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Fica
difícil descrever a jatuarana cientificamente, pois não existe um estudo
aprofundado sobre tal peixe. Em alguns livros, ela é descrita como Hemiodus
microcephalus e pertencente à
família dos Caracideos. No entanto, para que o leitor possa entender, em
alguns lugares o ribeirinho também a chama de “matrinchão”. Temos a esclarecer
que, apesar da aparência, “quase igual”, são peixes de famílias completamente
diferentes. Enquanto as matrinchãs são mais prateadas e menores, a jatuarana
tem um colorido de amarelo ouro, com uma mancha na cor preta que lhe pega parte
do rabo e nadadeira anal. Seus dentes também são diferentes dos da matrinchã, pois
apresentam uma serrilha muito parecida com a do dourado do Pantanal.
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Os hábitos da jatuarana são muito parecidos com os da
matrinchã, pois prefere rios que tenham correnteza e corredeiras de pedras. Sua
alimentação é composta principalmente de frutas e pequenos peixes, dando uma
notória preferência nestes últimos a pequenos cascudinhos, o que não deixa de
ser natural e serve como dica, pois as corredeiras de pedras são o habitat
natural destes pequenos e cascudos peixinhos. Já havia um bom tempo que
ouvíamos falar do rio Pau Cerne, que é um afluente do rio Guaporé, nas imediações
da cidade de Pimenteiras, no estado de Rondônia. Haviam nos dito que esse rio
tinha boas corredeiras e uma cachoeira muito bonita.
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Como a fruta só cai quando está madura, finalmente se
apresentou a oportunidade para que a equipe Aruanã pudesse testar a piscosidade
de tal rio. Eram 04:30h da manhã quando iniciamos a viagem até o Pau Cerne. Rio
normal, com a vegetação maciça, característica da Bacia Amazônica, nem de longe
demostra àquele que em suas águas navega, a beleza que irá encontrar alguns
quilômetros à frente. Por várias vezes tem-se que diminuir a velocidade, pois
várias árvores estão caídas em seu leito, e demonstram claramente serem
excelentes pesqueiros para outras espécies de peixes. Mas nossa determinação
eram as jatuaranas. No percurso da subida do rio, vimos muitos animais, como
antas, jacarés e pacas. No céu, muitos pássaros voavam livremente, e quase não
se assustavam com nossa presença.
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Bandos de araras azuis faziam uma ruidosa manifestação
diante de nós. Após mais ou menos três horas desde a saída do pesqueiro, por
entre a mata, divisamos uma elevação típica de morro, a demonstrar que, se
houvesse uma cachoeira, não estávamos longe. Como de repente, após uma curva,
avistamos a primeira corredeira, com a altura de mais ou menos 1 metro.
Encostamos devagar e sem ruído à sua margem direita e conseguimos ver que o
local era todo de pedras, a maioria delas estando ainda submersas. Com cuidado
descemos do barco e pelas pedras fomos andando até bem próximo à corredeira,
que tinha mais ou menos 60 metros de largura, ocupando quase toda a largura do
rio.
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Nosso equipamento era composto de vara Fenwick modelo
Eagle Two, carretilha Royal Ambassadeur e linha 0.30mm. Como isca artificial,
usávamos um spinner de nossa própria fabricação e com um só anzol. Começamos a
dar nossos lances no local mais óbvio, ou seja, no meio da corredeira e
praticando o sistema de corrico. Após mais ou menos uns trinta lances, a triste
constatação de que não havia jatuaranas ali, ou então de que elas não estavam
comendo. Na ultima hipótese, era difícil de acreditar, pois pela nossa
experiência, podemos afirmar que o spinner é a melhor isca para esse tipo de
peixe e mesmo para as piraputangas, matrinchãs, piracanjubas, etc. O piloteiro
do Cabanas do Guaporé nos disse que a cachoeira estava mais ou menos 1
quilômetro rio acima. Resolvemos ir até lá.
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Seguindo uma trilha por dentro da mata ribeirinha,
fomos andando pela margem do rio, parando de vez em quando para observar a
corredeira que se seguia paralela à nossa trilha e mostrava vez por outra bons
poços de pesca. Finalmente, em uma pequena praia de areia grossa e avermelhada,
saímos da mata e avistamos a cachoeira em sua totalidade. O espetáculo era
maravilhoso, pois a queda tinha mais de 80 metros de altura e se dividia em
três partes. No “pé” da cachoeira havia um lago maravilhoso de águas muito
limpas, onde se conseguia ver o fundo de pedras. Passada a primeira emoção e
após algumas fotografias, voltamos a nos lembrar das jatuaranas, nossa razão
principal de estar ali. Fizemos alguns lances para o meio desse lago e o
resultado foi negativo.
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Após um raciocínio lógico, optamos por ir pelas
pedras, até onde o lago terminava e se afunilando no rio propriamente dito, e
onde começavam as corredeiras. Com muito cuidado, pois estávamos completamente
vestidos, com calça, tênis e camisa, fomos andando por entre as pedras, tendo o
cuidado de não molhar os pés. No lugar escolhido, começamos a dar os lances em
direção à corredeira na esperança de fisgarmos o peixe. Após mais ou menos o
vigésimo lance sem nenhum resultado, optamos por dar os lances na linha que
dividia a corredeira da água mais calma do lago. No primeiro lance fisgamos o peixe. A
princípio, a jatuarana não brigou muito, ficando entre a corredeira e a água
mais calma. Parecia até que era pequena ou uma matrinchã. De repente, o peixe
fisgado começou a vir em nossa direção e sem que esperássemos, pulou mais ou
menos um metro para fora da água e bem na nossa frente.
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Após vermos o tamanho do peixe, o arrependimento por
termos usado um material tão leve já estava em nossa mente. Pois bem, após o
primeiro pulo, essa jatuarana resolveu brigar e já correu corredeira abaixo,
levando mais de 80 metros de linha. A carretilha ia ficando com menos linha.
Foi aí então que o cuidado em não molhar os pés foi por água abaixo e,
literalmente. Sem a menor cerimônia e sendo o peixe o alvo principal, entramos
de roupa e tudo dentro da água, a princípio pelas margens e por cima das pedras
menos submersas. Era um tal de dar um passo e um tombo. Em alguns locais havia
poços mais fundos, onde éramos obrigados a nadar. A jatuarana começou a dar
sinais de cansaço, mais ou menos uns quinhentos metros rio abaixo do local onde
havia sido fisgada.
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Vez por outra
dava um pulo e já começava a brigar novamente e a subir a correnteza. Nós, da
margem, estávamos também bastante cansados e totalmente molhados. Finalmente o
peixe veio mais para a margem e perto de onde havia uma moita de sarã, deu a
primeira parada. O piloteiro, que havia vindo pela margem avistou-a e eu gritei
para que tentasse pegá-la. Ele tentou e ela saiu novamente para o meio da
corredeira, disposta a brigar suas últimas forças. Foram mais alguns minutos de
briga e ela voltou novamente para o mesmo lugar, sendo então segura pelo
piloteiro. Nessa altura da briga, completamente extenuado e vendo o peixe nas
mãos do piloteiro, restou-nos sentar para descansar, o que fizemos sem nos
importar o fato de estarmos com água pela linha da cintura.
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Após algumas respirações profundas, fomos para a
margem e pudemos então pegar aquele valente peixe com nossas próprias mãos.
Nesse momento, só o verdadeiro pescador amador esportista sabe avaliar a emoção
que vai pelo coração. Ali, imóvel diante de mim, um peixe que brigou muito por
sua permanência no rio. De minha parte, um pescador amador que a havia fisgado
com material leve e que de maneira nenhuma poderia aguentar seu peso se não
fosse a experiência, o cuidado e a paciência de trabalhar aquele magnifico
exemplar. O spinner estava quebrado e amassado. Tinha perdido a colher
giratória, mas o anzol tinha aguentado valentemente a briga. A linha, tivemos
que jogar fora mais de 50 metros, pois estava completamente cheia de marcas das
pedras por onde tinha sido roçada.
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O cansaço era tão grande que o braço esquerdo, que
segurava a vara de pesca, estava meio dormente. Sentamos em uma pedra para
descansar e ficamos observando o peixe com um sentimento de paz, pois a briga
havia sido boa e limpa, de nossa parte e da parte daquela jatuarana. Por
instantes, passou aquele ditado por nossa mente: “que vença o melhor”. Durante
aquele dia não pescamos mais. Os piloteiros calcularam o peso do peixe em nove
quilos. Não nos preocupamos em pesar, pois isso não tinha importância e nem
iria diminuir a valentia e a briga do peixe, além de não aumentar minha
qualidade de bom pescador. Voltamos à cachoeira dois dias depois, e agora com
material mais adequado, pois a carretilha era maior, a vara mais firme e a
linha de bitola 0.45mm.
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Fisgamos uma
jatuarana grande e mais nada. Na descida do rio Pau Cerne, pudemos avistar um
cardume de jatuaranas subindo o rio. Ali estava nossa resposta. Esse cardume
com certeza estava se alimentando de frutas, pois rio abaixo ele estava fora da
caixa. Mentalmente fizemos a conta e chegamos à conclusão de que pescar nos
meses de abril até agosto seria o ideal, pois sem dúvida, os peixes todos
estariam então nas corredeiras. A propósito: foi vendo o cardume de jatuaranas
subir o rio que nos veio a idéia de chamar aquele local de “Vale das
Jatuaranas”.
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NOTA DA REDAÇÃO: Deve agora o leitor deste
blog, ignorar o quadro logo acima, já que a Evidência/Liguepesca, bem como seus
telefones não mais existem. O mesmo não posso afirmar quanto ao hotel/pesqueiro
Cabanas de Guaporé, já que não tenho tal afirmação. Mas posso noticiar e isso
sim, de fonte segura e atual, de que o pescador brasileiro está proibido, pelo
governo da Bolívia, de entrar no rio Pau Cerne. Essa proibição se deu por
diversos motivos entre os quais podemos destacar: é outro país; a “cervejinha”
ofertada aos “policiais” bolivianos que ficavam na entrada do rio, não funciona
mais; a depredação feita pelos pescadores brasileiros no local tais como
sujeira, restos de lixo, latas de cerveja entre outros materiais, foi a causa
da proibição; corte de árvores caídas e atravessadas no rio, que dificultavam a
passagem dos barcos, e mais algumas coisinhas. Estaria ainda proibida a pesca
nas baias do lado boliviano. Triste sina a nossa de “pescadores brasileiros”.
Antonio Lopes da Silva
Ao rever essa matéria, relembro a ansiedade e desejo de conhecer esse local ao ler a revista na época.. Devo à Aruanã a satisfação de ter conhecido e gravado um dos mais belos rios em que estive.
ResponderExcluirQuanto às críticas do Toninho ao pescador esportivo brasileiro, são pertinentes, infelizmente. Grande abraço!
Marcão: Você como eu, a muito estamos no setor de pesca amadora e trabalhando, cada um ao seu modo, pela educação, proteção e contra qualquer ato que a prejudique. Você, com uma câmera ou ilha de edição na mão, é fera e um dos melhores que conheci, inclusive pude contar com seu profissionalismo em alguns trabalhos que fiz. "No nosso tempo" a pesca amadora, que transformaram em pesca esportiva, tinha muito menos mestres, ambientalistas e os eco-chatos. Mas uma coisa nos consola e dela podemos nos orgulhar, muito fizemos e continuamos a fazer dessa modalidade, algo sério e a ser respeitada. Está aí uma nova geração, onde alguns despontam como pessoas de bom senso. Vamos torcer que eles continuem, onde, possivelmente e inconscientemente, podemos ter errado. É certo também, que conseguimos ver com nossos olhos, situações e aspectos de um meio ambiente, que por certo nunca mais voltarão, enquanto nosso país continue a ser como é nessas questões ambientais. Grande abraço meu amigo e vamos em frente.
ExcluirInesquecível...
ResponderExcluirConcordo com você meu amigo Marcão em gênero, número e grau. Cada um de nós viveu seu momento lá no Pau Cerne, e com certeza, inesquecíveis. Uma pena não estarmos juntos lá. Mas é esse nosso trabalho: uma vez publicado, passa a ser "passado", ficando, no entanto, imortalizado e será sempre lembrado com saudades. Abraço amigo
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