pescaria em si. A isca, artificial, nada mais é do que um corpo redondo e fino, mais parecendo um giz de escrever. É feita de chumbo e tem uma linha branca enrolada em toda a sua extensão, que é de aproximadamente 10 centímetros. Na parte de cima há uma argola onde é amarrada a linha e na parte de baixo, com formato de guarda-chuva, há várias pontas semelhantes a anzóis, que diferem destes por não terem fisgas. Essas pontas, feitas de arame de aço fino, podem ser em número de 6 ou 8 e sua função é fisgar a lula. Os pesqueiros de lula devem obrigatoriamente estar localizados em chão de fundo de areia. Se houver pedras ou lodo, com certeza não haverá lulas.  

Pesqueiro de lulas
Em Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo, que foi onde fizemos esta matéria, os pesqueiros mais conhecidos são a Ilha Vitória, a Ilha de Búzios e três ou quatro locais na parte norte da Ilha Bela. Esta é uma pescaria que só pode ser feita embarcada, e a profundidade pode variar, pois é possível fisgar lulas em profundidade de até 30 metros. Na matéria estávamos pescando a uma profundidade de 10 metros, na Ilha Vitória. Como é uma pescaria simples, usa-se linhas de mão e pode-se usar várias linhas ao mesmo tempo, pois quando estamos em cima de um cardume (elas andam sempre assim), a produtividade é enorme. Dá-se o lance, deixando a ir até o fundo. 

Isca utilizada na pesca de lula  
Quando percebemos a batida no fundo, suspendemos a isca cerca de um metro.  Essa é a primeira opção. No entanto, ao longo da pescaria, é muito comum pesquisar-se outras profundidades, pois o cardume costuma se movimentar muito no decorrer do dia. Para quem nunca havia feito esse tipo de pescaria, tudo era novidade e, alertado pelos companheiros, fiquei sabendo que a lula não “belisca” a isca. Quando muito, causa um pequeno peso a mais, dependendo muito da sensibilidade do pescador para perceber essa diferença. De imediato, começamos a comparar essa pescaria à do black-bass com minhoca artificial, já que nessa modalidade o toque é também bem sutil. 

Grandes exemplares
Nós estávamos em cinco pescadores no barco, porém a quantidade de pessoas não atrapalha, já que desce-se a linha rente à boda da embarcação e pesca-se no fundo. Vez por outra, deve-se balançar a isca artificial, subindo e descendo, para atrair as lulas. A primeira lula que fisgamos foi dessa maneira. Subindo e descendo a linha, percebemos que o peso da isca havia mudado. Demos então um puxão mais forte (para fisgar) e recolhemos a isca sem dar folga alguma, pois as hastes de metal não têm fisga e, se afrouxarmos a linha, ela escapará. Recolhemos rapidamente e, assim que a lula chegou à superfície, uma nova curiosidade: ela jogava jatos de água para cima, jatos esses, jatos esses que chegavam até dois metros de altura. 

A seta indica o “reservatório de tinta” da lula


Dentro do barco, ela sai fácil dos “anzóis” e nesse ponto é preciso tomar cuidado: se a lula continuar a ser incomodada, ela lança um jato de “tinta preta” a fim de se defender, o qual, apesar da suleira que provoca no barco e nas roupas, felizmente não causa nenhum problema ao pescador. Outra curiosidade é quanto à coloração desta espécie. Assim que sai da água, sua cor é de um bege claro. Porém, quando colocada em local seco, rapidamente começam a se formar algumas pequenas pintas vermelho-amarronzadas que, segundo depois, já tomaram todo o seu corpo. Colocadas na geladeira, as lulas perdem essa coloração, voltando então a apresentar tons claros, onde predomina o branco. 
Ilha Vitória em São Sebastião-SP 
Ao segurar a primeira lula na mão, mais do que nunca tem-se a impressão de ser ela algo artificial, tal é a forma de seu corpo. Dentro de um cilindro sai de sua cabeça, com grandes olhos, oito tentáculos pequenos e duas hastes maiores. O tão também é todo especial, dando mais uma vez a sensação de artificialidade, apesar de ser um organismo vivo. Tudo isso é bastante interessante ao neófito pescador de lulas. Segundo nossos companheiros, em um bom dia consegue-se pagar facilmente 20 ou 30 quilos de lulas. Em nossa pescaria o dia não estava propício, mas mesmo assim fisgamos cerca de 20 lulas. Algumas até consideradas grandes, atingindo perto de 30 centímetros de comprimento. 


Os remansos são ótimos pesqueiros
A melhor época para esse tipo de pesca pode variar de ano para ano, começa em novembro, podendo se alongar até março ou abril/maio. No que se refere a horários, segundo os pescadores, a parte da manhã, bem cedo, será sempre melhor, até mais ou menos dez horas. Depois, o horário apropriado será do fim da tarde até o escurecer. E mais uma vez a história se repete quando consideramos que, em matéria de pesca, estamos sempre aprendendo. Aprendemos agora a pescar lulas graças aos companheiros Bira, Luís Pardini, Pedro e Nelson de Mello. Agradecemos também à Eliana e ao Dirceu, do Jundu Hotel, muito bons pescadores de lula lá em Caraguatatuba. Finalizando, diríamos que embora não sendo essa pescaria uma das modalidades mais emocionantes, na mesa o sabor das lulas é sensacional (veja a seguir uma receita excelente). Boa pescaria e bom apetite.



Revista Aruanã Ed:55 publicada em 02/1997

4 comentários:

  1. Muito boa matéria. Eu fisgava umas na Ilha Bela, no pier do Iate Club. Abraços.

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    1. Obrigado "anônimo" rs. Só o Face não gostou muito já que sua I.A. demorou 13 dias para saber que a lula que estava na matéria, era o molusco e não o político. E chamada de Inteligência Artificial, se mostra burra, não por culpa dela, mas sim por quem a manipula. Valeu. Abraço

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    2. Valeu amigo. Abraços. J.A.Gomes

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    3. Obrigado J.A.Gomes. Como anônimo, você é o amigo mais conhecido que tenho. Grande abraço parceiro de pescarias. Valeu Zé.

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