Muitas vezes, a falta de informação pode levar o pescador
amador a colocar em risco sua saúde e a de seus familiares, principalmente
quando leva para casa peixes que, por quaisquer razões, são impróprios para
consumo.
|
Rio em Cananeia.
As tainhas da região de Cananeia (SP) estão seriamente
doentes e podem prejudicar a saúde de quem as consome, mais especificamente
quando ingeridas cruas. Para saber mais detalhes sobre o que está ocorrendo com
esses peixes, entrevistamos os biólogos Gilberto Cezar Pavanelli, do
Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá (PR) e Maria José
Tavares Ranzani de Paiva, do Departamento de Biologia do Instituto de Pesca do
Estado de São Paulo. Diz o Dr. Pavanelli: “Na edição 41 da Aruanã, publicada em
outubro de 1994, escrevi um artigo sobre vários peixes de água doce que
apresentavam “lombriguinhas” em sua carne e vísceras. Naquela oportunidade
destaquei o fato de que aqueles vermes, apesar de bastante comuns em muitas
espécies de peixes, felizmente não prejudicavam a saúde do homem. No entanto, agora
a história parece ser diferente. Temos recebido várias informações de que
muitas tainhas – quase a totalidade das capturadas na região de Cananeia, em
São Paulo – encontram-se contaminadas por um tipo de larva conhecido como metarcecária,
de um verme cientificamente denominado de Phagicola longus. Este verme, quando adulto, é encontrado normalmente como parasita
no organismo de uma série de animais cuja dieta se constitui de peixes, em
especial garças, socós e pelicanos, entre outros. Esses parasitas alojam-se no
intestino desses animais, ocasionando o aparecimento de vários sintomas
específicos, tais como dores abdominais, diarreias e alterações no sangue.
|
|
Ciclo esquemático do parasita Phagicola longus – (Ilustração Jaime Luiz NUPELA/UEM)
.Quando o homem se alimenta de uma tainha contaminada pelas
tais larvas, que se encontram espalhadas pelas vísceras e pela carne desse
peixe, então ele irá desenvolver o verme no seu intestino e passará a
apresentar sintomas típicos da parasitose, como cólicas, flatulência (formação
de gases no estômago e intestinos), diarreia e outros estados característicos
de verminose em geral. Comumente, o consumo de tainhas contaminadas ocorre
através do sushi e do sashimi, pratos típicos da cozinha oriental, onde a carne
do peixe é ingerida crua. Outro aspecto a ser destacado a respeito da doença é
o fato de que muitos médicos, bem como a maioria de laboratórios de análises,
ainda não estão preparados para diagnostica-la, já que se trata de uma
parasitose relativamente recente, cujos sintomas podem ser confundidos com os
de outras verminoses intestinais.”.
“No Brasil, o primeiro caso comprovado dessa doença foi
registrado exatamente na região de Cananeia, em 1990. De lá para cá, vários
novos casos foram sendo constatados, levando a crer que o número de doentes ainda
deverá aumentar consideravelmente, principalmente nas regiões litorâneas onde a
pesca da tainha é mais comum”.
“Porém, há um fato relativamente tranquilizador para nossa
saúde: a princípio, os parasitas podem ser combatidos com sucesso através da
utilização dos vermicidas disponíveis no mercado. De qualquer maneira, é
necessário que as autoridades da área da saúde pública fiquem atentas, pois com
a disseminação do hábito de ingerir peixes crus, esse problema pode se
transformar numa perigosa zoonose (doenças transmitida ao homem por animais)
com significativa repercussão para a saúde da população apreciadora da
culinária oriental.”
|
|
Tainha.
“Por outro lado, as pessoas que consomem tainhas assadas e
recheadas, fritas ou ensopadas não precisam se preocupar. Quando o peixe é
preparado dessa forma, as eventuais larvas que possam estar presentes são
destruídas pela ação do calor e não causam nenhum problema para a saúde.” Por
indicação do Dr. Pavanelli, entramos em contato com a Drª Maria José Tavares
Ranzani de Paiva, bióloga do Instituto de Pesca de São Paulo, em busca de mais
informações. Diz ela: “Tive a oportunidade de realizar algumas pesquisas com as
tainhas de Cananeia no período de 1988 até 1996, pesquisas essas que inclusive
serviram de tema para a minha tese em doutorado. Os resultados que obtive
apontaram a presença do Phagicola longus em 100% das tainhas
investigadas.”.
“Não posso afirmar que em outras regiões do Brasil as tainhas
também estejam contaminadas por esse verme, já que para isso seria necessário
que houvessem sido realizadas pesquisas científicas em cada área específica,
coisa que infelizmente ainda não ocorreu. No entanto, com base nas
características de infestação constatadas nos peixes de Cananeia, acreditamos
que existe uma grande probabilidade das tainhas de outras regiões também serem
portadoras desse verme. Outro dado importante a ser ressaltado é que, segundo
informações que obtivemos, já foram oficialmente registrados mais de 10 casos
comprovadamente de infecção ocasionada por essa verminose”.
|
|
Cisto de Trematóide
|
|
Drª Maria José T.Ranzani de Paiva - Dr.
Gilberto Pavanelli.
Finalmente o Dr. Pavanelli aconselha: “Como medida
preventiva, a carne de tainha não deve ser consumida crua em hipótese alguma”.
De acordo com as informações obtidas junto a dois renomados biólogos
brasileiros, ficou aqui demonstrada a gravidade de problema que vem ocorrendo
com as tainhas, colocando em risco a saúde de milhares de pessoas. Seria
conveniente que nossas autoridades da área de saúde se preocupassem com a
existência dessa verminose nas tainhas de Cananeia e com a realização de pesquisas
científicas em outras regiões do Brasil a fim de averiguar se o Phagicula
longus também está presente
em tainhas e demais espécies de peixes provenientes dessas regiões. Certamente
o pescador concordará que não vale a pena trazer riscos à saúde insistindo no
consumo dos tradicionais sushis e sashimis, pelo menos enquanto ainda não há
certeza acerca da presença da larva no organismo de outras espécies de peixes, No momento, é realmente aconselhável
abandonar o hábito de comer peixe cru, até que as autoridades da saúde pública
se pronunciem a respeito.
NOTA DA REDAÇÃO: Os biólogos do Departamento de Biologia do
Instituto de Pesca do Estado de São Paulo estão à disposição da população para
esclarecimento de dúvidas e também para receber comunicações acerca do
aparecimento de novos casos de contaminação por essa verminose. O endereço do
Instituto de Pesca é: Av. Francisco Matarazzo, 455 Parque da Água Branca – São
Paulo – SP – CEP 05031-900. Também podem ser feitos contatos através do
telefone (011) 262-3360 ramal 213. (deverá ser
confirmado este endereço e telefone do Instituto de pesca).
|
|
Revista Aruanã Edição nº50
- 04/1996
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário