sexta-feira, 3 de outubro de 2014

PIRACEMA: "A SUBIDA DOS PEIXES".













A palavra piracema significa em tupi-guarani “a subida dos peixes”. Ou seja, é um fenômeno migratório, que acontece todos os anos, nos rios do Brasil, onde os peixes buscam as cabeceiras do rios para a desova.






Barragem de Tucuruí


A grande maioria de peixes do Brasil, em se tratando de água doce, é considerada de origem lótica, ou seja, necessita de água corrente, em extensões que podem variar até 200 quilômetros, para a maturação total de suas ovas, estando então pronta para a desova. Aliás, na edição número 31 da Aruanã, fizemos uma matéria com o professor Manuel Pereira de Godoy, onde esse cientista mostra essa particularidade, e a necessidade das escadas de peixes, para que os mesmos possam subir os rios e desovar. A data dessa matéria foi dezembro de 1992. Só como detalhe, nessa mesma matéria mostramos a primeira escada para peixes, construída na Suíça, mais precisamente no rio Aar, pasmem, no ano de 1640. Foi uma matéria sensacional, comentada inclusive em outros países do mundo, com citação à nossa revista. Portanto, em dezembro de 1992 já havíamos abordado o assunto e mostrado sua importância. Apesar disso nada mudou, e aí estão nossas barragens hidrelétricas, obras da toda poderosa CESP e de outras centrais, sem escadas para peixes.
Mas se não houve novas escadas para peixes, o mesmo não aconteceu com as portarias do Ibama (sempre ele) versando sobre a piracema, que todos os anos, aproximadamente em outubro, são publicadas, fazendo o que eles chamam de “defeso da piracema”.

São portaria vazias em seu conteúdo, e o que mais fazem é proibir a pesca de determinadas espécies em períodos que podem ser alternados nas datas. Como não poderia deixar de ser, o Ibama continua a prestigiar a pesca profissional,  que comprovadamente é a mais predatória, pois permite que o profissional, que antes pescava com redes e tarrafas, possa continuar a fazê-lo, só que agora com anzóis simples, anzóis de galhos e espinhéis. (NR: Hoje, "eles" recebem um salário mínimo, enquanto dura o período da piracema)




Porém, não há ninguém que fiscalize essa atividade para saber se os peixes foram pescados, durante o período da piracema, com “os equipamentos permitidos por lei”.
E pior que isso é permitir que os frigoríficos comercializem seus estoques de pescado durante a piracema. Ou seja: quando começa a piracema, os donos dos frigoríficos declaram que têm em seus estoques tantas toneladas de peixe, o que permite então que comercializem sua produção, literalmente, durante o defeso. (NR: O defeso do camarão no mar é exatamente igual e "eles" recebem também um salário mínimo, para "sobreviver" e ficarem parados) São vários os frigoríficos, principalmente na região do Pantanal, que continuam a pescar e portanto a renovar seus estoques, já que a maioria do pescado sai do Mato Grosso do Sul sem nota ou com notas “frias” para diversos estados do Brasil.
O dia em que o Ibama quiser provar que é um órgão sério irá fazer uma portaria de defeso da piracema onde, além da pesca, proibirá principalmente a comercialização de qualquer tipo de pescado que tenha esse hábito. Enquanto esse dia não chegar, o Ibama continuará a ser uma piada de muito mau gosto.
Mas vamos ao fato principal desta matéria, que é a Portaria regional N 002 de 09/10/96, do Ibama do estado de São Paulo.
Seria o caso de dar gostosas gargalhadas ao se ler o teor dessa portaria, se não fosse por um detalhe muito significativo e importante.


Para começar, desafiamos o Ibama de São Paulo a nos dizer qual o rio existente em nosso estado em que ainda ocorre o fenômeno da piracema, em sua forma original – um viva às barragens, sem escadas para a subida de peixes, que acabaram com nossos rios. Mas tem mais: em seu art. 5º, parágrafo único, o Ibama de São Paulo libera a pesca do tucunaré, apesar dessa espécie estar desovando nesse período, fato comprovado cientificamente.
A bem da verdade, recebemos da Drª Nilde Lago Pinheiro, superintendente do órgão no estado de São Paulo, a minuta da portaria da piracema, onde pedia nossa opinião. Tentamos de todas as maneiras que a Drª Nilde tirasse o tucunaré dessa portaria. Nossos esforços foram em vão, já que os “técnicos” do Ibama consideram essa uma espécie “exótica” (é da bacia amazônica) e “altamente predadora”, sendo intenção do Ibama “acabar com o tucunaré” no estado de São Paulo. O mais engraçado de tudo isso é que o Ibama, na época Sudepe, na portaria N046, de 27/01/71, dava incentivo à soltura do mesmo tucunaré em nossas represas, o que agora, segundo eles, é prejudicial, já que o tucunaré é um “predador voraz e cruel, que acaba com todas as espécies existentes nas barragens”. A portaria N 002 foi publicada no Diário Oficial da União.
Como jornalista e leigo em biologia, fui ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo entrevistar uma autoridade no assunto.



Conversamos então com o Dr. Heraldo Bristik, PHD em Biologia e reconhecidamente a maior autoridade em peixes de água doce do Brasil e uma das maiores do mundo.
Segundo o Dr. Bistik, o tucunaré é realmente um predador voraz, exatamente igual a outro predador qualquer, como o dourado, a traíra, a piranha, a matrinchã e outros. E mais, segundo ele, o tucunaré de maneira nenhuma afetará a ictiofaúna de nossas barragens, podendo conviver em perfeita harmonia com as outras espécies.
Aí esta portanto, a opinião de um técnico que é a maior autoridade do Brasil no assunto, e de outro lado a superintendente do Ibama, que se assumiu leiga em nossa entrevista. Como ficamos? Se bem eu conheço nossas autoridades de meio ambiente, tudo vai ficar assim mesmo e daqui a pouco ninguém mais falará desse assunto, em prejuízo do tucunaré, que é hoje a espécie mais importante de nossas barragens (sem escadas de peixe) para nós, pescadores amadores, em nossas pescarias de esporte/lazer. Mas afinal o que representa o pescador amador, para o todo poderoso Ibama?
A resposta é simples: ABSOLUTAMENTE NADA.
O que nos resta é pedir a você, pescador amador, que, se for pescar tucunarés, pratique o pesque-e-solte. E mais, quando vir tucunarés em peixarias ou supermercados, não os compre, pois só assim estaremos fazendo nossa parte para proteger essa espécie tão importante para a pesca amadora.


NOTA DA REDAÇÃO:  Chega a ser incrível, como esse assunto, passados 18 anos de sua edição, ainda mexe e muito com a minha cabeça. As teclas do meu teclado, se pudessem falar, diriam com que raiva nelas bati, ao reescrever esta matéria.
Meu Deus, como eu era (e ainda sou) um idiota em pensar que alguém iria ler e tomar as providências que seriam corretas. Quantas pessoas eu conheci, que poderiam fazer alguma coisa e, não o fizeram. Quantos empresários e pescadores amadores, portanto do segmento, que poderiam fazer algo e, também não o fizeram, preferindo ficar no anonimato e esperar para ver o que aconteceria. Mas, uma vitória eu lembro.
Antes um detalhe, citado em matéria da Aruanã e em minha coluna no Jornal da Tarde. Segundo dados por nós obtidos, o custo de uma obra de escada de peixes, seria igual a 1% (um por cento) do total gasto na construção da barragem.
A vitória? Conseguimos, com a ajuda do pessoal da cidade de Sacramento em Minas Gerais, que uma barragem que estava sendo construída na época no Rio Grande, fosse obrigada a construir essa escada. Deixo de citar nomes de pessoas e outras referencias, para não cometer nenhuma injustiça. Contei com a ajuda profissional valiosa do Prof. Manoel Pereira de Godoy, com sua assessoria técnica.
Acho que isso responde em parte, a pergunta que algumas pessoas me fazem, do porque eu parei de publicar a Aruanã. Digo em parte, já que houve muitos outros motivos, senão semelhantes, muito parecidos.
No nosso país, existem muitos caciques e poucos índios. E mais uma vez, infelizmente.

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