sexta-feira, 21 de outubro de 2016

ESPECIAL: ENXAME














Uma pescaria trágica. Assim pode ser descrita a incursão de um grupo de pescadores paulistas à região do Rio das Mortes. Quem nos contou esta tragédia foi Sidney Martini Ricco, um dos envolvidos diretamente neste incidente.





                              O conjunto de abelhas de uma colmeia 










A rainha e sua corte - fotos Apacame

Esta nossa pescaria já havia sido combinada a alguns meses, afinal de contas, seria a terceira que iríamos ao mesmo local, sendo que nas duas visitas anteriores, a pescaria havia sido boa e farta. Desta vez nossa turma era composta de nove pessoas, sendo que dois dos integrantes eram os proprietários de nossa base em terras de Mato Grosso. Finalmente chegou o dia, e o mês era agosto. Nossa meta era um local conhecido como Santo Antônio, distante mais ou menos três horas de barco da cidade de São Félix, rio acima. Utilizamos transporte rodoviário, via Goiânia, onde no rio Araguaia, mais precisamente Luis Alves – passamos de balsa para o Estado de Mato Grosso. Gastamos dois dias e meio de viagem, que foi calma e tranquila, para chegar à fazenda, onde acamparíamos. Nossa tralha de pesca estava completa, com exceção dos barcos, pois estes eram de propriedade do fazendeiro nosso amigo. O primeiro dia de pesca foi excelente, com muitos tucunarés, fisgados em uma lagoa que já conhecíamos das vezes anteriores. Como isca estávamos usando colheres, e pescávamos nos sistemas de lances e corrico. Nosso barco de alumínio com 5 metros, além dos outros três companheiros, estavam ficando repletos de tucunarés, que, em sua maioria, pesavam mais de um quilo. Assim, em dois dias de pescaria, já havíamos fisgado muitos peixes e soltado outros tantos. E assim decorreu nosso segundo dia de pescaria, tranquilo e recompensador, pois alguns tucunarés fisgados atingiam facilmente 3,5 quilos. O terceiro dia estava prometendo.
                                            O ACIDENTE
Acordei logo com os primeiros raios e sol, em um dia claro e limpo. Mais ou menos às 6 horas da manhã, após o café, nosso rumo era novamente a lagoa dos tucunarés. Chegamos ao pesqueiro por volta das 9 horas e não se notava no ambiente nada de anormal. Para entrar propriamente na lagoa, tínhamos que arrastar a embarcação mato adentro cujo solo era lamaçal, por mais ou menos 20 a 30 metros. Na lagoa havia uma clareira, onde fazíamos nosso lanche. Naquele dia, como estávamos sujos de lama, combinamos de subir corricando até a clareira, onde lavaríamos o barco e tomaríamos banho. No trajeto fisgamos 4 ou 5 tucunarés de bom tamanho. Após a chegada, cada um se lavou e só então lavamos o barco, que era do tipo piracicabano, equipado com motor de 25 HP. Agora sim, iríamos começar de fato nossa pescaria. Eu estava pilotando, e meus três companheiros nesse dia eram o Aldo Buzin, seu filho Luís Buzin e o Milton. Após os companheiros terem subido na embarcação, fui dar partida no motor, quando percebi que a rabeta estava enroscada em uma galhada submersa. Pedia um remo emprestado, quando ouvi o Aldo dizer: TEM ABELHA AQUI. Ao olhar, realmente percebi que algumas abelhas voavam à sua volta. Sua primeira reação foi espanta-las com a mão. Passaram apenas alguns segundos e agora se percebia que o número de abelhas havia aumentado e muito. 




Era um verdadeiro enxame, diria até monstruoso, tal era o número de insetos que voavam ao nosso redor. Imediatamente, pulamos todos na água. Mas mesmo assim, as abelhas continuavam a nos atacar e ferroar. Em um determinado momento, lembro-me de ter olhado para o Aldo e constatado que ele era o mais atacado. Sua cabeça estava envolta por uma “coroa” de abelhas que se estendia pelo pescoço. O desespero era total, estávamos todos aterrorizados face àquela situação. Nesse momento, o Aldo, numa atitude de defesa, foi até o barco e pegou um frasco de Autan spray que estava na gaveta do banco. Em meio ao ataque, foi e voltou com o repelente, tendo o cuidado de passa-lo em todos nós. Nada adiantou, e as abelhas prosseguiram em seu ataque. O segundo a reagir foi o Milton, que tentou fugir do local e se embrenhar no mato. Sua tentativa não foi além de 15 metros, pois fora da água o ataque era pior. Correndo ele voltou para junto de nós. Aos gritos, o Luís nos orientava para que cobríssemos a cabeça com a camisa, pois ele estava sendo menos ferroado ao ter tomado essa providência. A situação era dramática, e resolvi subir no barco, a fim de tentar levar os companheiros para longe dali. Ao subir no barco uma abelha entrou em meu ouvido direito e outra me picou no céu da boca. Tentei dar a partida diversas vezes, e no desespero, pensei que o motor não estivesse pegando. Só mais tarde constatei que o motor de popa já estava funcionando desde quando eu havia tentado desenroscar a rabeta da galhada, no início do acidente. O barulho que o enxame fazia era tão grande, que não era possível ouvir mais nada. De pé no barco, a situação era insustentável, pois eu estava sendo ferroado em todo o corpo. Voltei a me jogar na água. Novamente o Aldo tentou uma reação. Iria até o barco, para pegar um inseticida spray. No mesmo instante em que ele assim procedia, nos estávamos começando a nos afastar da embarcação. Aos gritos pedíamos que ele também fizesse isso, pois estávamos percebendo que à medida que a distância aumentava, diminuía o número de abelhas a nos atacar. Perdemos contato com ele e já estávamos mais ou menos a 100 metros do barco. Ele não havia nos seguido e talvez tivesse fugido para o outro lado. Nessa caminhada pela beira da lagoa eu havia feito um ferimento na mão que sangrava com relativa intensidade, o que era para mim mais uma preocupação, pois havia muita piranha na lagoa. Pus a mão na boca e comecei a sugar o sangue. Estávamos de cócoras na água fazia 40 minutos e nossa maior preocupação era ficarmos completamente imóveis, para não atrair a atenção do enxame. O curioso é que naquela hora, somente três abelhas voavam em redor de cada um de nós, sem contudo nos picar. O período que passamos dentro da água foi terrível. Fizemos de tudo, principalmente pedir ajuda e rezar. Conversando em tom bem baixo, resolvemos que o Luís iria buscar ajuda, pois ele estava muito preocupado com seu pai, já que o Aldo não respondia aos nossos chamados. 






A tarefa de buscar socorro não era fácil, e a escolha recaiu em Luís por ser ele o mais jovem do grupo e o melhor preparado. Teria que caminhar pela beira da lagoa, atravessar o lamaçal, nadar toda a travessia do rio das Mortes para finalmente atingir nosso acampamento, de onde estávamos distantes cerca de 6 ou 7 quilômetros.  Sem mais demora, o companheiro iniciou sua caminhada. Enquanto isso, nós que havíamos ficado, procurávamos não nos mexer e assim permanecemos por mais de uma hora. Após ter pensado muito em todas as possibilidades, resolvi ir até o barco. Lentamente me dirigi para a margem da lagoa e com cuidado fui me aproximando de nossa embarcação. Não havia mais nenhuma abelha nas imediações, tendo desaparecido inclusive aquelas três que me acompanhavam. Consegui divisar o barco, que havia se afastado 5 ou 6 metros da margem. A primeira vista não havia sinal do Aldo. Entrei na água e comecei a puxar o barco pela proa para encosta-lo à margem. Na movimentação, pude avistar o braço direito do Aldo, na posição de fora para dentro, como se estivesse abraçando ou mantendo o barco junto dele. Somente quando cheguei perto dele, pude constatar que o resto do seu corpo estava totalmente submerso, ficando sua cabeça entre a rabeta do motor e a parte inferior da embarcação. Fui socorre-lo e só então percebi que ele estava morto. O motor de popa estava desligado. Esta cena jamais irei esquecer; com muito custo consegui soltar o seu braço e o arrastei para a margem. Sua feição era serena, mas já havia rigidez em seu corpo. Havia ainda um tom escuro em seu rosto, que estava começando a ficar azulado. Tentei coloca-lo dentro do barco, mas devido ao esforço dispendido na hora do ataque, não tinha força suficiente. Deixei-o ficar e empurrei o barco para o meio da lagoa. Dei partido no motor e fui em socorro do Milton que havia ficado no mesmo lugar de antes. Contei-lhe o ocorrido e naquela hora choramos bastante. Passado algum tempo, achamos melhor ir buscar socorro para o companheiro morto, já que estávamos os dois completamente extenuados. Agora nossa preocupação maior era encontrar o Luís, que havia ido há mais de hora e meia, a pé. Com o barco atravessamos o lamaçal e ganhamos as águas do rio das Mortes. Pouco navegamos e numa curva do rio, vimos o Luís abraçado a uma árvore, boiando. Usando-a à guisa de embarcação, ele já havia percorrido, remando com as mãos, mais ou menos três quilômetros em direção ao acampamento. Como contar a ele, naquele momento, que seu pai havia falecido? Sentamos os três na popa da embarcação, e, ente lágrimas, demos vazão a nossos sentimentos. Chorar era a única coisa que nos restava fazer pelo nosso querido Aldo. Rumamos para a fazenda, e após contarmos o ocorrido e também por falta de melhores condições físicas, deixamos que os outros companheiros fossem buscar o corpo. Por sorte havia na fazenda um pequeno avião que estava lá a fim de levar um negociante de gado.Como era um pequeno monomotor, deixamos um outro companheiro, que é advogado e de nome Luís Santos, para acompanhar e liberar o corpo junto às autoridades, a fim de translada-lo para São Paulo. 


Somente mais tarde viemos a saber que a autópsia havia determinado como causa-mortis um choque anafilático. Após a saída do avião da fazenda, foi que começamos a sentir os efeitos do acidente. Nossos rostos começaram a inchar, ficando totalmente deformados. Esse efeito se fez sentir por mais ou menos dois dias. Após quinze dias do ocorrido, ainda tínhamos no corpo marcas daquela tragédia, que se traduziam em manchas vermelhas – parecendo hematomas – por todo o corpo. Perdemos o Aldo e isso resultou em mais uma experiência em nossa vida de pescadores. Acho que se tivéssemos um chapéu de palha grande e a preocupação de um “filó” a nos proteger, não haveria perigo; uma camisa de mangas compridas e bem larga seria outra medida protetora. Esse foi o fato ocorrido com meus amigos e eu no rio das Mortes, e esse relato – se permitirem – quero dedicar como última homenagem ao querido e inesquecível companheiro Aldo.

NOTA DA REDAÇÃO: É comum acontecerem tais ataques? Que tipo de abelhas eram aquelas que atacaram os pescadores? Existe alguma maneira de nos proteger contra enxames? Para responder a tais perguntas a Revista Aruanã foi até a Associação Paulista de Apicultores. Seu presidente, o Dr. Constantino Zara Filho concedeu-nos com exclusividade esta entrevista. “Existem hoje no Brasil dois tipos de abelhas que podemos considerar como as que atacaram os pescadores.Originalmente tínhamos a APIS MELIFIC LIGUSTICA, porém, com a introdução da abelha africana, a APIS ADANSONII, houve um cruzamento entre tais espécies, que resultou em uma espécie africanizada. Esse cruzamento originou uma espécie de abelha que em alguns casos, chega a ser determinadamente agressiva. No caso tratado nesta matéria, temos somente quatro hipóteses a levar em consideração:
A)- O enxame em questão teria sido provocado por alguém, que estaria tirando mel sem os cuidados necessários para com as abelhas. Esse fato estaria ocorrendo em uma área cujo diâmetro aproximado seria de 300 a 400 metros do local do ataque.
B)- As abelhas estavam enxameando (em deslocamento). No dia anterior ao acidente, no final da tarde, coincidentemente teriam parado nos arredores para descansar e passar a noite. Essa viagem, em busca de novo local para a colmeia, é reiniciada sempre pela manhã, por volta de 9 ou 10 horas. Normalmente uma colmeia se dirige para um novo local quando no anterior houve algum problema como queimadas, tiragem de mel, etc. As chamadas “campeiras” são as abelhas encarregadas de ir à frente, para escolher o novo lugar, e só então a colmeia se locomove.
C)- Determinados fatores atraem as abelhas, tais como: cabelos, odor corporal etc. Quando uma abelha ataca e chega a ferroar alguém, exala um odor característico que acaba atraindo as outras abelhas e incitando-as ao ataque, que então já é iminente.

D)- Não existe motivo nenhum para um enxame de abelhas atacar alguém. Quando o enxame está viajando, a preocupação maior das abelhas é a chegada ao novo lar, que foi previamente determinado pelas “campeiras”.
               CUIDADOS ESPECIAIS PARA SE EVITAR UM ATAQUE
E muito importante procurarmos saber se somos alérgicos ao veneno de insetos. Uma pessoa normal consegue suportar até 300 ferroadas. No entanto, em um individuo alérgico, basta somente uma ferroada para provocar o choque anafilático. Essa informação, cabe a cada um de nós procurar descobrir junto ao nosso médico de confiança. Um conselho prático, que poderíamos citar ao pescador, é o de levar sempre consigo um saco plástico comum, com capacidade para 100 litros, preferencialmente com um pouco de transparência. Quando perceber que há abelhas em formação nas imediações, deve-se imediatamente enfiar o saco plástico na cabeça, procurar um lugar sombreado e permanecer completamente imóvel. Se assim procedermos o enxame irá embora em questão de minutos. Procure usar sempre roupas de tonalidades claras, e de maneira alguma use roupas pretas ou de outras cores escuras. Lembre-se de que não existe no Brasil nenhum repelente capaz de evitar um ataque de abelhas.”
                        OUTRAS INFORMAÇÕES
No ferrão da abelha, após a picada, existe uma bolsa de veneno, a qual permanece inoculando-o sob a pele durante algumas horas. O ideal, após a picada, é retirar o ferrão. O melhor procedimento para isso é usar uma faca, raspando-se com a lâmina o mais rente possível à pele. (cuidado para não se cortar), removendo então o ferrão. Usar a faca como compressa no local da picada para diminuir o inchaço é lenda. Em caso de ataque de abelhas, deve a pessoa, sempre que possível, procurar atendimento médico, para que possa ser tratada e medicada com um produto antialérgico. Isto sim evita o inchaço. O apicultor tem no entanto um remédio caseiro cujos resultados são muito bons. Consiste em aplicar no local da ferroada, logo após a retirada do ferrão, uma compressa com cebola natural. Para executar tal tarefa, corte a cebola em quantas partes forem necessárias e aplique diretamente na pele. O inchaço diminui consideravelmente.
Para maiores informações, procure APACAME – Associação Paulista de Apicultores, com sede no Parque da Água Branca, em São Paulo, à Avenida Francisco Matarazzo, 455, CEP 05001 e telefone (011) 62-2163. ATENÇÃO: Pesquisamos no Google sobre a APACAME e informamos que a associação existe e está em atividade. Favor então confirmar endereço e telefones atuais.






Revista Aruanã Ed: nº01 12/1987

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