sábado, 15 de novembro de 2014

DOCUMENTO VERDADE: AS ESCADAS DE PEIXES NO BRASIL















Às vezes, uma opinião equivocada que parte de uma pessoa mal informada pode acarretar sérios prejuízos ao meio ambiente. Um fato desse tipo aconteceu em 1929, e até hoje, mesmo havendo se passado 65 anos (publicado em 1995), as consequências ainda se fazem sentir. Confira.









Escada de peixes (vista parcial). Peixes subindo em novembro de 1984. Rio Pardo, barragem de Itaipava, Santa Rosa de Viterbo, SP. Escada construída em 1911.

Escada de peixes (a primeira), construída entre 1920-22. Rio Mogi-Guassu, barragem de Cachoeira de Emas, Pirassununga, SP. Foto de 1941. Destruída em 1942-43.

As barragens com escadas para facilitar a desova dos peixes são tema de destaque em vários países ao redor do mundo. Para que possamos ter uma idéia, a mais antiga delas tem seu registro de construção datado de 1640, mais precisamente no rio Aar, nas proximidades da cidade de Berna, na Suíça. Foi concluída, testada e aprovada a escada para subida dos peixes. Para citar outro exemplo: Na Escócia, no rio Thiet (qualquer semelhança com o rio Tietê, em São Paulo, é mera coincidência), foi construída em 1928 a primeira escada para salmões, na forma de degraus-tanques. Foi e é até hoje, um sucesso.
Há ainda outros exemplos de escadas para peixes construídas na Irlanda, França, Suécia, Noruega, Estados Unidos, Rússia, Japão, Iraque, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Venezuela, Uruguai, Argentina, etc. Todas comprovadamente funcionam, e bem. Algumas, pasmem, datam do século XVII.

Escada de peixes em construção (a atual) entre 1942-43. Rio Mogi-Guassu, barragem Cachoeira de Emas, Pirassununga, SP. É a mais eficiente e funcional escada em degraus-tanques construída no Brasil.

E no Brasil? Para se ter uma idéia, os técnicos da CESP (Centrais Elétricas de São Paulo), entre 1968 e 1984, emitiram opiniões onde enfaticamente afirmavam que as escadas eram “onerosas e antibiológicas, não sendo suficientes em barragens de altura superior a 6 ou 8 metros” (Machado et alii 1968:2). Já outro técnico, de nome Torloni (1984:5), afirmou: “as escadas em barragens com altura superior a 8 metros tornam-se ineficientes, pois são raros os peixes que conseguem galgar o nível de montante...”.Será isso verdade? É lógico que não. Voltemos ao rio Aar, na Suíça. Lá existem e funcionam escadas de peixes com 10, 12 metros de altura, até com 21 degraus-tanques. No rio Liffey, na Irlanda, as barragens com escadas estão entre 3 e 42 metros de altura. No estado de Oregon, nos Estados Unidos, a barragem de North Fork tem 59,4 metros de altura. E vamos por aí afora, não citando mais exemplos para não nos tornamos repetitivos.

Escada de peixes de Cachoeira de Emas, Pirassunga, SP, Rio Mogi-Guassu. Migração reprodutiva através da escada em 16/11/1954. A foto, ampla, mostra a largura dos degraus-tanques e a correnteza atrativa entre os mesmos. Ao fundo a usina hidrelétrica de cachoeira de Emas, que pertencia à Central Electrica de Rio Claro S.A. e, hoje à CESP.

A propósito: as escadas citadas destinam-se em sua maioria aos salmões. Então, pelo fato de ser uma espécie “do primeiro mundo” o salmão seria “mais inteligente” do que nossos dourados, pintados, curimbatás, matrinchãs, pacus, e tantos outros, que miseravelmente pertencem ao “terceiro mundo”?
Brincadeiras à parte, vamos pensar seriamente e tentar chegar a uma conclusão acerca do porquê de técnicos brasileiros fazerem afirmações falsas e completamente equivocadas como as duas aqui citadas.
Em um amplo trabalho de pesquisa, retornamos ao ano de 1929. Era então Secretário da Agricultura do Estado de São Paulo o Dr. Fernando Costa, que convidou o Sr.J.H. Brunson – que a bem da verdade era um piscicultor americano, ou seja, criava peixes comercialmente – para vir ao Brasil e “dar sua opinião” a respeito de nossos peixes. Em sua companhia estava o biólogo brasileiro Rodolpho Von Ihering, que mais tarde seria considerado o “pai da piscicultura no Brasil”.

Escada de peixes construída em 1972 no Salto do Moraes, Rio Tijuco, região próxima de Ituiutaba MG. Na foto, detalhe da escada de peixes e da barragem.

Não se sabe bem por que, e aliás, nem fica bem falar de pessoas já falecidas, o tal americano e o Dr. Von Ihering chegaram à conclusão de que “as escadas de peixes com altura superior a 8 metros não funcionam para peixes de piracema”. Como se não bastasse, em 1957, o belga Felix Charlier confirma essa opinião.
Pronto. Foi o bastante para se condenar as escadas para peixes que tivessem mais de 8 metros de altura no Brasil. Dá para acreditar que as autoridades de nosso país acataram na íntegra uma opinião completamente errada de um criador de peixes, só porque é americano, que vem ao Brasil e emite opiniões sem qualquer fundamento e sem considerar outros exemplos de barragens construídas pelo mundo afora?
Tudo se originou dessa infeliz afirmação. Dezenas de barragens foram construídas sem qualquer critério que visasse à preservação de nossos peixes de piracema. Com certeza, barragens desprovidas de escadas de peixes saem bem mais baratas, e mais uma vez usa-se uma norma que, em termos de meio ambiente, nunca deveria ser levada em conta: custo financeiro x benefício.

Vista geral da barragem mostrando a usina hidrelétrica e, em primeiro plano, a escada de peixes. Escada com desenho não adequado, situada em local não apropriado e não eficiente para a subida dos peixes.

Porém, há um detalhe crucial: segundo cálculos efetuados, o custo da construção de uma escada para peixes onera a obra completa, ou seja, a barragem propriamente dita, de 0,46 a 10% de seu valor total.
Ai está, caros leitores, a história real que esclarece o porquê da não construção de escadas para peixes na maioria das barragens brasileiras.
Na realidade, o que será que existe por trás de tais fatos em nosso país? Falta de informação, preguiça, interesses ocultos, falta de patriotismo, incapacidade? Ou existiria a possibilidade de corrupção, bandalheira, mau caratismo e tráfico de influências?
O mais triste de disso tudo é que as barragens estão aí, sem escadas para peixes, além de outras, em fase de construção ou ainda como projetos, nos quais nem é mencionada a hipótese das escadas.

Foto da maquete. Barragem da usina hidrelétrica Ilha Grande, rio Paraná, da ELETROSUL. Esta será a primeira grande barragem do Setor Elétrico brasileiro, da área governamental, a ter uma escada de peixes, projeto e proposição inicial de M.P.Godoy, cujos estudos foram elaborados entre 1981 e 1985.

Além disso, ainda há leis em vigor que obrigam a construção dessas escadas, mas quem as respeita? Agora nosso leitor sabe um pouco mais da história deste país, onde ainda ocorrem fatos que afrontam nossa decisão de sentirmos orgulho de ser brasileiros. Infelizmente, tal situação é uma verdadeira vergonha. Quem é o responsável por estes danos causados ao ciclo de vida de nossos peixes, que são patrimônio de toda a nação brasileira? 

Ou seja, propriedade minha e sua também.
Só nos resta dizer “muito obrigado” (as aspas são minhas) ao Mr. Brunson e a toda cambada de maus brasileiros que se valeram de uma informação incompetente para mais uma vez lesar gravemente nosso país.



NOTA DA REDAÇÃO: Novembro de 2014, mais de vinte anos depois. As notícias nos dão conta de diversas barragens que estão sendo construídas, algumas em áreas indígenas (que estão dando problemas) e outras em regiões “menos importantes”.
Quando essa matéria sobre o tal Mr. Brunson estava sendo feita, eu conversava (e tive essa honra) com o Prof.. M. P. Godoy sobre os absurdos que foram feitos em nosso meio ambiente. (O Prof. M. P. Godoy faleceu em 14/10/2003). Evidente está, em minhas palavras, que “alguém” conseguiu ganhar um bom ou maldito dinheiro, nessa não construção das escadas de peixes nas barragens construídas. O governador do estado de São Paulo na época era Júlio Prestes de Albuquerque. Foi eleito em 14 de julho de 1927 e governou até 21 de maio de 1930. Foi o 13º governador de São Paulo e seu partido era o PRP – Partido Republicano Paulista – (o número 13 lembra alguma coisa?). Durante seu mandato houve grandes problemas no mundo e o maior deles, com certeza, foi a quebra da Bolsa de Nova York. Portanto foi, durante seu mandato, que o Mr.J. H. Brunson aqui esteve e fez as bobagens que prejudicaram e muito nosso meio ambiente. Será que Sua Excia. Júlio Prestes não “ficou sabendo de nada?”. Também?

2 comentários:

  1. Incompetência,falta de responsabilidade com o meio ambiente e mais; ganância.

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  2. Prezado Geraldo Custódio Custódio: Muito obrigado pela sua participação e opinião. Nosso país está centenas de anos atrasado no que se refere ao nosso meio ambiente aquático, apesar de termos os melhores pesquisadores do mundo nessa questão. Mas não, nossos órgãos governamentais, "responsáveis" por ações nesse sentido, pecam sim por omissões. Com os recursos naturais de que temos em se tratando de regiões como o Pantanal e a Bacia Amazônica, por exemplo, além de milhares de rios e açudes naturais, poderíamos ter o maior atrativo nesse tipo de turismo, gerando milhares de empregos, para atrair turista do mundo inteiro. Mas não, portarias inteligentes protegendo nossos peixes em sua totalidade, não existem. A pesca predatória, praticada por amadores e profissionais, diariamente mata centenas de toneladas de peixes, não respeitando época de desovas, tamanho mínimos, e quantidades. Talvez a pesca seja um segmento que não deva gerar muitos empregos políticos e nem corrupção como agora vemos neste pobre país. Somo um dos poucos países que permitem a pesca profissional em águas interiores. Dizer mais o que meu prezado Geraldo? Mais uma vez obrigado pela sua participação.

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