O nosso entrevistado, nesta edição, é um batalhador
incansável para a melhoria de nosso meio ambiente. Injustiçado, incompreendido e atacado, mostra
um pouco da realidade (NR:10/1991)
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Assinatura do documento que torna irmãos o Aquário de Toba,
no Japão, e o Exotiquarium.
Há mais de trinta anos trabalhando em Zoologia, Nuno Octávio
Vecchi, paulista nascido no Horto Florestal, na Capital, tem 62 anos de idade e
é um dos grandes defensores do meio ambiente no Brasil. Filho de Seraphita
Miranda Azevedo Vecchi e do Dr. Otávio Vecchi, só podia enveredar pela
zoologia, já que seu pai era botânico e entomologista. Para se ter uma idéia de
quem foi o Dr. Otávio, podemos citar algumas de suas atuações, tais como:
escreveu um livro sobre todas as madeiras existentes no Estado de São Paulo;
construiu e inaugurou o museu florestal que leva seu nome, no Horto Florestal
em São Paulo; por ocasião de sua morte, deixou uma das maiores coleções de lepidópteros
(borboletas) que hoje figura no acervo da Escola de Agronomia Luiz de Queiros,
em Piracicaba (SP) entre outras iniciativas. Pescador amador inveterado, Nuno
frequenta com assiduidade locais como o Pantanal, Bacia Amazônica, represas e
rios de nosso país. Como lembrança predileta tem uma pescaria de tucunarés,
cujo maior peixe pesou 9,8kg, realizada na região do rio Trombetas, mais
precisamente no lago Jacaré, nas proximidades de Cachoeira Porteira. “Eu tinha
ido lá, diz Nuno, para fazer um estudo sobre tartarugas e fui convidado por um
caboclo da região para pescar. Nosso material, aliás, o dele, era composto por
uma colher número dois e linha de bitola140. Pescamos de corrico e eu consegui
fisgar então esse tucunaré. O ano era 1978, o mês de outubro”. Como uma de suas
maiores alegrias dentro de sua profissão , Nuno cita o fato de poder desfrutar
de uma natureza rica como é a nossa, o que, infelizmente, se as coisas
continuarem como estão, as gerações futuras não conhecerão. Cita por exemplo o
rio Teles Pires, visitado por ele na década de 60, o Xingu, na mesma época onde
ele conta que era preciso viajar de canoa para não ser flechado pelos índios. O
Pantanal, na década de 40, na região do rio Negro, peixes e animais se via à
vontade. Outras regiões visitadas e que eram um paraíso: Barra do Garça, rio
das Mortes, Cristalino e Araguaia. Sua maior tristeza é o descaso com os botos cor-de-rosa,
por parte de nossas autoridades.
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Pescaria de tucunarés |
Em especial no que se refere ao caso de Bia e da Tiquinha,
dois botos fêmeas, oriundas do rio Formoso (GO) e que, durante dois anos e nove
meses ficaram aqui em São Paulo, mais precisamente no Exotiquarium, Nuno conta:
“No rio Formoso existe uma plantação de arroz e soja, irrigada artificialmente,
onde todos os anos botos morrem, em razão da pouca água no período da estiagem.
Eu tinha na ocasião uma autorização da SUDEPE para capturar um casal de botos
cor-de-rosa, que era o que atendia as pretensões do Exotiquarium para estudo e
tentativas de reprodução pela primeira vez no mundo em aquários. Recebemos
então a denúncia de que havia dois animais presos nesses canais de irrigação e
para lá nos dirigimos”. “Esses botos
estavam aprisionados em um poção desses canais, onde a profundidade era de 40
cm num diâmetro de 40 metros. Não havia nada para eles comerem, e seu estado
era lamentável, pois estavam bastante magros, apresentando um quadro completo
de desnutrição. Suas mortes seriam inevitáveis, se ali permanecessem. Após a
captura, descobrimos que eram duas fêmeas, e resolvemos traze-las assim mesmo,
pois lá iriam morrer, e poderíamos até ser acusados de ‘omissão de socorro’.
Mais tarde pretendíamos pedir autorização para a captura de um exemplar macho.
E assim, com todos os cuidados técnicos e científicos (há filmes que provam
isso), as trouxemos para São Paulo.” “O tempo provou que estávamos certos, pois
em dois meses apenas, já que percebia claramente a adaptação, pois seu peso
havia aumentado consideravelmente , e as fêmeas mostravam-se doces e afáveis.
Nossa convivência com a Tiquinha (o filhote) durou exatamente um ano e sete
meses, pois, devido a um edema pulmonar agudo, ela veio a falecer. A necropsia
mostrou que ala havia sido atacada por um verme que era próprio de sua região
de origem. O corpo da Tiquinha permanece hoje na Faculdade Veterinária da
Universidade se São Paulo. A partir daí, aumentaram as pressões das supostas
‘entidades ecológicas’, que culminaram com uma ação no Ministério Público
contra nós.
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Nuno e Tiquinha
A justiça brasileira ordenou que devolvêssemos a Bia ao seu
local de origem onde teria toda a liberdade.” Pois bem – continua Nuno - 17
dias após levarmos a Bia para o rio Formosa, recebemos a notícia de que ela
havia sido morta por pescadores profissionais, para, quem sabe, vender seu
órgãos genitais e olhos nas feiras da região amazônica, prática essa, alias,
muito comum na região. Dizem eles que esses órgãos dão sorte.” “Na verdade, o
boto na Amazônia é considerado um concorrente do pescador profissional, pois
além de comer peixes, costuma estragar suas redes. Essa, sem dúvida foi a razão
principal da morte da Bia. E, pelo nosso lado, deixamos de mostrar a milhares
de crianças como é um boto cor-de-rosa. A decisão da Justiça, piegas e
romântica, mostra claramente que em nosso país se julga uma questão ambiental
mais com o coração do que com a razão. Por que então não se fecha o zoológico,
que abriga centenas de animais?”– pergunta Nuno, visivelmente emocionado. Para
encerrar, vamos mostrar um pouco das atividades do nosso entrevistado:
participou da montagem do Simba Safari, ficou 12 anos no Zoológico de São
Paulo, na seção de mamíferos e répteis, participando na pesquisa de campo e
captura de animais e realizou a montagem e hoje dirige o Exotiquarium em São
Paulo, idéia esta da Mário Autuori, que originalmente seria dentro do próprio
Zoológico de São Paulo. Infelizmente, Mário Autuori faleceu antes da realização
dessa obra. “Como já tínhamos todos os projetos e estudos prontos, resolvemos
montar por conta própria, dentro do Shopping Morumbi – foi o primeiro a nos
abrir as portas -, já que a nova diretoria do zoológico não quis continuar o
projeto.” O Exotiquarium é hoje internacionalmente reconhecido, havendo a
colaboração entre diversos países, como os Estados Unidos, Canadá e Japão, com
os quais trocam informações científicas. Em 1988, Nuno foi ao Japão onde foi
assinado um acordo entre “aquários irmãos” – o Exotiquarium e o aquário de
Toba, a convite do governo japonês. Para encerrar, Nuno quis dedicar esta
matéria “in memorian” a Bia e Tiquinha, que padeceram os efeitos típicos da má
formação e incompreensão da justiça brasileira e a todos os “ecologistas de
asfalto”, que, com sua duvidosa atuação privaram, principalmente as crianças,
de conhecer um boto cor-de-rosa.
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Revista Aruanã Ed:24 publicada em 10/1991
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