A todo momento, a mãe natureza nos fornece indicações de como
devemos proceder para pescar bem. Mas às vezes, por pura pressa ou mesmo
desinformação, o pescador não enxerga esses sinais, o que acaba lhe trazendo
sérios prejuízos no decorrer da pescaria.
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Acará
Imagine, prezado leitor, um mundo silencioso, com muitos
esconderijos e cheio de perigos, onde o alimento é disputado todos os dias e
onde por certo os mais fortes vencem a batalha constante pela sobrevivência.
Esse mundo existe: é o ambiente subaquático, seja ele marinho ou de água doce.
Sob a superfície das águas o silêncio é quase absoluto, pois são muito poucas
as espécies de peixes que fazem ruído para demonstrar sua presença. Podemos até
dividir as espécies de acordo com suas zonas de alimentação, e então teremos os
grupos que se alimentam no fundo, na meia água e na superfície. Dificilmente as
espécies de fundo virão à superfície para se alimentar, restando-lhes então
dominar e acostumar-se com o alimento disponível em sua zona de atuação
subaquática. Já as espécies de meia água, bem como as de superfície, dominam
completamente suas áreas e é a grande maioria.
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Pacu
Neste ponto, vamos interromper esse raciocínio para citar
alguns fatos que nossa memória registrou ao longo de muitos anos. Vamos à
Represa de Guarapiranga, em São Paulo, durante uma certa pescaria de acarás.
Havia um pescador, de nome Sr. Lúcio, que sempre se destacava dos demais
companheiros pelos melhores resultados que obtinha em suas pescarias, pois
dificilmente alguém pegava mais ou maiores peixes do que ele. Menino, lembro-me
do comentário com outros garotos: “o homem tem parte com o ‘demo’”. Macumba, reza,
santo forte eram outras explicações encontradas na época para justificar o
sucesso do Sr. Lúcio, já que sorte não contava, pois em todas as pescarias, sem
exceção, ele sempre pegava mais. Um certo dia, resolvemos segui-lo, e escondidos
no mato, ficamos a observa-lo durante sua pescaria. Escolheu o local, montou
suas varas de bambu com cada linha mais ou menos do tamanho da vara, anzol e chumbada.
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Tucum
Até aí nada demais, já que todos usavam o mesmo material. A
isca era minhoca, e de onde ele arrancava as suas, nós também tirávamos as
nossas. A maneira de iscar era a mesma, começando a enfiar a minhoca até cobrir
o anzol e depois ir enrolando o resto dela, fazendo com que ficasse um “bolo”,
ou mais ou menos uma espécie de “cacho” no anzol. Cinco ou seis varas era o
normal. Após armar todas as varas, fez uma coisa que para nós era novidade. Com
uma pequena pazinha, cavoucou o barranco atrás, de onde tirou um bom pedaço de
terra. Dessa terra, vez por outra, jogava um punhado na água. Sempre tendo o
cuidado de esfarela-la muito bem, para que jogando “a lanço”, essa terra caísse
na frente de todas as varas ao mesmo tempo. Não demorou muito e a primeira vara
puxou. Logo, um acará de bom tamanho já
estava no seu puçá. Outros se sucederam. Um novo punhado de terra era jogado e
outros acarás acabavam fisgados.
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Pacus-prata
Para nós, aquilo parecia um estranho ritual e mesmo sem saber
explicar porque tal coisa funcionava, passamos fazer o mesmo e nossas pescarias
melhoraram sensivelmente desde aquele dia. Nunca tivemos a oportunidade de
comentar o fato com o Sr.Lúcio ou indaga-lo acerca do porque de jogar aqueles
punhados de terra. Falecido há muitos anos, levou para o túmulo a explicação.
No entanto, muitos anos depois, a “faculdade da vida” acabou por trazer-me a
explicação. Observando certa vez um acará em movimento em um aquário, chamou-me
a atenção o quanto ele revirava o fundo, buscando obter o alimento que estava
entre as pedrinhas e a areia. Ora, se o acará revira a terra em busca do
alimento, o que dizer de um punhado de terra caindo na água, turvando-a
parcialmente? O mesmo efeito é simulado, e é sinal de alimento, não é mesmo? O
barulho da terra caindo era só para chamar a atenção dos peixes que estavam nos
arredores, que vinha conferir, achando então a isca e o anzol do Sr. Lúcio.
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Traíra
Descoberta essa “reza braba”, comecei então ligar alguns
fatos e percebi que o barulho é um fator muito importante para atrair diversas
espécies de peixes. Usando os ruídos certos em nosso benefício, é de se esperar
que obtenhamos resultados muito melhores em nossas pescarias. E assim começamos
a identificar vários peixes que com barulho fisgam melhor. Exemplos? Vamos a
eles. Há muitos anos usamos o tucum na batida para a pesca do pacu e o
resultado é sempre sensacional. Pescar de “tucum na batida” significa ir
batendo o coquinho iscado na superfície da água, como se ele estivesse caindo
do coqueiro naquele momento. Muitas vezes chegamos a observar o pacu sair
debaixo do camalote, às vezes numa distância de até dez metros e vir fisgar em
nosso anzol. Se não fosse o barulho do coquinho, esse peixe viria até nosso
anzol? A resposta é óbvia. A pesca da traíra e muito mais produtiva se pegarmos
uma isca natural e com ela fizermos barulho, batendo na superfície da água.
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Lula artificial
Alguns dizem que a traíra se “irrita” com o barulho e
fisga... de raiva! É claro que não é verdade. O que ocorre é que a traíra, ao
escutar os ruídos, vem conferir, acha então a isca (na maioria das vezes um
pequeno peixinho) e a ataca. Se não tivesse o tal barulho, muito provavelmente traíra
ficaria atrás do capim ou outra tranqueira qualquer, esperando que o alimento
(natural ou artificial) passasse por perto dela. Faz sentido, não e mesmo? Um
outro exemplo são os frutos de árvores às margens dos rios e lagos, que caem
diretamente na água. Achando uma árvore dessas, pegue alguns desses frutos e
utilize-os como iscas. Veja os resultados. Tilápias, pacus-prata, matrinchãs,
pacus, pirapitingas, tambaquis e tantas outras espécies frugívoras, que ficam
nas imediações dessas árvores à espera da queda dos frutos, serão
irresistivelmente atraídos pelos ruídos na água. A propósito: procure imitar
com perfeição o barulho ocasionado pelo fruto ao cair na água naturalmente.
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Sailfish
E assim fomos vivendo e aprendendo na velha “faculdade da
vida”. Um dia, as iscas artificiais entraram em nosso “currículo”. Quando
começaram a aparecer no Brasil (isso mais ou menos trinta anos), eram usadas
principalmente para a pesca na modalidade de corrico. Até hoje são obtidos
ótimos resultados nessa modalidade. Mas um dia percebeu-se que utilizando iscas
artificiais em lances de superfície, fazendo barulho na água, a pescaria ficava
muito mais produtiva. Nomes como poppers, sticks, zaras e outros atingiram
muito sucesso. A prova final é jogar uma isca de superfície na água e ao invés
de provocar barulho com ela, apenas vir puxando-a lentamente em silêncio.
Dificilmente algum peixe será atraído ou fisgado. Outro exemplo? Vamos nos
deslocar para a água azul. Em uma embarcação oceânica, usamos como atrativos os
teasers, cuja função principal é fazer barulho atrás da popa. Lulas artificiais
vêm fazendo evoluções na superfície da água. Iscas naturais como o farnangaio
vêm também dando pequenos saltos na superfície.
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Farnangaio – isca natural
E tome barulho. O resultado de tanto barulho são sailfishes,
marlins brancos ou os grandes marlins azuis, além de atuns, albacoras, olhetes,
anchovas, olhos-de-boi, barracudas, etc. Agora, deixando a água azul, vamos
para algum pequeno riacho no interior de qualquer estado do Brasil. Existem
pescadores que pescam lambaris utilizando como isca um pequeno inseto chamado
siriri, ou então um outro um pouco maior, conhecido pelo nome de içá ou vitu. O
equipamento é uma simples vara de bambu, linha fina e anzol pequeno, sem
chumbo, fazendo o inseto bater e permanecer na superfície da água. É o chamado
“fly caipira”, modalidade sensacional da pesca de lambari. Vou repetir: apenas
fazendo o inseto bater na superfície da água. Pois é prezado pescador, agora já
vamos dando por encerrado esse assunto e o artigo, pois a esta altura, você já
deve ter percebido onde queríamos chegar. Viva o barulho e boa pescaria. Em
tempo: na pescaria, o barulho certo é o que se faz na água imitando com perfeição
a queda de um fruto, inseto ou as evoluções naturais de um pequeno peixe.
Qualquer outro tipo de barulho, além de não pegar peixes, acaba por assusta-los
e afasta-los de nossas iscas. Afinal de contas se barulho resolvesse, era só
contratar uma banda de música, de preferência tipo fanfarra de escola, com
bumbos e caixas, para nos acompanhar em nossas pescarias.
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Revista Aruanã Ed. 51 -Publicada em 06/1996
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