Trutas no Brasil: hoje, uma realidade, mas há alguns anos, esse
peixe só podia ser visto em filmes e revistas estrangeiras. Até que um dia,
Luiz Jorge de Karolyi resolveu tornar o sonho em realidade brasileira. Tudo aconteceu
assim, como ele mesmo nos conta.
Era o fim da década de 40 – 47, para ser mais exato – quando
um navio italiano, de nome SS Brasil, atracou no cais da Praça Mauá, no Rio de
Janeiro. Trazia a bordo, além dos viajantes da luxuosa primeira classe, um das
inúmeras famílias refugiadas da guerra, todos na esperança de uma nova vida em
uma terra nova, tentando esquecer os horrores que haviam presenciado, como os
bombardeios, as cidades arrasadas e a fome constante. A família de nossa
história era formada pelo pai – um engenheiro agrônomo -, sua esposa –
esperando a segunda criança – e um filhinho de um ano e meio. Além da
esperança, só tinham 39 dólares e roupas, na maioria inadequadas para o clima
brasileiro e a vida no interior. Não falavam português e não conheciam ninguém.
Parece estranho, mas o governo de então – Getulio Vargas – obrigava um segmento
dos imigrantes a passar os dois primeiros anos após a chegada, no interior do
país. A imaginação do leitor não será talvez suficiente para pensar nas
dificuldades que um jovem imigrante – eu – enfrentou para fazer medições de
terra sem falar o idioma nacional. Passou o tempo e os problemas começaram a
serem resolvidos, e um novo emprego como administrador de uma fazenda na Serra
da Mantiqueira, abriu não só novos caminhos como inesperadas possibilidades
também. Certa vez, ao ser apresentado ao então governador Adhemar de Barros, em
uma festa em Campos do Jordão, sugeri-lhe que fossem aproveitadas as águas
frias e limpas da serra para a criação de trutas, ou pelo menos para introduzi-las.
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Trutas Arco-Íris
A partir de então, com o apoio oficial, não foi difícil obter
as licenças necessárias, e a primeira remessa de alevinos da “arco-íris” chegou
ao Rio de Janeiro durante o verão de 1948. Foi realmente uma coincidência feliz
ter conhecido o Dr. Adhemar e saber que ele havia conhecido alguém de minha
família quando estudou na Alemanha. Ele arcou com a opinião deste jovem
húngaro, que por coincidência era um fly-caster apaixonado. Com a ajuda do
então secretário da agricultura, se não me falha a memória seu nome era
Afrânio, encomendamos milhares de alevinos arco-íris da Dinamarca, peixes estes
que suportam temperaturas de água até 24°C, ao contrário da truta fontinalis, que só prolifera em
temperatura mais baixas. Os aviões Constelation levavam, na era do pré-jato, 30
ou mais horas para chegarem ao Rio. Quando fui receber a remessa, percebi que
uma boa parte dos filhotes não suportara a viagem, e para os que haviam
sobrevivido, a expectativa de vida era mínima. O conferente da Alfândega havia
saído para “tomar um cafezinho” e parecia ter tomado litros, dado ao tempo que
demorou para retornar. Eu precisava de uma mangueira com água corrente e gelo
para manter a temperatura da água abaixo de 24 graus, e os funcionários da
alfândega consideravam tal coisa como “loucura de um gringo”. Sabia que os
alevinos não poderiam suportar outra viagem, desta vez em um jipe do Rio para
Campos do Jordão. A Via Dutra estava interrompida com atoladouros frequentes, e
eu me lembrava da viagem que fizera num caminhão, de Barra Mansa até o Rio, que
havia durado 70 horas. A solução era encontrar águas adequadas mais perto. Com
a ajuda de amigos, consegui uma autorização para levar os alevinos para uma
fazenda na Serra da Bocaina, bem mais próximo que Campos de Jordão. Lá, os peixes
recuperaram-se dos rigores das viagens precárias. Três ou quatro meses depois,
levei algumas centenas para Campos de Jordão, dividindo a quantidade entre o
Parque Horto Florestal e o rio Sapucaí Iguaçu.
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O autor pescando com fly
Afazeres profissionais impediram-me de seguir o
desenvolvimento das trutas na Bocaina e em Campos do Jordão, porém, fiquei um
tanto preocupado com os hábitos predatórios da população rural, que pesca e
caça 365 dias por ano, seja na desova, na choca, na época de cria, e sem
atentar para o fato de que isso é prejudicial para eles também. Quinze anos
mais tarde, quando visitei novamente a Serra da Bocaina, foi com muita
satisfação que recebi a notícia de que vários rios já abrigavam os descendentes
daquelas trutas que eu havia trazido em 1948. Além das anomalias ictiologias do
período de adaptação das trutas aqui – um ambiente diferente e também mais
hostil – fiquei surpreso com a mortandade causada pelo consumo excessivo de
formigas intoxicadas pelo ácido fórmico. Era interessante verificar as consequências
da introdução de uma nova espécie e de que forma o “circulo” se fechou:
aumentou por exemplo o número de lontras e seus inimigos naturais – as onças –
antes quase extintos da região. Ocorreu entrar em contato com a Aruanã quando
li no nº 10 da publicação, a matéria sobre a pesca com fly. Pratico essa
modalidade desde a infância. Na planície da Hungria é muito mais quente do que
as águas dos Karpatos, e portanto lá não havia trutas. Assim, praticar esse
tipo de pesca era limitado às temporadas que passávamos em uma propriedade nas
montanhas. Creio que valha a pena mencionar algumas particularidades. Há cerca
de meio século atrás na havia nylon. Usava-se então como “cast” ou “leader” um
fio feito de tripas. O nome era “cat-gut”. Não sei dizer se realmente eram
feitos de tripa de gatos, mas o nome era esse. Este fio era usado também nas
cirurgias. Seu estado seco era extremamente quebradiço, e por essa razão devia
ser colocado, antes das pescarias, entre folhas de feltro molhadas. Agradeço a Deus por ter tido a oportunidade de praticar esse esporte da Groenlândia até a
África do Sul, da Noruega até a Terra do Fogo, além de muitos outros lugares, e
espero que no futuro não seja eu ainda um dos poucos que pescam nosso Salminus maxillosus – o dourado – com
mosca e a reação dos colegas não seja como no Pantanal, anos atrás, quando
alguém apontou para mim e disse: “Olha lá o doutor chicoteando a água!”
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Luiz Jorge Karolyi
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Luiz Jorge de Karolyi,
o “pai da truta” é herdeiro de uma vasta fortuna e filho de uma das famílias
mais tradicionais do Hungria. Portador de um título de nobreza hereditário e
falando vários idiomas, está radicado no Brasil e atualmente reside em um sítio
em Itapecerica da Serra (SP).
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Revista Aruanã Ed: 12 - outubro de 1989
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