sexta-feira, 23 de setembro de 2016

ESPECIAL: TAINHA CRUA: SAÚDE EM RISCO









Muitas vezes, a falta de informação pode levar o pescador amador a colocar em risco sua saúde e a de seus familiares, principalmente quando leva para casa peixes que, por quaisquer razões, são impróprios para consumo.









Rio em Cananeia.

As tainhas da região de Cananeia (SP) estão seriamente doentes e podem prejudicar a saúde de quem as consome, mais especificamente quando ingeridas cruas. Para saber mais detalhes sobre o que está ocorrendo com esses peixes, entrevistamos os biólogos Gilberto Cezar Pavanelli, do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá (PR) e Maria José Tavares Ranzani de Paiva, do Departamento de Biologia do Instituto de Pesca do Estado de São Paulo. Diz o Dr. Pavanelli: “Na edição 41 da Aruanã, publicada em outubro de 1994, escrevi um artigo sobre vários peixes de água doce que apresentavam “lombriguinhas” em sua carne e vísceras. Naquela oportunidade destaquei o fato de que aqueles vermes, apesar de bastante comuns em muitas espécies de peixes, felizmente não prejudicavam a saúde do homem. No entanto, agora a história parece ser diferente. Temos recebido várias informações de que muitas tainhas – quase a totalidade das capturadas na região de Cananeia, em São Paulo – encontram-se contaminadas por um tipo de larva conhecido como metarcecária, de um verme cientificamente denominado de Phagicola longus. Este verme, quando adulto, é encontrado normalmente como parasita no organismo de uma série de animais cuja dieta se constitui de peixes, em especial garças, socós e pelicanos, entre outros. Esses parasitas alojam-se no intestino desses animais, ocasionando o aparecimento de vários sintomas específicos, tais como dores abdominais, diarreias e alterações no sangue.




Ciclo esquemático do parasita Phagicola longus – (Ilustração Jaime Luiz NUPELA/UEM)

.Quando o homem se alimenta de uma tainha contaminada pelas tais larvas, que se encontram espalhadas pelas vísceras e pela carne desse peixe, então ele irá desenvolver o verme no seu intestino e passará a apresentar sintomas típicos da parasitose, como cólicas, flatulência (formação de gases no estômago e intestinos), diarreia e outros estados característicos de verminose em geral. Comumente, o consumo de tainhas contaminadas ocorre através do sushi e do sashimi, pratos típicos da cozinha oriental, onde a carne do peixe é ingerida crua. Outro aspecto a ser destacado a respeito da doença é o fato de que muitos médicos, bem como a maioria de laboratórios de análises, ainda não estão preparados para diagnostica-la, já que se trata de uma parasitose relativamente recente, cujos sintomas podem ser confundidos com os de outras verminoses intestinais.”.
“No Brasil, o primeiro caso comprovado dessa doença foi registrado exatamente na região de Cananeia, em 1990. De lá para cá, vários novos casos foram sendo constatados, levando a crer que o número de doentes ainda deverá aumentar consideravelmente, principalmente nas regiões litorâneas onde a pesca da tainha é mais comum”.
“Porém, há um fato relativamente tranquilizador para nossa saúde: a princípio, os parasitas podem ser combatidos com sucesso através da utilização dos vermicidas disponíveis no mercado. De qualquer maneira, é necessário que as autoridades da área da saúde pública fiquem atentas, pois com a disseminação do hábito de ingerir peixes crus, esse problema pode se transformar numa perigosa zoonose (doenças transmitida ao homem por animais) com significativa repercussão para a saúde da população apreciadora da culinária oriental.” 




Tainha.

“Por outro lado, as pessoas que consomem tainhas assadas e recheadas, fritas ou ensopadas não precisam se preocupar. Quando o peixe é preparado dessa forma, as eventuais larvas que possam estar presentes são destruídas pela ação do calor e não causam nenhum problema para a saúde.” Por indicação do Dr. Pavanelli, entramos em contato com a Drª Maria José Tavares Ranzani de Paiva, bióloga do Instituto de Pesca de São Paulo, em busca de mais informações. Diz ela: “Tive a oportunidade de realizar algumas pesquisas com as tainhas de Cananeia no período de 1988 até 1996, pesquisas essas que inclusive serviram de tema para a minha tese em doutorado. Os resultados que obtive apontaram a presença do Phagicola longus em 100% das tainhas investigadas.”.
“Não posso afirmar que em outras regiões do Brasil as tainhas também estejam contaminadas por esse verme, já que para isso seria necessário que houvessem sido realizadas pesquisas científicas em cada área específica, coisa que infelizmente ainda não ocorreu. No entanto, com base nas características de infestação constatadas nos peixes de Cananeia, acreditamos que existe uma grande probabilidade das tainhas de outras regiões também serem portadoras desse verme. Outro dado importante a ser ressaltado é que, segundo informações que obtivemos, já foram oficialmente registrados mais de 10 casos comprovadamente de infecção ocasionada por essa verminose”. 



Cisto de Trematóide




Drª Maria José T.Ranzani de Paiva  -                                           Dr. Gilberto Pavanelli.

Finalmente o Dr. Pavanelli aconselha: “Como medida preventiva, a carne de tainha não deve ser consumida crua em hipótese alguma”. De acordo com as informações obtidas junto a dois renomados biólogos brasileiros, ficou aqui demonstrada a gravidade de problema que vem ocorrendo com as tainhas, colocando em risco a saúde de milhares de pessoas. Seria conveniente que nossas autoridades da área de saúde se preocupassem com a existência dessa verminose nas tainhas de Cananeia e com a realização de pesquisas científicas em outras regiões do Brasil a fim de averiguar se o Phagicula longus também está presente em tainhas e demais espécies de peixes provenientes dessas regiões. Certamente o pescador concordará que não vale a pena trazer riscos à saúde insistindo no consumo dos tradicionais sushis e sashimis, pelo menos enquanto ainda não há certeza acerca da presença da larva no organismo de outras espécies de peixes, No momento, é realmente aconselhável abandonar o hábito de comer peixe cru, até que as autoridades da saúde pública se pronunciem a respeito.
NOTA DA REDAÇÃO: Os biólogos do Departamento de Biologia do Instituto de Pesca do Estado de São Paulo estão à disposição da população para esclarecimento de dúvidas e também para receber comunicações acerca do aparecimento de novos casos de contaminação por essa verminose. O endereço do Instituto de Pesca é: Av. Francisco Matarazzo, 455 Parque da Água Branca – São Paulo – SP – CEP 05031-900. Também podem ser feitos contatos através do telefone (011) 262-3360 ramal 213. (deverá ser confirmado este endereço e telefone do Instituto de pesca).



Revista Aruanã Edição nº50  - 04/1996



Nenhum comentário:

Postar um comentário