sexta-feira, 7 de julho de 2017

DICA - BARULHO NA ÁGUA











A todo momento, a mãe natureza nos fornece indicações de como devemos proceder para pescar bem. Mas às vezes, por pura pressa ou mesmo desinformação, o pescador não enxerga esses sinais, o que acaba lhe trazendo sérios prejuízos no decorrer da pescaria.







Acará
Imagine, prezado leitor, um mundo silencioso, com muitos esconderijos e cheio de perigos, onde o alimento é disputado todos os dias e onde por certo os mais fortes vencem a batalha constante pela sobrevivência. Esse mundo existe: é o ambiente subaquático, seja ele marinho ou de água doce. Sob a superfície das águas o silêncio é quase absoluto, pois são muito poucas as espécies de peixes que fazem ruído para demonstrar sua presença. Podemos até dividir as espécies de acordo com suas zonas de alimentação, e então teremos os grupos que se alimentam no fundo, na meia água e na superfície. Dificilmente as espécies de fundo virão à superfície para se alimentar, restando-lhes então dominar e acostumar-se com o alimento disponível em sua zona de atuação subaquática. Já as espécies de meia água, bem como as de superfície, dominam completamente suas áreas e é a grande maioria. 

Pacu
Neste ponto, vamos interromper esse raciocínio para citar alguns fatos que nossa memória registrou ao longo de muitos anos. Vamos à Represa de Guarapiranga, em São Paulo, durante uma certa pescaria de acarás. Havia um pescador, de nome Sr. Lúcio, que sempre se destacava dos demais companheiros pelos melhores resultados que obtinha em suas pescarias, pois dificilmente alguém pegava mais ou maiores peixes do que ele. Menino, lembro-me do comentário com outros garotos: “o homem tem parte com o ‘demo’”. Macumba, reza, santo forte eram outras explicações encontradas na época para justificar o sucesso do Sr. Lúcio, já que sorte não contava, pois em todas as pescarias, sem exceção, ele sempre pegava mais. Um certo dia, resolvemos segui-lo, e escondidos no mato, ficamos a observa-lo durante sua pescaria. Escolheu o local, montou suas varas de bambu com cada linha mais ou menos do tamanho da vara, anzol e chumbada. 

Tucum
Até aí nada demais, já que todos usavam o mesmo material. A isca era minhoca, e de onde ele arrancava as suas, nós também tirávamos as nossas. A maneira de iscar era a mesma, começando a enfiar a minhoca até cobrir o anzol e depois ir enrolando o resto dela, fazendo com que ficasse um “bolo”, ou mais ou menos uma espécie de “cacho” no anzol. Cinco ou seis varas era o normal. Após armar todas as varas, fez uma coisa que para nós era novidade. Com uma pequena pazinha, cavoucou o barranco atrás, de onde tirou um bom pedaço de terra. Dessa terra, vez por outra, jogava um punhado na água. Sempre tendo o cuidado de esfarela-la muito bem, para que jogando “a lanço”, essa terra caísse na frente de todas as varas ao mesmo tempo. Não demorou muito e a primeira vara puxou.  Logo, um acará de bom tamanho já estava no seu puçá. Outros se sucederam. Um novo punhado de terra era jogado e outros acarás acabavam fisgados. 

Pacus-prata
Para nós, aquilo parecia um estranho ritual e mesmo sem saber explicar porque tal coisa funcionava, passamos fazer o mesmo e nossas pescarias melhoraram sensivelmente desde aquele dia. Nunca tivemos a oportunidade de comentar o fato com o Sr.Lúcio ou indaga-lo acerca do porque de jogar aqueles punhados de terra. Falecido há muitos anos, levou para o túmulo a explicação. No entanto, muitos anos depois, a “faculdade da vida” acabou por trazer-me a explicação. Observando certa vez um acará em movimento em um aquário, chamou-me a atenção o quanto ele revirava o fundo, buscando obter o alimento que estava entre as pedrinhas e a areia. Ora, se o acará revira a terra em busca do alimento, o que dizer de um punhado de terra caindo na água, turvando-a parcialmente? O mesmo efeito é simulado, e é sinal de alimento, não é mesmo? O barulho da terra caindo era só para chamar a atenção dos peixes que estavam nos arredores, que vinha conferir, achando então a isca e o anzol do Sr. Lúcio. 

Traíra
Descoberta essa “reza braba”, comecei então ligar alguns fatos e percebi que o barulho é um fator muito importante para atrair diversas espécies de peixes. Usando os ruídos certos em nosso benefício, é de se esperar que obtenhamos resultados muito melhores em nossas pescarias. E assim começamos a identificar vários peixes que com barulho fisgam melhor. Exemplos? Vamos a eles. Há muitos anos usamos o tucum na batida para a pesca do pacu e o resultado é sempre sensacional. Pescar de “tucum na batida” significa ir batendo o coquinho iscado na superfície da água, como se ele estivesse caindo do coqueiro naquele momento. Muitas vezes chegamos a observar o pacu sair debaixo do camalote, às vezes numa distância de até dez metros e vir fisgar em nosso anzol. Se não fosse o barulho do coquinho, esse peixe viria até nosso anzol? A resposta é óbvia. A pesca da traíra e muito mais produtiva se pegarmos uma isca natural e com ela fizermos barulho, batendo na superfície da água. 

Lula artificial
Alguns dizem que a traíra se “irrita” com o barulho e fisga... de raiva! É claro que não é verdade. O que ocorre é que a traíra, ao escutar os ruídos, vem conferir, acha então a isca (na maioria das vezes um pequeno peixinho) e a ataca. Se não tivesse o tal barulho, muito provavelmente traíra ficaria atrás do capim ou outra tranqueira qualquer, esperando que o alimento (natural ou artificial) passasse por perto dela. Faz sentido, não e mesmo? Um outro exemplo são os frutos de árvores às margens dos rios e lagos, que caem diretamente na água. Achando uma árvore dessas, pegue alguns desses frutos e utilize-os como iscas. Veja os resultados. Tilápias, pacus-prata, matrinchãs, pacus, pirapitingas, tambaquis e tantas outras espécies frugívoras, que ficam nas imediações dessas árvores à espera da queda dos frutos, serão irresistivelmente atraídos pelos ruídos na água. A propósito: procure imitar com perfeição o barulho ocasionado pelo fruto ao cair na água naturalmente. 

Sailfish
E assim fomos vivendo e aprendendo na velha “faculdade da vida”. Um dia, as iscas artificiais entraram em nosso “currículo”. Quando começaram a aparecer no Brasil (isso mais ou menos trinta anos), eram usadas principalmente para a pesca na modalidade de corrico. Até hoje são obtidos ótimos resultados nessa modalidade. Mas um dia percebeu-se que utilizando iscas artificiais em lances de superfície, fazendo barulho na água, a pescaria ficava muito mais produtiva. Nomes como poppers, sticks, zaras e outros atingiram muito sucesso. A prova final é jogar uma isca de superfície na água e ao invés de provocar barulho com ela, apenas vir puxando-a lentamente em silêncio. Dificilmente algum peixe será atraído ou fisgado. Outro exemplo? Vamos nos deslocar para a água azul. Em uma embarcação oceânica, usamos como atrativos os teasers, cuja função principal é fazer barulho atrás da popa. Lulas artificiais vêm fazendo evoluções na superfície da água. Iscas naturais como o farnangaio vêm também dando pequenos saltos na superfície. 

Farnangaio – isca natural
E tome barulho. O resultado de tanto barulho são sailfishes, marlins brancos ou os grandes marlins azuis, além de atuns, albacoras, olhetes, anchovas, olhos-de-boi, barracudas, etc. Agora, deixando a água azul, vamos para algum pequeno riacho no interior de qualquer estado do Brasil. Existem pescadores que pescam lambaris utilizando como isca um pequeno inseto chamado siriri, ou então um outro um pouco maior, conhecido pelo nome de içá ou vitu. O equipamento é uma simples vara de bambu, linha fina e anzol pequeno, sem chumbo, fazendo o inseto bater e permanecer na superfície da água. É o chamado “fly caipira”, modalidade sensacional da pesca de lambari. Vou repetir: apenas fazendo o inseto bater na superfície da água. Pois é prezado pescador, agora já vamos dando por encerrado esse assunto e o artigo, pois a esta altura, você já deve ter percebido onde queríamos chegar. Viva o barulho e boa pescaria. Em tempo: na pescaria, o barulho certo é o que se faz na água imitando com perfeição a queda de um fruto, inseto ou as evoluções naturais de um pequeno peixe. Qualquer outro tipo de barulho, além de não pegar peixes, acaba por assusta-los e afasta-los de nossas iscas. Afinal de contas se barulho resolvesse, era só contratar uma banda de música, de preferência tipo fanfarra de escola, com bumbos e caixas, para nos acompanhar em nossas pescarias.



                                                      Revista Aruanã Ed. 51 -Publicada em 06/1996

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