sexta-feira, 29 de abril de 2016

AVENTURA NO TAQUARI














Eram exatamente 05:00h da manhã quando saímos de São Paulo com destino a Campo Grande (MS), onde havíamos marcado um encontro com o Zimbo, o Carvalho e o Batista, que formariam a equipe Aruanã para mais esta aventura. Os três companheiros vinham de Corumbá, e nos encontramos por volta das 19:00h na capital de Mato Grosso do Sul. Após um bom jantar, seguimos viagem até a cidade de Coxim, nosso ponto de partida. Lá pernoitamos, e no dia seguinte saímos cedo para as compras finais, que incluíam gelo e combustível. Após carregarmos os barcos com toda a tralha – e bota tralha nisso, já que calculamos cerca de 800 kg em cada embarcação – exatamente às 11:30h, demos partida nos Suzuki e começamos a descer o rio Taquari. Depois de quatro horas de viagem e aproximadamente 60 quilômetros percorridos, resolvemos parar e passar a noite em um local conhecido como Barranqueira, já que esses primeiros quilômetros nada de novo nos mostraram, a não ser o assoreamento do rio, que fez com que encalhássemos várias vezes, sendo necessário que descêssemos dos barcos para empurrá-los, bem no meio do rio, para sairmos dos bancos de areia que lá se formam e mudam de lugar cada dia. São incríveis os resultados da depredação que observamos nessa primeira parte da viagem pelo rio. Apesar do calor, após um bom churrasco nos recolhemos cedo, pois a intenção era puxar uns 200 quilômetros no dia seguinte. Nesse ponto do rio, a correnteza tem uma força impressionante, o que faz com que os barrancos laterais desmoronem. Existem casas bem próximas a esse local, e um dia certamente estarão essas casas dentro do leito do rio. Acordamos muito cedo, e perto das 6:30h já estávamos novamente nos barcos, rio abaixo. Navegamos – se é que essa é a palavra apropriada – por oito horas até encontrarmos o local para nosso primeiro acampamento: Santa Luzia. 



Ao longo do trajeto, ainda convivemos com a face depredada do rio. São bancos de areia no meio do leito, praias, árvores enormes encalhadas, água barrenta e vários barrancos altos derrubados pela erosão dentro da água, levando a mata ciliar consigo. O rio Taquari está realmente agonizando. Leia matéria a respeito nessa edição. (NR. Já publicamos no blog Aruanã, como título “Agonia e morte de um rio em fevereiro de 2016”). Santa Luzia é um local muito bonito e agradável, um piquete de fazenda. O sr. Vicente, morador no local, nos autorizou a acampar lá, e debaixo de árvores frondosas, ficamos muito bem instalados. A barraca grande serve de cozinha, e as pequenas são dormitórios individuais para cada um dos companheiros. Com tudo isso, o acampamento ficou muito bem montado, e no lugar ideal, já que estávamos a dez metros do rio, sobre um barranco gramado e a um metro acima no nível da água. Junto ao barranco a correnteza é forte, formando-se pequenas corredeiras de águas rápidas, onde, vez por outra durante a montagem das barracas, pudemos observar vários peixes atacando os lambaris junto às margens, fazendo com que pulassem às dezenas para fora d’água, na ânsia de se proteger do ataque de seus predadores. Seriam pintados? Dourados? A vontade de jogar linha na água era grande, mas foi adiada devido à prioridade da montagem do acampamento, pois a noite logo chegaria. Gastamos uma hora para preparar tudo. Depois, munidos de varas pequenas, pegamos algumas iscas (sauás e sardinhas) e montamos rápidas linhadas de mão mesmo, que foram jogadas peto do barranco, onde estavam acontecendo os “estouros” de peixe. Foi jogar e fisgar dois pintados, sendo um  pequeno e o outro dentro do limite de captura. Fazê-los subir o barranco é que foi difícil, e os dois acabaram escapando, o que valeu uma boa gozação entre os companheiros. Havia perto de nós um pequeno corixo, que segundo o Sr. Vicente, estava muito bom para pacu. 







À frente, uma “praia” desenhada pelo rio com areia e terra, que com o cair da noite passou a abrigar vários jacarés. A propósito: já conhecemos de longa data o Pantanal quase inteiro, e um fato deve ser ressaltado aqui: nunca havíamos visto por lá uma concentração tão grande de jacarés (muitos deles com mais de dois metros de comprimento) como a que ocorreu nesse trecho inicial do rio Taquari. Eles estavam por toda parte, e em qualquer praia, vinte ou trinta jacarés dormitavam ao sol. A noite chegou rápida e na cozinha o Carvalho já mostrava serviço. Vinha de lá o cheiro gostoso de comida: bife à caçarola, arroz, ovos cozidos, salada de tomate e um excelente consomê de piranha, preparado em Corumbá e trazido na geladeira. Para maior comodidade, desta vez trouxemos um gerador portátil Suzuki (modelo SE 700 A) e a luz elétrica esteve presente em nosso acampamento. Após o jantar, sentamo-nos comodamente e recordamos que, até ali, passamos por locais conhecidos como Casa Amarela, Aldeia, Guanabara, Barranco Alto etc. Lembramos também de um acampamento de pescadores de Jaboticabal, que nos serviram um café e que se preparavam para ir embora, pois lá estavam já havia uma semana sem nenhum peixe, com exceção de um ou dois jaús pequenos. Um outro fato que mereceu destaque nessa primeira parte: em um local onde o Taquari tem aproximadamente 150 metros de largura, pudemos avistar uma garça pousada bem no meio do rio e sobre a água! Milagre? Não. É que naquele local o rio tinha aproximadamente três centímetros de “profundidade”. Entre nossas lembranças e conversas, a noite alta trouxe belos espetáculos como as estrelas, o canto dos pássaros pousados ali e os jacarés da praia, cujas brasas vermelhas dos olhos pudemos ver com o auxilio de uma lanterna. Eram mais de cinquenta. E veio o sono, pesado e gostoso. Ainda não havia amanhecido, e um amistoso cheiro de café invadiu o acampamento por volta das 05:30h, nos convidando a levantar, aliado ao grande elemento motivador: era dia de pescaria.




Bocas de baías fechadas
Após o desjejum, partimos rumo ao corixo próximo, e com bolinhas de farinha de mandioca misturada com borras de café, tentamos os pacus na pesca de batida, com as tradicionais varas de bambu. Às 09:00h, havíamos pegado algo em torno de 20 a 30 pacus, dos quais separamos meia dúzia para nosso consumo e soltamos os restantes. Algumas vezes perdemos fisgadas de pacus, o que era quase impossível de acontecer. Ali tinha coisa. E a coisa se mostrou, assim que colocamos um anzol menor, linha e vara mais finas. Começamos a fisgar então os pacus prata (peba). A cada batida da isca n’água, vinha a corrida rápida, e após a fisgada, mostrava-se a esportividade desse pequeno grande peixe. Fisgar o “disco de prata” é coisa para pescador nenhum botar defeito, e além da briga boa, a carne desse pacu, assada na brasa e servida como aperitivo é algo sensacional. Ficamos nesse “duro trabalho” até mais ou menos 11:00h, e aí, devido ao calor, voltamos ao acampamento. Com os braços doendo, mas satisfeitos pela pescaria. Após o almoço, é preciso “fazer hora” até o meio da tarde, quando o sol está menos forte, para poder voltar a pescar. Durante o almoço, ouvimos um ronco de um motor de popa ainda longe. Com a aproximação do barco, percebemos que era uma patrulha da Polícia Florestal. Quatro soldados nos saudaram, transmitindo as boas vindas e trazendo um recado: o Major Rabelo, que o enviara, prometia nos encontrar rio abaixo, na fazenda de nome São José. Almoçaram conosco e seguiram rumo à Coxim, continuando sua patrulha. Após sua saída, aconteceu o único incidente da viagem.
                                       O INCIDENTE
Nossa carga dividia-se em dois barcos. No primeiro, acondicionamos geladeiras, barracas e tralhas de cozinha. Esse foi descarregado quando da montagem do acampamento, e o estávamos utilizando para as pescarias. 
No outro barco, iam somente o combustível e o nosso Suzuki 8 HP, que usávamos para pescar de corrico nos corixos. Estávamos os quatro sentados tomando café após o almoço, quando, de repente, um silvo agudo se fez ouvir, vindo do barco do combustível. O som foi aumentando e agora vinha acompanhado de uma espessa nuvem branca e um ruído de pancadas fortes também dentro do barco. Como ninguém é de ferro e valente só se é quando se sabe o que se está enfrentando, quando o barulho aumentou, cada um correu para um lado e se protegeu atrás de alguma árvore. Os olhos viam, mas os cérebros não conseguiam entender, até que após as fortes pancadas, o bujão de gás bateu no banco do barco e saiu rodopiando por cima do motor de popa, caindo na água a uns dez metros à frente. E saiu boiando. O Batista então pegou o barco e foi buscar o bujão, que havia se rompido (?) logo abaixo do gargalo. O cheiro no acampamento era insuportável. Evidente está que, após o ocorrido, ficou tudo muito engraçado, pois a cena de cada um de nós escondido atrás de uma árvore foi realmente ridícula. Mas, brincadeiras à parte, não é difícil imaginar o que poderia ter acontecido se uma faísca escapasse e atingisse os mais de 400 litros de gasolina que estavam no barco. Ou então, se ao invés desse bujão, que por sorte não estava em uso, acontecesse isso com o bujão instalado no fogão da cozinha. Será que daqui por diante teremos que acrescentar mais essa à nossa lista de preocupações? A propósito: o bujão era da Supergasbras, e fora comprado em Corumbá, pelo Zimbo. Passado o susto, voltamos a calmaria da tarde quente, onde se deixa o corpo ficar como coisa de quem não quer nada. Lá pelas 16:00h, o Batista tirou o 30 HP do barco de pesca e colocou o Suzuki 8 HP, pois era nossa intenção entrar mais no corixo e mesmo sair no campo alagado. Nesse caso, o manejo é mais fácil se estivermos equipados com um motor mais leve. O 8HP da Suzuki mostrou-se ideal para esse tipo de navegação, e o utilizamos também para o corrico dos dourados. Apesar da pouca potência, é um motor muito valente, tendo tocado nosso Marfin 510 da Levefort com relativa facilidade. 




                                                                              Jacarés nas praias
Mais uma vez a tarde foi de pacus e pacus prata. Uma outra preocupação era pegar algumas iscas para que pudéssemos pescar à noite. Com uma varinha pequena, em mais ou menos quinze minutos fisgamos várias sardinhas e sauás, e vez por outra um pacu peba. A noite vinha, apresentada por um maravilhoso pôr do sol, e voltamos para o acampamento. Na descida do corixo avistamos jacarés, capivaras, ariranhas e um casal de mutuns em uma árvore bem próxima. Na ocasião, comentamos que a ausência de medo dos animais e aves, o que significa a ausência do homem por perto. Estávamos então a 270 quilômetros de Coxim, rio abaixo. Um bom banho de rio, roupa e Autan para enfrentar a boca da noite, já que esse é o horário preferido pelos pernilongos. Depois, um delicioso jantar. Eventualmente ouvimos as batidas de peixes junto às margens do rio, mas a esta altura, ninguém tem coragem ou disposição para pescar. Quando muito vamos até a beira do rio e iluminamos a água com a lanterna. Às 20:00h, cada um vai se recolhendo à barraca que lhe cabe, pois o sono está chegando. Desligamos o gerador e nos integramos com a natureza. Eram mais ou menos 23:30h quando ouvi o Zimbo me chamar lá de sua barraca dizendo que havia gente andando pelo acampamento. Saímos para verificar e a tal “gente” era uma boiada de gado nelore, mais ou menos umas quinhentas cabeças, que rodearam nossas barracas. Com jeito, fomos espantando os bois, que saíram tranquilamente e continuaram a pastar. O detalhe interessante foi que o Carvalho nem acordou, e durante todo o desenrolar desse evento, pudemos ouvi-lo roncando dentro de sua barraca, na paz de Deus. Amanhece o terceiro dia e seguimos a mesma rotina: café bem cedo e toca para o corixo para fisgar os pacus. Tivemos nesse dia um luxo adicional: leite fresquinho tirado na hora, que o sr. Vicente nos trouxe. Mais uma vez, fisgamos uma quantidade enorme de pacus de ambas as espécies, e desta vez saíram também um piavuçu grande e uma boa piraputanga. Esta ultima sim, guardamos para o aperitivo. 

O bujão depois do incidente                                                   



Pacus                                                             



                                                                                Piraputanga
No almoço, além do tradicional, tivemos pacu na brasa. Almoço “almoçado” e toca ficar de papo para o ar, esperando o sol abrandar. No final da tarde, os companheiros saíram para pescar novamente e eu fiquei sozinho no acampamento. Fui à beira do rio para um banho, quando vi um dourado atacar um cardume de lambaris. Pude identificar que se tratava de um dourado, pois após o ataque ele pulou com todo seu corpo para fora d’água. Montei uma vara de duas mãos, uma Abu 6500 e coloquei uma isca artificial Bagley modelo Top Gun. Dei alguns arremessos e ele não fisgou. Fiquei então parado esperando o dourado atacar, e quando aconteceu, joguei a isca em cima do ataque. Pronto. De imediato, o dourado fisgou. Em menos de uma hora, fisguei cinco dourados, todos de bom tamanho, e uma dourada-cachorra. Após a fotografia tradicional, segurei dois, um para trazer para São Paulo e o outro para comermos no acampamento. Soltei os demais. Essa foi uma pescaria agradável e divertida, feita do barranco e andando pela margem. É uma sensação diferente fisgar dourados dessa maneira. Mais tarde, voltavam os companheiros com notícias de vários pacus fisgados e soltos. Aqui abro um parêntesis para mencionar que só quem anda pela natureza pode encontrar. Nesse acampamento, fomos “adotados” por uma família de pássaros pretos, chamados no Pantanal de “tordos”. Eram mais de dez passarinhos frequentando o acampamento. Começamos a jogar arroz e migalhas de pão e eles vinham quase a comer em nossas mãos. Andavam em cima das mesas, no chão e dentro da barraca grande. E como um prêmio para nós, cantavam durante horas, fazendo uma grande algazarra. Eles nos adotaram e não permitiam que outros pássaros, como os cardeais e os galos de campina, descessem das árvores para comer as migalhas. Quando algum mais corajoso se atrevia, era imediatamente expulso por dois ou três pássaros pretos. A noite veio rápida e após o jantar começamos a providenciar nossa partida do dia seguinte, deixando tudo encaminhado. 

                                                                                        Armau
À noite o calor é infernal, já que o vento que sopra durante todo dia pára completamente. O jeito é, quando se acorda durante a noite, tomar um banho de rio. Essa noite passou tranquila sem qualquer incidente. Após o café na manhã seguinte, começamos a carregar os barcos, só deixando as barracas, que ainda estavam molhadas do sereno. Mais ou menos às 10:00h, estava tudo desmontado, lixo recolhido, queimado e enterrado. Estávamos prontos para partir. Após nos despedirmos do sr. Vicente, demos partida nos Suzukis 30 HP e lá fomos nós, Taquari abaixo. Após aproximadamente quatro quilômetros, encontramos um acampamento de pescadores profissionais. Paramos lá para um bate papo, e ficamos sabendo que havia pouco peixe, mas que conseguiram fisgar alguns pintados de bom tamanho, um deles com quase 25 quilos, usando anzóis de galho. Seguimos viagem, encalhamos uma, outra vez e, começamos a tomar contato com um fato novo. Nas margens, balsas com dragas estão fechando a entrada de baías e corixos. Aliás, vimos diversas baías já fechadas, o que é fácil de identificar, pois a areia do fechamento é mais branca e fica a um metro de altura da margem normal do rio. Iríamos encontrar ainda mais oito balsas fazendo esse trabalho criminoso. Há notícias de que, após o fechamento das baías, o cheiro de carniça é insuportável, já que são toneladas de peixes que morrem e apodrecem. Meu Deus! Quem é que tem o direito cometer tal crime. Quem são os responsáveis? Quem autorizou? E seguíamos perguntando uns aos outros, todos inconformados. Continuamos nosso percurso, e na Fazenda São José avistamos o avião do Major Rabelo, que já estava nos esperando. Descemos e o Rabelo veio ao nosso encontro na margem. Na cozinha da fazenda, um arroz carreteiro estava pronto para nós. Batemos um bom papo e falamos das balsas. O Major Rabelo veio ao Taquari para, como ele mesmo diz, nos “dar apoio logístico”. Tudo em ordem. Prosseguimos descendo o rio e ele voltou a Corumbá, onde nos aguardaria. 

                                                        Tuiuiús

Navegamos mais algumas horas e a paisagem agora havia mudado completamente, pois os barrancos altos haviam sumido, dando lugar à vegetação natural do Pantanal. Nesse trajeto pudemos rever locais como Caronau, que marca exatamente a metade de nosso percurso, São Bento, Santa Rita, Fazenda São Benedito, Porto São Fernando, Porto Rolon e Piuvinha, onde acampamos. A escolha desse local não foi aleatória, mas sim por ser lá a única opção de terra disponível. Segundo o Batista, este é o ultimo lugar ali onde há terra seca. Montamos apenas as barracas dormitórios já que na fazenda há um barracão velho que nos serviu muito bem de cozinha. Lá ficamos durante um dia e meio, e praticamente não pescamos, a não ser da margem. Dos moradores locais tivemos notícias de que o peixe ainda não havia “subido”, mas que na época certa (junho a agosto) é possível fazer boas pescarias naquelas imediações. Lá não há muitas árvores, e resolvemos descer mais um pouco em busca de um lugar melhor para acampar. Mais ou menos quinze minutos adiante da Piuvinha, tivemos uma surpresa, já que o rio neste trecho tinha largura aproximada de 50 metros e de repente precisamos entrar à direita, em um pequeno rio que mais parecia um corixo. Perguntamos sobre isso ao Batista, que nos informou que aquele corixo era o leito normal do Taquari. Em alguns locais, nesse estreito, o rio tem apenas cinco metros de largura. No entanto, o que se perde em largura ganha-se em beleza de vida selvagem. São milhares de pássaros, principalmente garças, tuiuiús, baguaris, socós, e biguás que levantam vôo ante nossa aproximação. De acordo com os sinais da natureza, essa é uma dica de muito peixe. Carvalho viu por diversas vezes pintados e dourados rebojando. Percorremos durante mais ou menos uma hora esse trecho estreito do rio. Às vezes avistamos margens, água bem limpa, saída de pequenos corixos. De repente, o rio abre novamente e agora nos mostra baías enormes de água limpa. Continuamos, e após uns quinze minutos demos de cara com um imenso curso d’água: o rio Paraguai. 


                                                                               O gerador Suzuki
À esquerda, a menos de dois quilômetros, Porto da Manga. À direita, a 70 quilômetros, Corumbá. Fotografamos a foz do Taquari com o Paraguai e seguimos adiante. Após algum tempo chegamos à fazenda Rabicho, lugar muito bonito e com facilidades para acampar. Paramos os barcos e após uma rápida reunião, resolvemos, já que estávamos tão perto, ir direto para Corumbá. Nossa missão, que era navegar e fazer um levantamento do estado do rio Taquari, está completa. Desde Coxim até a foz com o rio Paraguai, navegamos cerca de 540 quilômetros no Taquari, mostrando que essa viagem de aventura pode ser feita por qualquer pescador amador. Vimos a destruição do rio, praticamente morto em seus primeiros 250 quilômetros. Durante seis dias observamos suas águas barrentas, resultado da ação do homem. Conhecemos mais um pouco do Pantanal, e esta é a nossa principal tarefa: conhecer e mostrar ao pescador amador os caminhos de possíveis aventuras. Apesar de toda a destruição que vimos, temos coragem de recomendar esse trajeto a nossos leitores, já que antes de tudo, tivemos oportunidade de passar por locais onde dificilmente um pescador irá chegar pelas vias comuns, a não ser que faça como nós fizemos.
Saindo de Coxim, só iremos encontrar recursos no Porto da Manga ou em Corumbá. Por si só, este fato garante de antemão a primazia de saber que vamos pisar em locais praticamente virgens, onde muito pouca gente chega. Gastamos aproximadamente 360 litros de combustível no percurso e nas pescarias, incluindo o consumo dos dois barcos e do motor de 8 HP. Valeu a aventura, especialmente por termos convivido e conhecido um pouco mais desse ainda maravilhoso Pantanal.
                                               À esquerda o Major Rabelo e a chegada em Corumbá

                                                EQUIPAMENTOS     
       
Para essa viagem, usamos dois barcos Marfin 510, fabricados pela Levefort, e estamos credenciados para afirmar que não há barco melhor no Brasil para esse tipo de aventura. Por certo, cada um deles transportou perto de 800 quilos, e a navegação foi perfeita em todo o trajeto. Usamos também dois motores Suzuki 30 HP novos. Foi uma dura prova, já que a navegação nos primeiros 250 quilômetros de rio foi bastante difícil. Para pescarias auxiliares e entradas nos corixos, utilizamos um Suzuki 8 HP, cujo desempenho, devemos salientar, foi perfeita. O gerador Suzuki SE700A nos proporcionou luz elétrica no acampamento, e tem capacidade para oito lâmpadas e um freezer, além de contar ainda com corrente para carregar baterias. Utilizamos o gerador durante cinco noites e ele consumiu apenas oito litros de gasolina. Tem motor de quatro tempos. Seu desempenho foi também absolutamente perfeito. Levamos uma barraca grande para cinco pessoas e quatro barracas pequenas, individuais, assim como dois fogões e dois lampiões reservas. Comentar a qualidade desses produtos usados por nós é desnecessário, já que não é essa primeira vez e nem será a ultima vez que eles nos acompanham por esse Brasil afora. Aí está portanto mais uma aventura realizada pela equipe Aruanã, que contou com a equipe integrada por Antonio Lopes da Silva e Orozimbo Decenzo, além do Carvalho que é jornalista em Corumbá e o Batista, soldado da Polícia Florestal de Mato Grosso do Sul, especialmente designado por seu comandante, o Major Rabelo, para acompanhar a equipe e ver de perto todos os problemas ambientais presentes no trajeto pelo rio Taquari. E mais uma vez afirmamos que, apesar de todos os problemas apontados aqui, ainda vale a pena, e muito, visitar o rio Taquari e conviver com o meio ambiente maravilhoso que o Pantanal ainda guarda para nos surpreender. O leitor Aruanã pode agora fazer esse percurso com toda a segurança e informação.

Revista Aruanã Ed. 34 – junho de 1993


sábado, 23 de abril de 2016

FOLCLORE BRASILEIRO --- A GRALHA AZUL













Encontrada em vários estados brasileiros, é bastante conhecida nos bosques e planícies do Paraná. Algumas são brancas, outras azuis e seu pescoço é preto. Alimenta-se de pequenos animais, filhotes e ovos de outros pássaros porque é um corvídeo. Além disso, conta a lenda que a gralha possui uma missão celeste.





Dormia a ave num galho amigo. Nem bem amanhecia o dia, escutou uma batida aguda de machado e o gemido surdo do pinheiro. O homem estava golpeando a árvore para transformá-la em tábuas. Levou anos a natureza para que o pinheiro atingisse aquele porte majestoso e em questão de horas estaria estendido no solo, com os galhos serrados, pronta para a serraria. Com as batidas a gralha acordou. A cada golpe do machado, sentia a pancada repercutir em seu coração. Desesperada, a ave subiu em vôo vertical, não querendo ouvir aquele som, que sabia ser o prenúncio da queda do pinheiro amigo. Subiu o mais que pôde, e lá em cima, além das nuvens, escutou uma voz: - “As aves são seres bons. Se padecem com as dores alheias”. A gralha assustada, subiu mais alto ainda. Mas não adiantou. A mesma voz, calma e terna, se dirigiu novamente a ela: - “Volte, avezinha! Seu lugar não é aqui! De hoje em diante terá a cor azul como da deste céu e vai voltar ao seu pinheiral. Você será minha ajudante e vai plantar os pinheiros, espalhá-los mais e mais. Esta árvore é o símbolo da fraternidade. Ao comer o pinhão, tire-lhe a cabeça. Com seu bico, abre-lhe a casca. Antes de terminar de se alimentar, deverá enterrar alguns pinhões, já de a cabeça, com a ponta para cima, para que a podridão não destrua o novo pinheirinho que dali nascerá. Do pinheiro nasce a pinha, da pinha nasce o pinhão, do pinhão nasce o pinheiro... É assim que os pinheiros vão nascendo. As pinhas alegram as festas, onde o regozijo barulhento é como um bando de gralhas matracando os galhos dos pinheirais...” A gralha atingiu as alturas. Quando olhou seu próprio corpo, observou que estava toda azul. Somente onde seus olhos não alcançavam continuou preta. Ao ver a beleza de sua cor, voltou aos pinheirais. Suas penas, da cor do céu, lhe alegraram o coração antes tristonho. Seu canto, de tão contente, passou a ser um verdadeiro alarido, se parecendo com as vozes de crianças brincando. A gralha azul iniciou seu trabalho de ajudante celeste.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

DICIONÁRIO ARUANÃ PEIXES DO BRASIL - CURIMBATÁ













Ao fisgar um curimbatá, o pescador amador não deve ter pressa para retirá-lo da água. A briga será divertida e durará bom tempo, já que o peixe só se entrega após ter ficado bem cansado.






Ao fisgar um curimbatá, o pescador amador não deve ter pressa para retirá-lo da água. A briga será divertida e durará um bom tempo, já que o peixe só se entrega após ter ficado bem cansado.


Cientificamente classificado como Prochilodus scrofa, o curimbatá não tem sua carne classificada como boa pelo fato de se alimentar no lodo, o que prejudica seu sabor, mas a esportividade que ele proporciona quando fisgado compensa sua pesca. Comum em nossos rios pode ser encontrado praticamente em todo o Brasil, existindo pelo menos duas dezenas de peixes diferentes desta espécie. Nas represas, sua pesca só é possível devido a peixamentos efetuados anteriormente. A fêmea desenvolve mais que o macho, atingindo cerda de 70 cm e quase 7 quilos de peso, contra menos de 3 quilos e 55 cm do macho. Curimbatá-da-lagoa, curimbatá-uvu, saguiru e soguaguá são sinônimos desse peixe de coloração prateada e muito ativo, já que chega a percorrer até 16 quilômetros em um dia quando em seu ambiente natural. A melhor época para sua pesca ocorre no período compreendido entre a primavera e o verão, mas podemos encontrar o curimbatá durante todo ano. Entre todos os peixes de água doce, é uma das espécies mais difíceis de serem fisgadas, sendo preciso muita sensibilidade do pescador para perceber o momento em que o peixe ataca a isca, o que se traduz em leve envergar da ponta da vara. Possui boca pequena, de onde proveio sua fama de “mamar” a isca antes de morder, estando exatamente nessa característica a dificuldade de fisgá-lo. A presença do curimbatá é inevitável nos locais onde se prepara uma ceva para piaus ou piabas, que pode ser constituída de milho, restos de comida ou mesmo sobras de queijo. Como iscas recomenda-se a tradicional massa de farinha (mandioca ou trigo), pequenos pedaços de queijo, minhocas, caranguejo e milho verde. O equipamento apropriado é o de categoria leve a média, usando-se vara simples ou vara com molinete ou carretilha, de ponta flexível, além da linha de bitola 0.30 a 0.45 mm e anzol de tamanho pequeno. O chumbo deverá ser o de formato oliva, variando seu peso de acordo com a correnteza do pesqueiro. 

sexta-feira, 15 de abril de 2016

DICA - AS CORES NA ÁGUA AZUL








Rio de litoral.

Todos os peixes são predadores. Partindo-se dessa afirmação, sabemos que eles usam, quando estão “caçando”, a visão, o olfato, o tato e principalmente a audição. Aliás, este último é o mais pronunciado e usado nos sentidos do peixe, já que a linha lateral do corpo de todos os peixes constitui-se praticamente de “uma fileira de ouvidos”. Antes de ver, um peixe ouve os movimentos de sua presa, e assim ele vai em sua direção, para então, dentro de seu diminuto raio de ação visual, ataca-la. Com a presa na boca, pronunciam-se então os outros sentidos, como o olfato e o paladar. Nesse exato momento, com a presa na boca, ele decide se engole o alimento ou não. Quando se trata de uma isca artificial, material sem cheiro ou sabor, não há porque o peixe engolir, mas o simples fato de tê-la pegado na boca, já é o bastante para ser fisgado pelos anzóis. Ora, precisamos então, mais do que nunca, garantir que o peixe abocanhe nossa isca artificial para que se proceda a fisgada.




Cavala.

Daí a importância de fazermos com que elas se pareçam em forma, cor, e movimentos com uma isca natural, Ou seja: para que os peixes se sintam atraídos por elas. A visão dos peixes, afirmam os cientistas, é diferente da visão humana, já que nós nos baseamos mais na percepção das cores, enquanto os peixes focam mais os contrastes. Além disso, os humanos enxergam as coisas basicamente do mesmo modo, enquanto os peixes, dependendo da espécie à qual pertencem, enxergarão de maneira diferente, baseados também nas condições de seu meio ambiente e comportamento. Sabemos por exemplo que a luz do sol incide do ar para a água e é refletida, inclinada e refratada, movendo-se irregularmente de acordo com as ondulações. Partículas em suspensão e plâcton na água dispersam a claridade, que se torna difusa. Conforme aumenta a profundidade, também a cor da luz é alterada. Diferentes comprimentos de ondas de luz são absorvidos e dispersos em diversos padrões, dependendo da profundidade e da composição da água.



Olho de albacora. 

As águas claras, por exemplo, propagam ondas curtas de luz, enquanto águas com partículas em suspensão absorvem essas ondas. Daí a informação científica de que peixes que vivem próximos à superfície podem perceber uma grande gama de cores (tons), mas os peixes que vivem em grandes profundidades ou em águas mais escuras limitam-se a perceber um ou dois tons de cores de luz. Afirmam ainda os cientistas que, se nos movermos abaixo da superfície da água, comprovaremos que a luz, a visão e o comportamento dos peixes variam muito à medida que nos afastarmos da costa, alterando também o modo como isso irá influenciar nossas pescarias. As águas marinhas estão classificadas cientificamente em onze padrões ópticos, dependendo das variáveis ambientais, tais como: profundidade, salinidade, temperatura, claridade e a própria cor da água. Definidas por eles como “águas de Jerlov”, cada uma dessas classes absorve e transmite luz em diferentes comprimentos de ondas.

Mar azul.

Dourado do mar.

Chega-se então a um denominador comum: a cor azul é predominante porque na superfície o azul é o ultimo comprimento de onda absorvido, à medida que a luz vai atingindo maiores profundidades. Em águas costeiras a cor dominante seria um verde amarelado. Normalmente, os cientistas atribuem a variação das cores aos olhos do peixe às características de seu habitat. Por exemplo, os peixes de bico em geral são sensíveis às cores azul-claras, enquanto os cações o são em relação ao amarelo claro e os peixes de água salobra às cores avermelhadas. Isto significa então que um pescador deve obrigatoriamente optar por usar iscas azuis para pescar os bicos? De modo algum. Ali, um objeto também azul ficaria perfeitamente camuflado em relação ao fundo, o que o tornaria quase invisível. É por isso que muitos peixes de água oceânicas (água azul) tornam-se também azulados. Ao invés de se preocupar principalmente com a cor da isca, o pescador deverá, antes de tudo, observar seu contraste com a água e o mais importante de tudo: o barulho que a mesma faz e o modo como se movimenta.


Isca artificial.

Atum.

No NMFS Aquarium, em Woods Hole (EUA), cientistas observaram um peixe liso e um peixe listrado. O movimento da refração da luz denunciou a presença do peixe liso, mas dificilmente foi percebida a presença do peixe listrado. Em dias nublados, o reflexo diminui consideravelmente. À noite, a lua também causa reflexos, porém de baixa intensidade. Conclusão: os olhos de diferentes peixes são particularmente sensíveis ao reflexo em diferentes frequências, o que facilita com que os predadores detectem “flashes” de luz no corpo brilhante de sua vítimas. Quanto mais a isca artificial se destacar do fundo, maior será sua chance de atrair o predador. Pescando em um dia claro, com muitos reflexos de luz na água, iscas brilhantes serão difíceis de serem avistadas pelo peixe, enquanto as mais escuras e opacas serão mais visíveis. Num dia nublado, com poucos reflexos, uma isca fluorescente ou brilhante irá se sobressair mais contra o fundo, difundindo a luz e sendo então a melhor opção para a pesca.



Cação do Rio Grande do Sul. 

Mais uma afirmação: uma pescaria terá melhores resultados se for praticada com água agitada do que quando o mar estiver calmo. Esse conceito pode parecer estranho ao pescador amador, no entanto pescadores profissionais de atum, em dias calmos e com a superfície do mar lisa, usam um sistema de spray de água para agitar a superfície e assim camuflar melhor suas linhas e iscas. E isto, comprovadamente, funciona. Os olhos dos peixes são muito bons para julgar tamanhos e distâncias, mas não detalhes e cores. Se você quiser que uma isca artificial seja bem visível, tente usar algo oposto às condições do ambiente. Assim sendo, se a água for escura e nebulosa, use algo brilhante e que favoreça reflexos. Ao contrário, se a agua for clara e brilhante, use algo que tenha silhueta escura. Algumas vezes, a combinação claro/escuro funciona muito bem em uma isca. Perceba como são as iscas para a pesca oceânica, não importa a cor. Compare por exemplo uma “saia” brilhante a uma “saia” escura e opaca.



Pesqueiro junto a ilhas. 

Não é a cor que realmente importa aqui, mas o contraste causado pelo brilho. Segundo os cientistas R.H. Douglas e C.W. Hawryshyn, em seu estudo intitulado Behavorial Studies of Fishs Vision (Estudos Comportamentais da Visão dos Peixes), “...uma imagem completamente estática fornece relativamente poucas informações úteis a um peixe, sendo com frequência, somente quando alguma coisa se move é que pode ser localizada a identificada”.
                                                 DICAS PARA A PESCARIA
Evite iscas de cores claras e brilhantes quando for pescar em águas agitadas ou quando o sol estiver muito brilhante e “faiscando” sobre a água – as iscas irão se fundir com os reflexos da superfície. Use iscas escuras. Use iscas prateadas ou que reflitam a luz em dias escuros e nublados, ou nos horários em que o sol esteja baixo no céu.



Linha lateral do corpo do peixe. 

Em águas claras, use iscas com silhuetas escuras. Em águas escuras ou nebulosas, utilize iscas brilhantes e que ocasionem flashes de luz. Em condições intermediárias, maximize o contraste na própria isca, optando por aquelas que combinem cores escuras e claras. Escolha iscas mais escuras para trabalhar na superfície e iscas mais claras para maiores profundidades. Finalmente, podemos dizer que a graduação de visão das cores que um peixe tem depende de quantos tipos diferentes de pigmentos visuais ou receptores de cor que existem em seus olhos. Se houver apenas um pigmento (e isso ocorre em várias espécies), o peixe é cego. Se houver dois pigmentos, ele será capaz de discriminar limitadamente as cores. Uma espécie (é raro) com três pigmentos visuais, como ocorre com os humanos, conseguirá ter uma boa visão das cores. Os pigmentos visuais são medidos pelo comprimento de ondas (nm) de luz aos quais respondem.




Lula artificial.

Várias espécies de peixes estudadas por J.N. Lythgoe (1984) têm dois pigmentos, um deles sensível às ondas curtas de luz azulada na escala de 440 a 4560 nm e outro sensível à luz verde entre 520 a 540 nm. As cores que um peixe pode ver geralmente se equiparam à luz disponível em seu meio ambiente. Tal fato nos faz raciocinar da seguinte maneira: deveremos nos preocupar em usar iscas artificiais o mais parecidas possível, em matéria de cores, às cores dos peixes com os quais o predador está acostumado a se alimentar em seu meio ambiente. Evidente está que o barulho da isca artificial também é muito importante na hora da pescaria. Citamos como exemplo as iscas artificiais denominadas de lulas: essas iscas, quando utilizadas no sistema de corrico, vêm surfando e pulando na superfície, imitando com perfeição um peixe voador. Se além de imitar as “alegorias” de um peixe voador a isca também tiver cores parecidas com as dele, melhor será o resultado.






Revista Aruanã Ed. 47 outubro 1995.
NOTA DA REDAÇÃO: Em outubro de 1990, nós postamos aqui no blog, outra matéria sobre cores e iscas artificiais, com o título “Os peixes vêem cores”. Essa matéria foi publicada na Revista Aruanã em outubro de 1990. A que hoje postamos, foi publicada na Revista Aruanã em sua edição 47, outubro de 1995. Decorridos, portanto, da primeira 26 anos, ninguém a desmentiu ou contestou. A segunda publicada em 1995, portanto, a mais de 21 anos, também nada constou contra na opinião de leitores da Aruanã. Fica então a pergunta a você pescador: qual é sua cor favorita? Abraço. Antonio Lopes da Silva

sexta-feira, 8 de abril de 2016

ESPECIAL TUCUNARÉ: UM INTRUSO NO PANTANAL





Uma nova espécie está habitando as águas do Pantanal. As informações sobre o tucunaré “pantaneiro” são as mais desencontradas possíveis. Fomos ao rio Piqueri saber do tucunaré e realizar mais um roteiro de pesca para o pescador amador. Confira.






Para se chegar rio Piqueri, vamos tomar por base a cidade de Cuiabá (MT). Partindo-se de São Paulo, são 1.680 km, via Três Lagoas, em estrada totalmente pavimentada. Em Cuiabá, vamos andar mais 91 km, também em estrada pavimentada, para então chegarmos á cidade de Poconé. É exatamente desse ponto em diante que começa um trajeto que pode ser considerado como uma verdadeira aventura, pois nos 144 km que nos separam de Porto Jofre, às margens do rio São Lourenço, nossa parada final, a paisagem e a vida selvagem estão presentes durante todo o trajeto. Em todo o percurso vamos encontrar uma estrada de terra muito bem cascalhada, mas que deve ser percorrida com cuidado, procurando não ultrapassar os 50 km/h. Essa estrada, aliás como todas no Pantanal, foi construída da seguinte forma: tirou-se terra dos dois lados da estrada, o que terminou por formar um aterro de mais ou menos 1 metro de altura, que passou então a ser o leito da nova estrada. Ao seu lado restaram os buracos de onde a terra foi extraída, que viraram extensas lagoas, com muita vida selvagem girando em torno delas. 



São peixes, aves e animais que hoje habitam essas lagoas. Pois bem. Estamos na estrada e no máximo a 50 km/h, e devagar, lá vamos nós até o destino final atravessando exatamente 129 pontes de madeira sem acostamento, mas que são uma verdadeira maravilha, tal é a limpidez das águas. Pode-se até ver piraputangas... e pesca-las. Outros habitantes dos arredores dessa estrada são as capivaras e os jacarés. As primeiras em bandos de 10 ou mais indivíduos, e os jacarés, dormitando ao sol, nos fazem brecar o carro e até buzinar para que saiam do meio da estrada. Alguns, inclusive, nos obrigaram a descer do carro e, claro com cautela, espantá-los para que pudéssemos seguir viagem. Em nossa companhia estavam o Wilson Feitosa, proprietário da Pousada Santa Maria e o Rogério Gullich, do Hotel Diplomata em Cuiabá. Essa viagem de Poconé até o São Lourenço (Porto Jofre) é muito bonita apesar de cansativa. Durante o trajeto vimos cervos, aranquãs, mutuns, jacutingas, araras, tucanos, papagaios, tuiuiús e muitos jacarés. Finalmente, após 9 horas de viagem, chegamos a Porto Jofre, às margens do São Lourenço. 


A Pousada Santa Maria, onde ficamos hospedados, está do outro lado do rio, 2 km abaixo. No primeiro dia ficamos na Pousada, conhecendo o lugar. Trata-se de uma casa muito antiga de fazenda, com mais de 60 anos de existência que foi “ajeitada” para se transformar em um pesqueiro. É uma casa muito bonita, cuja estrutura original foi mantida. Considerado um estabelecimento pequeno, pois aloja somente 32 hospedes/pescadores, talvez esteja aí o segredo do conforto de suas acomodações. Na parte de pesca, conta com 17 barcos entre 5 e 6 m e 17 motores entre 25 e 40 HP. As acomodações da Pousada estão divididas em 4 apartamentos e 3 chalés. Passamos o resto do dia conhecendo o local e preparando o material de pesca, já que no dia seguinte iríamos realmente pescar. De manhã bem cedo, embarcamos rumo ao rio Piqueri, cuja foz está há mais ou menos 20 minutos subindo o São Lourenço. Nessa pescaria entrou ainda na equipe o Reinaldo Santos, o gerente da Pousada e um excelente pescador com iscas artificiais. A água do São Lourenço estava um pouco suja e a do Piqueri ligeiramente mais limpa. 





Começamos por pescar dourados, que nesse rio estão nas galhadas afundadas onde, com a força das águas, formam-se corredeiras. Fisgamos aproximadamente 8 peixes, todos do tamanho limite. Fomos pescando e subindo, já que nossa meta eram as baías, onde estavam os tucunarés. Para se chegar à primeira baía, gasta-se com motor 25 HP cerca de 2 horas. Como referência, anotamos a Fazenda Mangueiral, que fica à esquerda de quem sobe o rio. São cerca de 65 km até a primeira baía, de nome “Boca do Baguari”. Pescamos ainda em mais duas, lá conhecidas como Santa Mônica e Poleiro. A curiosidade desse trecho foi ver uma onça-preta enorme atravessando a nado o Piqueri. Entramos na primeira baía e aqui começou a dar um “revertério” na nossa cabeça, já que largamos o material de dourado e passamos a um material mais leve, iscas artificiais menores e linha bitola 0.35 mm. Demos os primeiros lances e o resultado não se fez esperar: um tucunaré azul, de mais de 1 kg, estava preso em nossa isca. Foi realmente engraçado estar no Pantanal, em rio do Pantanal, e fisgar um tucunaré. É demais para a cabeça de qualquer um. Passamos boa parte da manhã e início da tarde às voltas com os “intrusos” do Pantanal. 



Fisgamos aproximadamente 30 peixes, variando seu peso entre 1 e 4 kg. Nossa informação é que existe tucunaré para ninguém botar defeito, aliás, só vimos pescaria com tanto peixe assim no Rio Negro e no rio Araguaia, e até nos bons tempos de Itumbiara. No meio da pescaria, começamos a lembrar de como o tucunaré chegou ao Pantanal. A história verdadeira diz que um fazendeiro da região do rio Itiquira, possuía um lago enorme em sua fazenda. Como era fá do tucunaré, levou alguns alevinos para essa lagoa e o peixe se adaptou muito bem. Com a cheia de 1976, essa lagoa transbordou, levando então os peixes para o rio Itiquira. Desde essa época vem descendo, já estando agora no rio Piqueri, e queira Deus que venha para o São Lourenço abaixo e chegue logo no rio Paraguai. Muita bobagem sobre o tucunaré no Pantanal tem sido dita por pessoas que não entendem do assunto, como por exemplo, que ele iria acabar com os peixes da região. Isso realmente é “conversa para boi dormir”, ou então de quem quer se autopromover. Nós da Aruanã constatamos in loco que todas as espécies estão juntas e sobrevivendo normalmente.



Mas fomos mais longe, buscando também a opinião do Prof. Dr. Heraldo A. Britski, considerado umas das maiores autoridades mundiais sobre peixes de água doce brasileiros. O leitor poderá ler ao final da matéria a opinião desse cientista. Mas outra grande e boa surpresa estava reservada a nós no Piqueri. Nas entradas das baías, enquanto pescávamos tucunarés mais para dentro, víamos, vez por outra, peixes fazendo evoluções na superfície da água. Pensando tratar-se de tucunarés, nos aproximamos com o barco e demos alguns lances com iscas de superfície. Como não houve ação nessas iscas, resolvemos usar iscas de meia-água e corricar no local, por intermédio de arremessos. Não deu outra. Logo um peixe fisgou e após uma boa e demorada briga, soubemos “quem” era: um pacu. Aliás pegamos dois em seguida. Pacu fisgado em isca artificial – na época – foi para nós, velhos conhecedores do Pantanal, uma grande surpresa. A isca usada na pesca do pacu foi uma Rapala Jointed (articulada). À tarde, voltamos para a Pousada. No dia seguinte fomos novamente ao Piqueri, e desta vez atrás dos dourados e pintados. 





Com os dourados tivemos sucesso novamente, chegando mesmo a fisgar dois em uma só isca artificial, uma Red Fin 900. Perdemos os dois. Em um poço do rio, os companheiros fisgaram um pintado de mais de 20 kg usando como isca um piau três pintas. Havia vários pescadores profissionais pescando de linhada e todos eles estavam com pintados enormes dentro de suas canoas. No ultimo dia, dedicados à pesca de pacu na batida, usamos como isca o tucum e uma fruta da época, o cajá. Essa fruta de cor amarela apresenta-se em várias árvores à beira do rio, o que já era uma boa indicação de isca. Lá no São Lourenço, os piloteiros chamam-na de “acaiá”. Ai está portanto mais um roteiro, desta feita no rio Piqueri, com seus maravilhosos tucunarés. Agradecemos ao Wilson Feitosa e Reinaldo dos Santos, da Pousada Santa Maria, e ao Rogério Gullich, do Hotel Diplomata em Cuiabá. Muito obrigados a todos. E para quem quiser contatar a Pousada Santa Maria, para informações e reservas, os telefones são: (011) 791-1265 e 414-6564, em São Paulo. (NR: confirmar esses tels. atualmente).



INFORMAÇÃO
À Revista Aruanã: Tendo em conta a solicitação a respeito da proliferação do tucunaré na região do Pantanal, fato que não pude observar pessoalmente, mas que tenho tomado conhecimento através de diferentes informações, devo manifestar o seguinte: Não acredito que “o tucunaré vai acabar com os outros peixes do Pantanal como se tem dito, pensando que esse peixe seja uma praga que deverá dizimar as demais espécies. Se isso fosse correto, caberia por perguntar: “De que se alimentará o tucunaré depois que dizimar outras espécies ou depois que seu número for maior que o das demais espécies? Tem ocorrido com certa frequência que a espécie introduzida em outro sistema hídrico pode, inicialmente proliferar rapidamente ao encontrar um nicho ecológico não ocupado, exercendo, no caso de peixe de hábitos carnívoros como o tucunaré, uma predação sobre espécies que não criaram defesas contra esse predador. Entretanto, após esse aumento inicial às vezes explosivo, ocorre uma deplecção progressiva nas populações da espécie introduzida até ocorrer o equilíbrio com as demais. Essa é a tendência natural observada.



 Citarei apenas um exemplo que ilustra esse fato. Na década de 50 o dourado (Salminus maxillosus) foi introduzido na bacia do rio Paraíba do Sul, Estado de São Paulo, onde anteriormente não ocorria, e teve um desenvolvimento explosivo, naquela bacia. Constituía-se, então, na grande atração dos pescadores daquele vale. Hoje, passado 30 a 40 anos, é muito difícil capturar um dourado naquele rio. É isso, que presumo, acontecerá com o tucunaré do Pantanal. Apesar dessa minha suposição, que devo categoricamente manifestar que ela não significa uma aprovação ao transplante indiscriminado de espécies de um sistema para outros; pelo contrário, penso que tais atitudes devem ser enfaticamente condenadas, pois introduções de espécies exóticas sempre representam uma desestabilização maior ou menor das comunidades naturais e só devem efetivar-se após um estudo prévio que possa determinar suas consequências para as populações nativas.
Prof. Dr. Heraldo A Britski
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo – SP

Revista Aruanã Ed. 39 publicada em abril de 1994