“O grito do urutau é um dos clamores mais terrificantes das
matas, pois tem algo de lamento humano”.
Durante o dia, o urutau permanece imóvel, em um ponto mais
alto de qualquer árvore, na ponta do galho, camuflando-se com tal perfeição,
que muito difícil é distingui-lo com certeza da paisagem à qual se encontra
inserido. É uma ave desgraciosa, não apresenta formas elegantes – ao contrário
– tem um feitio muito desarmônico. Uma enorme cabeça, que nos faz lembrar a de
um batráquio, como esta provida de uma boca de desmedido tamanho, abriga olhos
arregalados, de íris amarelo-limão. Por ter hábitos noturnos, essa ave de 40 cm
de comprimento tem a vida cercada de lendas, pois o povo a tem na conta de ser
algo misterioso. Pela calada da noite, solta, na mata, gritos lancinantes, de
entoação macabra. Por mais que estejamos habituados aos rumores da floresta, o
grito do urutau perturba-nos a calma do sistema nervoso, fazendo-nos
experimentar um sentimento indefinível, senão de medo, algo semelhante a ele.
Há quem julgue que tais imprecações apavorantes tenham por fim espantar as aves
noturnas, especialmente corujas que espreitam nas trevas os ninhos dos urutaus.
Curioso é relatar que os filhotes do urutau desde cedo instruem-se na arte de
se disfarçarem, tomando aquela estática atitude durante o dia. No começo, ainda
não podem imobilizar-se por muito tempo, talvez porque se cansem ou se
distraiam com pensamentos infantis. Assim é que, de quando em quando,
descansam, olham em derredor e de novo, rapidamente entram em forma, na posição
camuflada, com receio do ralho da mamãe que os vigia. Mas quando chegam à
quarta semana de vida, estão habilitados a enganar qualquer um. Diz o povo que
o urutau durante o dia, quando a ave está imóvel, de olhos fitos no céu
acompanha com a cabeça o movimento do sol, ou melhor: é ele que, daqui, traça
ao sol o caminho que aquele astro deve percorrer. Mas há uma segunda lenda. Um
índio, chamado Youma, descobre que sua noiva, em segredo, ama outro jovem,
Marramac, a quem decide procurar e lhe tira a vida. Marramac é transformado em
sol e a noiva de Youma em lua. Ele, por sua vez, transforma-se na ave que
chamamos de urutau. Por esse motivo, passa a vida no extremo dos mais altos
ramos das árvores, mirando o céu para acompanhar, com os olhos, sua amada
transformada em lua. Cheio de desespero, solta para o silêncio da noite aqueles
gritos aflitivos e pungentes que enchem as matas de pavor.
Bibliografia
consultada:
Histórias, lendas e
folclore de nossos bichos (Eurico Santos)
Da ema ao beija-flor (Eurico Santos)
Venho até este post mais antigo para comentar um curiosidade. Esta ave, o urutau está presente também aqui em SC, sei disso porque já ouvi seu canto triste. Mas não encontrei ninguém que a tenha visto. E por incrível que possa parecer, as pessoas mais velhas daqui do vale do Itajaí juram de pés juntos que este canto não é desta ave, mas sim o som emitido pelo ouriço-cacheiro. Já ouvi histórias de antigos agricultores que ao ouvir este canto na calada da noite corriam com lanternas às roças de milho e encontravam o ouriço roendo as socas. Creio eu que esta é mais um lenda popular tal qual a da cobra mamífera!
ResponderExcluirMarcelino. Obrigado mais uma vez. Por casualidade, eu tive o privilégio de ouvir tanto o canto do Urutau, como do Ouriço (o nosso). Explico: meu caseiro do sítio prendeu um ouriço, já que o mesmo estava espetando espinhos em nossos cães mais atrevidos e o trabalho que dava para tira-los. Quando mandei solta-lo ele deu um longo e único silvo ou piado e na mata perto, ouvi a mesma resposta. Talvez fosse um casal. E, confesso, não me pareceu em nada com o canto do Urutau, já que o deste, se desdobra em várias notas tristes, o que não é o caso do ouriço que acabei de relatar acima. Valeu obrigado e abraço.
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