Provavelmente,
essa prevenção que se instalou entre nós contra as corujas tem origem
folclórica, já que estas aves de rapina levam uma vida de certa forma
misteriosa, com seu vôo silencioso e vista afeita à escuridão. Geralmente, os
animais que apresentam hábitos associados à noite e as trevas acabam por
constituir, ao longo da história, farto material para fomentar lendas e crendices
populares, que neste caso específico não traduzem a verdade, haja visto que se
trata de uma ave completamente inofensiva para o homem, merecendo por parte
deste toda a proteção que tem direito, a despeito da ignorância popular que
insiste em atribuir poderes sobrenaturais aos animais que lhe pareça estranho.
Entre as espécies mais conhecidas no Brasil, podemos citar a coruja do campo,
também classificada como coruja-buraqueira ou caburé-do-campo. Ave da família
dos Estrigídeos, recebe a denominação
científica de Speotito cunicularia
grallaria, e mede aproximadamente 22 centímetros de comprimento da cabeça à
cauda. O lado dorsal é pardo cinzento, com grandes manchas avermelhadas transversais.
Nas asas e na cauda nota-se grandes manchas alvacentas, transversais, sendo que
a região da garganta apresenta coloração esbranquiçada. É espécie muito comum
em nossos campos, onde faz seu ninho no chão, num buraco, que ela forra com
excremento seco de bovinos. Esses ninhos, que às vezes são buracos de tatu
abandonados, que as corujas costumam aproveitar, e mesmo os que são cavados por
elas mesmas, formam túneis subterrâneos com alguns metros de extensão. Lá as
corujas habitam o ano todo, mesmo depois de terem criado sua prole. Apesar de
todas as espécies possuírem visão noturna privilegiada e pertencerem à mesma
família, há que se citar a única exceção, também ela muito conhecida: os
caburés, que são corujas de hábitos diurnos, enxergando muito bem à luz do sol.
A espécie mais vulgar no Brasil é designada cientificamente como Glaucidiun brasilianum, e mede apenas
13 centímetros de comprimento. A cor em cima é bruna, com manchas claras,
amareladas e brancas. O lado central é claro com estrias longitudinais, e a
cauda, quase preta, tem manchas brancas. Apesar de serem os pigmeus da família,
os caburés são caçadores valentes. Diferentemente da coruja do campo, essa
espécie evita a mata e mesmo as capoeiras, sendo que só nos espaços abertos
sente-se à vontade. Sentada diante da entrada do ninho, pousada sobre um cupinzeiro
ou mesmo nos mourões de cercas de sítios e fazendas onde haja a criação de
bovinos, esta coruja não foge à aproximação humana e, se for preciso, gira a
cabeça até descrever meia-volta completa para assim, comodamente, observar e
analisar o que se passa ao seu redor. Só em ultimo caso é que, interpretando um
movimento qualquer como uma possível ameaça, ela levanta vôo, gritando um “qui-qui-quiiiii”
(com a ultima sílaba bem prolongada e um pouco modulada) e, seguindo quase
rente ao chão, percorre aproximadamente uns 20 ou 30 metros a partir do local
onde estava para então pousar de novo. Sua alimentação constituísse ocasionalmente
de pequenos roedores, e mais frequentemente de insetos como lagartas,
gafanhotos, besouros e escaravelhos, que pega no vôo, com extrema agilidade.
Essa coruja, além de enxergar bem à luz do dia, é capaz também de enxergar no
escuro como as outras espécies de sua família. Assim, durante a temporada de
procriação, o casal trabalha dia e noite para dar de comer à prole numerosa,
que pode chegar a até sete filhotes em uma só postura. Voltando ao fato da
injusta fama negativa atribuída às corujas, reproduziremos aqui um pequeno
trecho de um texto a respeito destas aves escrito pelo grande naturalista
Eurico Santos publicado em sua obra História,
Lendas e Folclore de nossos Bichos, de 1957. “As histórias de coruja dão
bem a idéia das superstições no folclore. Há, entre estas aves de hábitos
noturnos, um corujão chamado de murucutu a que se prendem certas cantigas de
embalar crianças. Para a gente pouco esclarecida, são tais aves agourentas cujo
grito ‘crre, crre’, se assemelha ao rasgar de um pano, julgam que se trate de
um vaticínio de morte. Dão a esta coruja o nome significativo de ‘rasga-mortalha’,
(...) Seu abençoado apetite as leva a devorar uma multidão de animais nocivos,
entre eles ratos, morcegos e insetos, mas apesar disso são mal vistas pelo povo
que aqui entre nós apenas repete velhas superstições vindas da Europa na
bagagem mental dos primeiros imigrantes”.
Bibliografia consultada: Dicionário dos Animais do Brasil Rodolpho Von Ihering
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